Incoerência legal

O indulto presidencial causa impunidade

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23 de junho de 2014, 8h27

O indulto é  o poder previsto na Constituição Federal, no artigo 84, inciso XII, de o presidente da República perdoar criminosos condenados, exceto em caso de  crimes hediondos e  delitos equiparados como tráfico, tortura e terrorismo. Não se confunde com o “saidão”, saída temporária (férias para presos) a que os presos, se estiverem no regime semi-aberto, têm direito. São cinco saídas  de sete dias por ano — ou seja, 35 dias de férias por ano previstos na Lei de Execução Penal.

O indulto é concretizado através de decreto presidencial e não existe um limite anual, nem critérios sobre o quanto se exige da pena a ser cumprida. Mas, em regra, é publicado uma vez ao ano e no período de Natal, mas pode ser publicado em qualquer período e mais de uma vez por ano, embora não seja a regra.

O indulto não é exclusividade do Brasil. A maioria dos países tem essa previsão para o chefe do Estado, que é diferente da figura do chefe do governo, mas, no Brasil, ambos são centrados na pessoa do presidente da República. Em países em que há monarquia ou parlamentarismo, essa função fica a cargo do rei ou do presidente, e não do primeiro-ministro.

Essa diferenciação é importante, pois se é função de chefe de governo, não é ato privativo para ser julgado pelo Judiciário Federal, pois a presidente da República atua, no caso do indulto, como chefe de Estado em uma República Federativa, representante dos “estados federativos”, e não como chefe da Administração Pública Federal. Portanto, é possível questionar desvios no decreto de indulto na esfera estadual.

Em suma, um “presidente da República” em um país parlamentarista tem função diferente de um “presidente da República” em um país presidencialista, como é o caso do Brasil.

Juridicamente, o indulto não perdoa o crime, nem extingue o tipo penal, apenas extingue a pena. Podendo, ou não, exigir que o condenado cumpra parte da pena.

O indulto vem sendo concedido anualmente no Brasil há mais de 20 anos, com o intuito de reduzir o problema prisional. Porém, a cada ano vem sendo ampliado e gerando graves consequências na impunidade. O indulto não decorre de  lei, logo não é discutido com o Legislativo. É ato privativo do presidente da República que o exerce por meio de decreto, mas não pode legislar sobre execução penal, como vem acontecendo atualmente. O indulto não é um cheque em branco para que o presidente da República faça o que bem entender. É preciso controle, mas a LEP não fixa os limites claramente.

Há várias ilegalidades e inconstitucionalidades no indulto atualmente, mas são pouco criticadas. Na verdade, o indulto concedido apenas após o  fim do processo acaba atendendo aos interesses de setores jurídicos por manutenção de mercado de trabalho. Ou seja, o Estado paga e gasta muito para que haja o processo criminal, mas ao fim, se condenado, há o perdão, ou seja, o setor jurídico recebeu pelo serviço e, ao fim, pouco resultou, mas isso não é questionado.

Na Europa, fazem a triagem de processos mais graves no início do processo, e não no final, como no Brasil.

No Brasil estamos estimulando a criminalidade, pois presos que cometem falta grave estão sendo beneficiados com o indulto. Até mesmo presos foragidos, pois não se consegue fazer a audiência de justificação exigida pela LEP e não se pode aplicar a pena de regressão, ou seja, são beneficiados pelo próprio meio ardil.

Um grupo aparentemente ligado apenas aos interesses dos condenados assessora na redação do decreto do indulto que tem vários artigos, é muito extenso, e embora aleguem que estão recebendo sugestões, nada respondem sobre as sugestões enviadas e apenas apresentam o texto com a redação que lhes interessa, e aparentemente sem a menor preocupação com a segurança pública e com a sociedade.

Muito embora a presidente da República venha a público dizer que está “indignada” com crimes de racismos, de violência doméstica, crimes contra idosos e crianças, as penas por esses crimes estão sendo perdoadas pela presidente, pois o decreto não os exclui. Além de outros graves equívocos como exigir a realização de audiência de justificação para falta grave, ainda que a falta grave tenha acontecido no mesmo dia da publicação do decreto.

Até mesmo homicídios contra mulheres estão sendo perdoados pela presidente, como no caso de homicídios simples e qualificados privilegiados. Além disso, há casos de latrocínio ocorridos antes de 1990 com réus foragidos e que estão sendo perdoados. Também temos casos graves de ladrões profissionais e violentos que cometem roubos e estão sendo perdoados. Até mesmo o caso dos ladrões que cometeram o crime como conhecido “assalto ao Banco Central”(na verdade foi um furto), poderão ser perdoados em breve e nem precisam devolver o dinheiro.

Restringir a exclusão do indulto apenas aos crimes hediondos é um grave equívoco, pois não existe crime militar hediondo, por exemplo. A Lei dos crimes hediondos não incluiu nenhum crime do Código Penal  Militar, logo, o estupro cometido por militares no exercício da função, e várias outras situações, não são delitos hediondos.

Muitos condenados são beneficiados com indulto, mas já estavam presos por outro flagrante, mas ainda não julgado, pois recente.

Até mesmo o conhecido “juiz lalau”, que foi condenado por desvios no TRT, conseguiu  indulto recentemente, ou seja, teve seu crime de corrupção perdoado pela presidente da República. E praticamente nada se falou sobre isto.  E o mesmo poderá acontecer com os condenados no crime do Mensalão, os quais podem ser perdoados se repetir a redação do decreto de indulto de 2013.

Certamente, a presidente da República não deseja essa situação de impunidade, mas setores ideológicos têm aproveitado a confusa e grande redação do decreto de indulto para obter estes ganhos absurdos.

Dessa forma, é urgente que:

1)    O Congresso Nacional legisle sobre regras para concessão de indulto, pois tem havido abusos nos decretos presidenciais e que geram impunidade;
2)    Defina-se que as faltas graves têm  o prazo de até três anos para serem apuradas, conforme  jurisprudência do STJ, ficando o indulto condicionado neste período;
3)    Estabeleça-se que o indulto é condicionado ao fato de o apenado a não cometer mais crimes por dois anos, sob pena de ser revogado e se somar as penas;
4)    Excluir-se expressamente do indulto crimes que não são hediondos, mas são graves, como os homicídios de trânsito, os homicídios simples e os qualificados-privilegiados, lesões graves e gravíssimas, crimes combatidos pela Lei da Maria da Penha, crimes cometidos contra crianças e idosos, crimes ambientais, crimes tributários e econômicos, crimes contra o consumidor, crimes eleitorais, crime de estupro cometido por militar no exercício da função, crimes de abuso de autoridade, crimes contra a administração pública como os peculatos e corrupção, além do tráfico internacional de pessoas, a lavagem de dinheiro e o crime organizado, e também o tráfico internacional de armas. É importante excluir também o latrocínio (cometido antes de 1990) e também o roubo com arma de fogo e quadrilha, além de  furtos mediante uso de explosivos e contra órgãos públicos; e
5)    Prever que a concessão de indulto acontecerá apenas uma vez a cada cinco anos, pois há casos de bandidos perigosos sendo perdoados todos os anos.

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