Influência temerária

Opinião pública não pode pautar decisões do Judiciário

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10 de maio de 2012, 20h08

O julgamento de temas polêmicos que dividem a sociedade é o que se espera de cortes como o Supremo Tribunal Federal e os tribunais superiores. No entanto, diante de uma sociedade cada vez mais interessada em Justiça, a pressão da opinião pública sobre quem deve decidir tecnicamente aumenta. Segundo o ministro Cesar Asfor Rocha, primeiro magistrado a completar 20 anos como membro do Superior Tribunal de Justiça no próximo dia 22 de maio, pelo menos uma mudança crucial já pode ser sentida. Em entrevista concedida ao Anuário da Justiça Brasil 2012, ele afirmou que, há duas décadas, era preciso coragem para condenar um réu. Hoje, é preciso muita coragem para absolver. 

Apesar da intensidade da voz das ruas, operadores do Direito concordam que a Justiça tem resistido à correnteza. Especialistas presentes ao lançamento do Anuário nesta quarta-feira (9/5), no STF, afirmaram que a Justiça tem sido acompanhada mais de perto, mas que os julgadores não têm se deixado influenciar. Aos presentes, a ConJur questionou se há algum declínio da face contramajoritária do Judiciário, e se a popularização da Justiça pode provocar mudanças nessa lógica.

Para o ministro Celso de Mello, decano do STF, a suprema corte tem valorizado a “função contramajoritária que é inerente à própria jurisprudência constitucional”. Segundo ele, isso acontece “à medida que o desempenho da atividade constitucional se apresenta na posição de resguardo a grupos minoritários e de pessoas vulneráveis”. Celso afirmou que o Supremo não se deixa permear pela opinião popular em suas discussões.

O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, concorda. “Essa função contramajoritária tem sido reforçada. O STF tem cumprido sua missão de interpretar [a Constituição]”.

Para o ministro Mauro Campbell Marques, do STJ, a posição do Judiciário deve ser sempre técnica, e a popularização da Justiça não deve permear a atividade. "Minha postura como magistrado nunca foi de adotar pautas externas. Nossa prestação é especializada. Já o STF faz uma análise mais política", disse.

O ministro Marco Aurélio Bellizze é crítico da influência externa. "Há quem pense que as decisões do STF, para serem legítimas, têm que ser conforme a opinião pública. Mas o que é a opinião pública? O que chega até o Judiciário é a opinião pública ou a opinião publicada?", questiona. "O mais importante é o interesse público. A opinião pública tem sede de vingança social." 

A ministra Delaíde Arantes, do Tribunal Superior do Trabalho, refuta a ideia de que o Judiciário tenha que se deixar permear pelo que dizem os jornais. “Considero que não se deve julgar pela mídia, mas claro que deve haver uma aproximação entre Justiça e sociedade, para haver um diálogo, sempre no sentido da cidadania.”

Já o desembargador Vasco Della Giustina, convocado no STJ, acredita que a imprensa tem passado uma imagem negativa do Judiciário. Segundo ele, pelo que dizem os jornais, a impressão é a de que a Justiça não tem melhorado como deveria, “mas isso é porque não se divulgam as coisas boas”.

Para o ministro, a atitude da imprensa serve de estímulo para que desempenhe seu trabalho. “Como juiz, quando vejo comentários negativos, ofendo-me, mas me estimulo a trabalhar melhor.”

O advogado Márcio Kayatt também refuta a ideia de que as ruas permeiam as decisões do Supremo. “Não tem havido declínio da postura contramajoritária e nem popularização do Judiciário. O STF tem resistido à pressão da opinião pública e da imprensa”, disse.

Evolução social
Para outros especialistas, o Judiciário não pode ignorar os anseios da sociedade. Para o ministro Ari Pargendler, presidente do STJ, “os juízes interpretam as leis de acordo com o momento histórico em que se encontram”. Isso, para ele, “explica os avanços”, tanto sociais quanto da Justiça, vistos nos últimos anos.

“O juiz deve julgar de acordo com os autos, mas com isso, pode se afastar dos reclames da sociedade. Sem cidadão, não existe Justiça, e sem Justiça, não há sociedade forte. É preciso conjugar Direito e sociedade”, completa o ministro Humberto Martins, do STJ.

A ministra Maria Calsing, do Tribunal Superior do Trabalho, acredita que a Justiça não pode se distanciar da opinião pública. "O Judiciário tem de saber o que sente e o que pensa a população, mas não pode decidir apenas em favor da opinião pública, contra o que está na lei e na Constituição". Ela, no entanto, faz uma ressalva: “Tem havido algumas coincidências entre o que pede a população e o que decide o Judiciário, mas elas nem sempre coincidem. Esse dado mostra que a opinião pública está mais instruída. O país está evoluindo”.

O presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, desembargador Nelson Calandra, preferiu se valer de uma metáfora para discutir o paradoxo entre o Judiciário e a opinião popular. “A voz das ruas não dita o veredictum final, mas o que é debatido enrijece e nutre as raízes de uma grande árvore, que é o julgamento. Talvez por isso as decisões que não estão em ampla sintonia estão diminuindo.”

A tributarista Mary Elbe Queiroz pondera que parte da função do STF é ser um tribunal político, que sempre tem de levar em conta as consequências de suas decisões. “É uma corte que tem de sopesar as repercussões e respeitar o viés jurídico, além do econômico, social e político.”

O criminalista Roberto Podval concorda. Para ele, o Supremo “é uma corte eclética, que representa uma sociedade eclética”.

Lados opostos
O ministro Adilson Macabu, desembargador convocado ao Superior Tribunal de Justiça, afirma que não é o Judiciário que julga contra a opinião pública. “É a opinião pública que tem uma visão diferente.”

Mas, segundo ele, esse fenômeno tem se abrandado ao longo dos anos, à medida que a população se preocupa em entender as razões do juiz. “Há distorções porque as pessoas não têm acesso aos autos, mas quando o julgador esclarece seus fundamentos na decisão, a opinião pública entende o que está sendo dito.”

O ministro acrescenta que o juiz tem a obrigação de julgar de acordo com o que diz a lei, e que nem sempre o texto legal acompanha a vontade da maioria. “Se a lei é boa ou ruim, não cabe a mim dizer.”

Para o advogado Osório Silveira Bueno Neto, do escritório Machado Associados, parte da culpa pela pressão excessiva sobre o Judiciário é do Legislativo, que não tem feito seu papel, deixando o Executivo tomar a iniciativa legal. “E o Supremo, que deveria analisar questões polêmicas depois, acaba tomando a frente”.

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