Atendimento aos carentes

Centros de apoio social devem ter advogado concursado

Autor

  • Andre Luis Alves de Melo

    é promotor em Minas Gerais doutor em Direito Constitucional pela PUC-SP mestre em Direito pela Unifran e associado do Movimento do Ministério Público Democrático.

17 de fevereiro de 2013, 7h46

Os Cras (Centros de Referência de Assistência Social) e Creas (Centros de Referência Especializados de Assistência Social) integram  o Suas (Sistema Único de Assistência Social), o qual foi criado em 15 de julho de 2005, por meio de resolução do Conselho Nacional da Assistência Social. A coordenação nacional do sistema é do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à fome (MDS), mas a gestão dos serviços é feita, de forma descentralizada, por municípios, estados e Distrito Federal. O Suas foi formalizado legalmente através da Lei 12.435/2011.

O sistema também tem uma norma administrativa que regula o funcionamento e a nova versão que passou a vigorar a partir de 3 de janeiro de 2013. A Resolução CNAS 130, de 15 de julho de 2005, que aprovou a NOB/SUAS 2005 foi revogada pela Resolução CNAS 33/2012 que aprova a NOB/SUAS 2012.

Inspirado no modelo do Sistema Único de Saúde (SUS), com atendimento e organização dos serviços em bases regionais (abrangências municipal, estadual ou regional), o Suas tem como objetivo garantir o direito à assistência social e proteção das famílias e indivíduos em situação de risco e vulnerabilidade social..

O Suas, que já tem a adesão de 99,5% dos municípios brasileiros, passa a vigorar como lei. Em julho de 2010, 99,7% dos municípios brasileiros já estavam habilitados em algum dos níveis de gestão do Suas. O Sistema é composto pelo poder público e sociedade civil, que participam diretamente do processo de gestão compartilhada. O Suas engloba projetos de enfrentamento da pobreza, de BPC (Benefício de Assistência Continuada), de previdência social, de encaminhamento para serviços de saúde, de apoio ao Conselho Tutelar, programas de fortalecimento de vínculos familiares e comunitários, de Bolsa Família e muitos outros serviços.

O Suas permite uma busca ativa dos carentes e sem a visão palaciana (palácios da justiça) que prevalece no meio jurídico tradicional.

Em 2011 o Sistema já contava  com cerca de 7,6 mil (Cras) e 2,1 mil(Creas), nos quais cerca de 220 mil profissionais atuam para assegurar os direitos da população mais vulnerável.

Os usuários do Suas são Indivíduos e famílias em situação de vulnerabilidade e risco pessoal, que habitam o território de abrangência do Cras e do Creas, os quais são, na prática, os órgãos de execução da política do Suas.

O Cras é uma unidade Pública Estatal de Proteção Social Básica do Sistema Único de Assistência Social (Suas). Busca prevenir a ocorrência de situações de riscos sociais através do desenvolvimento das capacidades dos atendidos, fortalecendo os vínculos familiares e sociais, aumentando o acesso aos direitos da cidadania.

O Creas é uma Unidade Pública Estatal, faz parte da Proteção Social Especial do Sistema Único de Assistência Social (Suas), oferecendo apoio e orientação especializados a indivíduos e famílias vítimas de violência física, psíquica e sexual, negligência, abandono, ameaça, maus tratos e discriminações sociais, atuando em problemas de média e alta complexidade.

O trabalho do Creas baseia-se em acolher vítimas de violência; acompanhar e reduzir a ocorrência de riscos, seu agravamento ou recorrência, bem como desenvolver ações para diminuir o desrespeito aos direitos humanos e sociais. Os Creas são mais comuns nos municípios com população superior a  20 mil habitantes.

Em suma, o Cras busca prevenir a ocorrência de situações de risco, antes que estas aconteçam. O Creas trabalha com pessoas em que o risco já se instalou, tendo seus direitos violados, sendo vítimas de violência física, psíquica e sexual, negligência, abandono, ameaças, maus tratos e discriminações sociais.

