ÉTICA DE BANDIDOS

Ética de bandido e o novo CP (a luta das ideologias)

Autor

3 de setembro de 2012, 12h04

O novo Código Penal está em discussão e tem despertado atenção de todos os segmentos, inclusive não jurídicos, como empresarial, religioso, ONGs e outros. A ideologia está presente e o texto apresentado pela Comissão de Juristas não é a versão final como pensam alguns. Mas, é uma proposta. O trabalho ficou interessante. De fato com algumas falhas, mas podem ser corrigidas.

Não haverá Código Penal que agrade a todos, pois uns sempre acharão benevolente demais e outros rigoroso demais (o mesmo texto). No entanto, cabe ao Legislativo decidir se aborto, ortotanásia serão crimes. Se a pena máxima será de 50 anos ou continuará 30 anos. Quais delitos serão hediondos. Alguns setores elitizados tentam impedir a tramitação do novo Código Penal e usurpam a função do legislador.

Lado outro, para a linha que acredita que crime é uma questão de pobreza, logo rico não comete crime, é o mesmo segmento que sustenta que bandido tem ética e talvez em breve até vire profissão com direito a Carteira de Trabalho com inscrições “bandido profissional” ou “bandido amador”.

Alguns advogados criminalistas ao se insurgirem contra a delação premiada alegam que esta viola a “ética”. E estuprar pessoas não viola a ética? E cometer homicídios não viola a ética? E cometer crime não é violar a ética?

O debate sobre o novo Código Penal é o momento oportuno para se discutir a questão criminal. De fato, precisamos melhorar a investigação, mas de nada adianta processar por penas tão diminutas e banalizadas pela execução penal atualmente como a pena mínima da lesão corporal em lesão doméstica (três meses apenas que viram cinco dias de pena na prática, artigo 129, parágrafo 9º, do CP). No Brasil aplica-se pena mínima e não pena máxima.

A delação premiada consiste em um autor de crimes “entregar” o comparsa e ter a sua pena reduzida ou até extinta. Este instrumento já é previsto na legislação esparsa para alguns delitos, mas com o novo Código Penal será ampliado. Contudo, sempre sofreu grande resistência de alguns setores da advocacia criminal. Alegam que é um absurdo o Estado exigir do inocente bandido que “entregue” outro inocente bandido. A busca da verdade real é um mito que ainda tem prevalecido no processo penal.

Mas, estes defensores da ética criminal não acham sem ética permitirmos que o réu minta em juízo. Ora, mentir não é falta de ética? De qual ética estão falando? Da ética do “Código de Ética da OAB”, o qual mais possui questões afetas à vedação da publicidade para evitar concorrência com os grandes escritórios do que necessariamente regras éticas?

O Ministério da Justiça apenas elabora proposta de normas para atender ao bandido, pois no Ministério da Justiça não há promotores, juízes, nem policiais, mas apenas advogados privados e públicos (defensores). O único artigo de lei nos últimos anos que beneficiou as vítimas não adveio de iniciativa do Executivo, o qual é doutrinariamente ligado a um Instituto composto por juristas teóricos (apenas advogados criminalistas famosos ligados a certa Faculdade Direito e que não atuam em processos penais, praticamente apenas lecionam), os quais influenciam muito o Ministério da Justiça. Para eles é Deus no céu, o bandido na Terra e a vítima no inferno. Afinal, a vítima é a culpada pelo crime e não o réu, conforme Teoria da Defesa Social.

Se dependesse exclusivamente deste grupo, o novo Código de Processo Penal e o novo Código Penal seria escrito em latim para apenas alguns poucos entenderem e interpretarem, afinal a compreensão popular das leis é algo que entendem como um pecado capital.

Felizmente e para o bem da sociedade, o novo Projeto de Código Penal não teve início no Ministério da Justiça, nem a participação deste Instituto, o que tem gerado a revolta deles. Afinal, foi elaborado por uma Comissão de Juristas (com outra ideologia, bem mais práticos, que atuam no crime diariamente, conhecem a doutrina, mas respeitando as diferenças entre as carreiras jurídicas) e vai ser melhorado no Senado pelos senadores e suas assessorias. Situação bem diferente da relativa ao Instituto citado anteriormente que é um pequeno feudo de advogados criminalistas e que sempre participou das últimas reformas propostas.

Importante ressaltar que o Projeto de novo Código Penal precisa de alguns ajustes, mas diminuirá bastante as prisões por furtos de pequenos objetos (o que consiste a maioria das prisões, em torno de 40% dos presos atuais) e agravará as penas para crimes de interesse público (corrupção). Em geral, é o melhor projeto de Reforma do Código Penal apresentado até a presente data, o que tem provocado a ira de alguns setores específicos e que sempre mandaram neste tema gerando o caos com muito discurso e pouca ação efetiva. Em relação ao crime de tráfico vai depender da ideologia que prevalecer no Legislativo, pois tema extremamente polêmico e certamente a decisão será dos Legisladores que têm atribuição para decidir e também no poder de veto do Executivo.

O projeto não está acabado como imaginam alguns tecnocráticos. Mas, apenas começando. E erros de dosimetria da pena ou de redação de tipo penal podem ser corrigidos facilmente por senadores e deputados, a quem compete decidir. A codificação (reunião de todos os crimes apenas no Código Penal, com extinção das leis esparsas) já será uma revolução no ensino e aplicação do Direito Penal.

Oportuno registrar que o Projeto de Lei4.205/2001, que alterou o CPP, enviado pelo Ministério da Justiça ao Legislativo, nada falava da vítima e apenas objetivava criar mais dificuldades processuais, como sermos o único país do mundo em que todos os interrogatórios judiciais são o último ato e não mais o primeiro, o que tem atrasado substancialmente os processos penais.

Contudo, apenas no Legislativo é que foi possível incluir, por emenda, um pequeno direito das vítimas:
Art. 201:
5º Se o juiz entender necessário, poderá encaminhar o ofendido para atendimento multidisciplinar, especialmente nas áreas psicossocial, de assistência jurídica e de saúde, a expensas do ofensor ou do Estado. (Incluído pela Lei 11.690, de 2008)

Já que estamos falando em ética, então devemos pensar na confissão premiada, na qual o criminoso confessaria o seu crime no início do processo e teria a pena diminuída substancialmente. Pois falar a verdade é uma questão de ética.

Por fim, não podemos esquecer que o Código Penal é um campo de disputas ideológicas, mas é preciso combater o bom combate, pois o Código Penal em vigor é péssimo para a realidade atual e precisamos de melhoras urgentes na execução penal, pois é um estímulo à impunidade e à ficção de pena. Uma pena de seis anos (que é alta no cotidiano, pois geralmente menores que quatro anos) transforma-se em pena de quatro meses de prisão na prática. O mais importante é iniciar este debate e não parar apenas no debate, mas alterar as normas, pois precisamos de uma reforma do sistema de justiça criminal urgente, incluindo CP e CPP, pois vivemos no caos total.

[Artigo alterado nesta terça-feira, 4 de setembro de 2012, para acréscimo de informações.]

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!