 Segundo as normas do Conselho Nacional de Assistência Social, para implantar o Creas, devem-se seguir os seguintes parâmetros:

“Assegurada a exclusividade dos espaços essenciais, o CREAS poderá compartilhar infra-estrutura física com o CRAS ou Conselho de Assistência Social.

— Recomenda-se não compartilhar com unidades administrativas (Órgão gestor, Prefeitura, etc.);

— Deve ser evitada a instalação do CREAS em imóvel compartilhado com órgãos de defesa de direitos (Poder Judiciário, Delegacias, Conselho Tutelar, Ministério Público; Disque Denúncia);

— O CREAS não deve ser instalado em imóvel compartilhado com ONG ou com unidade prestadora de Serviço de Acolhimento.”

 Logo, os Cras (Centros de Referência da Assistência Social) devem prestar assistência jurídica, pois não existe assistência social sem assessoria jurídica. Embora tenha prevalecido atualmente uma visão de monopólio de pobre. O fato é que os Cras estão presentes em todos os municípios e em vários bairros.  Já os Creas estão presentes, em geral, nos municípios com mais de 20 mil habitantes.

Temos os Cras e Creas de porte I, porte II, Médio Porte e Grande Porte, conforme a população atendida, variando de uma média de 20 mil pessoas até uma proporção de até 200 mil habitantes.

Os Creas já contam obrigatoriamente com necessidade de um advogado integrar a equipe para orientação jurídica, mas esta medida não vem sendo cumprida em muitos municípios. Os Cras ainda não têm a previsão normativa de contarem com advogado, mas alguns municípios já disponibilizam este serviço.

Como leciona Mauro Cappelletti, na obra Acesso à Justiça, o melhor modelo de assistência jurídica que identificou, após analisar o funcionamento em dezenas de países, foi o que permitia vários legitimados para prestar assistência jurídica, sem monopólios, ou seja, é fundamental que os municípios também prestem assistência jurídica aos carentes, uma vez que são quase seis mil municípios e menos de dois mil são sede de Comarca.

Tecnicamente correto é que os servidores dos Cras e Creas sejam selecionados por concurso específico que exija conhecimentos ligados aos direitos sociais. A equipe do Creas normalmente conta com assistente social, psicólogo e advogado, além de servidores de apoio. Contudo, a NOB do Suas para Recursos Humanos ainda é de 2006 e não está atualizada conforme a lei 12.435/2011, (NOB-RH-SUAS, dezembro de 2006).

No caso do advogado que atua no Suas é indiscutível que deve ser concursado e com provas que avalie conhecimentos específicos da área, uma vez que as faculdades de Direito raramente lecionam essa matéria, pois normalmente focam temas processuais e patrimoniais, o que é bem diferente do cotidiano do advogado no Suas, inclusive deve ter perfil conciliador e extrajudicial. Sendo que a rigor nada impede que também ajuíze ações judiciais, apesar de não ser a sua prioridade de trabalho.

 O Cras de pequeno porte I atende até 2.500 famílias (média de 10 mil pessoas). O pequeno porte II até 3.500 famílias referenciadas, já o Médio e Grande Porte até 5.000 famílias referenciadas.

Embora a Defensoria também preste assistência jurídica aos carentes, o que se observa na prática é que os pobres atendidos pelo Cras são bem mais pobres do que os "pobres" atendidos pela Defensoria ou pelos advogados dativos no sistema tradicional de assistência jurídica. Além disso, o Suas tem uma preocupação com resultados e estatísticas de renda, inclusão social, o que não ocorre no meio jurídico tradicional, no qual geralmente a verba de assistência jurídica é gasta sem critérios objetivos ou prestação de contas.

O objetivo geral do Suas é prevenir a ocorrência de situações de vulnerabilidade e risco social nos territórios, por meio do desenvolvimento de potencialidades e de aquisições, do fortalecimento de vínculos familiares e comunitários e da ampliação do acesso aos direitos de cidadania.

Oportuno transcrever o texto abaixo que destaca o empoderamento das mulheres carentes com o serviço do Cras:

 “Além desta maior conscientização dos direitos, 27,2% dos entrevistados relatam que as mulheres procuram o Cras com o intuito de solicitar assistência jurídica, enquanto 36,3% afirmam que houve mais casos de separação”. (trecho de artigo na RAP –Revista de Administração Pública, vol.46 no.2 Rio de Janeiro Mar./Apr. 2012, Nathalia Carvalho Moreira e outros).

 Assim, os Cras e Creas poderiam fazer mediação familiar e comunitária, apoiar o Conselho Tutelar, orientar sobre previdência e trabalhista, idosos, bem como direitos do consumidor e outros, e o serviço de assistência jurídica é imprescindível neste caso.

Oportuno ressaltar que neste momento que se discute a autonomia para a assistência jurídica, seria também relevante que o Suas contasse com autonomia financeira e administrativa, com orçamento previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Contudo, a legitimidade para alterar a LRF nos tópicos de orçamento, a iniciativa de Projeto de Lei é privativa do Presidente da República, conforme já demonstrado em outro artigo.

Portanto, é preciso dar autonomia ao cidadão com direito de escolha na área de assistência jurídica, caso contrário o assistido torna-se mero objeto humanóide, em vez de sujeito. Ora, se podemos ter vários entes para ajuizar Ações Civis Públicas, não faz sentido que apenas um ente tenha legitimidade para prestar assistência jurídica aos carentes. Se até na Segurança Pública, que é atividade tipicamente estatal, podemos ter um Sistema (Sinesp — Lei 12.681/2012), não faz sentido que na assistência jurídica que o Estado exerça função complementar não possa existir um sistema integrado de assistência jurídica.

Apesar da importância do Suas, é importante ressaltar que setores da classe média vêem estes serviços de atendimento aos carentes como forma de venderem os seus serviços ao Estado e de controlarem os pobres, os quais devem ficar dependentes e reféns dos seus serviços. Logo, é preciso estabelecer metas para autonomia do cidadão atendido.

Lado outro, no meio jurídico prevalece uma ideologia de “donos dos pobres” e de usar esse conceito como retórica para instrumento de controle e reserva de mercado, logo tentam todas as medidas para impedir a implantação de assistência jurídica descentralizada no Suas, ou seja, criam barreiras para manter uma espécie de “monopólio de pobre”.

Porém, analisando o funcionamento do Suas, o mesmo possui muito mais virtudes do que defeitos, embora seja incompreendido e pouco estudado pelo meio jurídico, este ainda focado na construção de “palácios de justiça” e sem muito interesse de trabalho interdisciplinar com outras carreiras por receio de dividir mercado de trabalho, apesar disto ser inevitável na sociedade atual. No caso da violência doméstica, muito melhor prevenir a mesma através do correto funcionamento do Suas do que criar Delegacias (Estado policialesco), mas esta tendência é criar Delegacias, apesar de os envolvidos quererem mais um canal de diálogo para acabar as discussões e evitar as futuras agressões físicas.

Logo, considerando a natureza dos serviços prestados pelo Suas através do Creas e Cras, bem como a sua atuação difusa, faz-se imprescindível que o mesmo preste assistência jurídica aos seus assistidos, pois inerente à inclusão social, em especial em atividades extrajudiciais e de forma excepcional ajuizando ações judiciais, o que seria uma revolução no atendimento aos carentes em razão de sua capilaridade, logo urge que a NOB-RH do Suas seja alterada para incluir a obrigatoriedade de um ou mais advogados concursados na equipe do Cras e Creas como obrigatório para a complementação dos repasses financeiros.

Fonte: mds.gov.br

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