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Governo dos EUA aponta caminho no combate à corrupção

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8 de dezembro de 2012, 5h36

Em novembro, o Ministério Público dos Estados Unidos (Departament os Justice — DOJ) publicou diretrizes para o combate à corrupção nas empresas. O documento, de 104 páginas, mostra atitudes das companhias que serão bem vistas — possíveis “atenuantes” — pelo DOJ e pela Securities and Exchange Commission — equivalente à CVM dos EUA — no caso de problemas com fraudes ou corrupção. Os principais pontos são a própria empresa ter reportado o problema e ela ter investido em compliance e monitoramento de possíveis problemas.

A consolidação dos entendimentos sobre a Foreign Corrupt Practices Act (FCPA) — ou Lei de Práticas Corruptas no Exterior, em tradução livre — afetam diretamente as empresas brasileiras que têm acesso ao mercado financeiro dos EUA, as subsidiárias de empresas americanas no Brasil, aquelas que tenham firmado negócios nos EUA ou usado estruturas americanas, como bancos, sistemas de comunicação e aeroportos. “Do ponto de vista geográfico, as interpretações da lei têm alcance mito amplo”, explica Eduardo Sampaio, CEO da FTI Consulting, empresa de consultoria de negócios.

Segundo o advogado e colunista da revista Consultor Jurídico, Antenor Madruga, apesar de não estabelecer novas regras, possuindo caráter meramente informativo e não vinculante, o guia é especialmente relevante e útil no que se refere à análise de programas de compliance anticorrupção adotados pelas empresas, nacionais e estrangeiras, e seus efeitos em eventuais penalidades ou acordos extrajudiciais.

O documento que aponta as práticas que serão bem vistas, mas não especifica o quanto isso poderá ajudar em um processo contra as companhias. Uma opção, sugere Sampaio, seria definir que, se a empresa tiver um bom compliance, com treinamento de funcionários e gestores e uma linha direta para que sejam feitas denúncias, ela teria a pena máxima reduzida ou não teria seus diretores presos durante o processo.

O guia do Ministério Público dos EUA deixa claro que não serão aceitas “desculpas”, como a companhia em questão ter sido extorquida por autoridade do país às quais ela pagou propina. A missão da empresa, explica, é contar isso ao DOJ, e não contribuir com um sistema de corrupção.

As empresas — principalmente aquelas em território estrangeiro, que não são regidas pelas leis americanas — devem ficar atentas para uma passagem do documento, que explica o que é “willfully” (intencionalmente ou deliberadamente, em tradução livre). O termo não consta no texto da FCPA, mas o DOJ faz questão de explicar que o governo não é obrigado a provar que a empresa conhecia as regras da FCPA. Para ser considerada culpada, basta que a companhia tenha agido deliberadamente fazendo algo errado.

A advogada Isabel Franco, do Koury Lopes Advogados (KLA), estava nos Estados Unidos quando foi feito o lançamento da cartilha. Ela acompanhava, justamente, um cliente — de uma subsidiária brasileira de uma empresa americana — que foi reportar uma fraude ao DOJ.

Segundo ela, o guia é interessante para deixar claro o que é bem-visto pelo DOJ e pela SEC, mas a autodenuncia ainda é vista com ressalva pelas companhias. Isso porque, após a denúncia, ainda que feita pela própria empresa, o DOJ tem três diferentes atitudes, de acordo com seus próprios critérios: abrir um processo contra a companhia, não processar a companhia ou deferir um processo, que pode ser tocado adiante caso a empresa não adote o comportamento indicado pelo órgão.

Leis brasileiras
O guia, diz Isabel, tem muitas coisas em aberto. “Eu mesma fui perguntar ao chefe do DOJ se eles levarão em conta a lei penal brasileira, que é mais fechada ao definir, por exemplo, agente público, ou se vale o que está no guia.” A resposta serve como aviso para todas as empresas que atuam no Brasil: o DOJ vai analisar a lei nacional.

Outro ponto no qual é bom ficar atento é que o documento deixa claro que não basta a empresa estar seguindo as orientações, mas seus parceiros e intermediários também precisam andar na linha. Eduardo Sampaio, bem humorado, cita Saint Exupéry, que, no livro O Pequeno Príncipe, diz que “tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas”.

As novas regras mostram que o DOJ tem valorizado o compliance e a cooperação das empresas, que devem ter hotlines para denúncias internas e devem, elas mesmas, irem ao DOJ apontar os próprios problemas. A postura, segundo Sampaio vai contra outra lei que tem dado muita polêmica, ao incentivar que funcionários denunciem práticas delituosas da própria empresa, chamada de Lei Dodd-Frank.

A Lei Dodd-Frank prevê que o funcionário que denunciar sua empresa ao governo receberá até 30% da multa aplicada pelo governo à companhia, caso a denúncia culmine em uma condenação. “Com isso, o funcionário, em vez de denunciar o problema dentro da própria empresa, melhorando o funcionamento dela e a imagem dela perante a Justiça americana, vai preferir denunciar ao governo”, reclama Sampaio.

Já Isabel Franco diz que não há contradição, pois tanto a cartilha quanto a Lei Dodd-Frank passam uma só mensagem: o governo americano está acompanhando de perto as empresas, e intolerante com corrupção e fraudes. “Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”, diz ela.

Mercado da denúncia
A Dodd-Frank criou algo que já pode ser classificado como um “mercado de denúncia”, que é prejudicial para as empresas. O dinheiro oferecido aos denunciantes, chamados de “whistleblowers”, já é alvo de advogados, que se especializaram na área e agora estão fazendo fama e fortuna representando os delatores.

Listado pela publicação do National Law Journal como um dos 100 advogados mais influentes da América, John R. Phillips especializou seu escritório em representar os “dedos-duros”. Dono do domínio www.whistleblowers.com, o escritório dele — Phillips & Cohen LLP — diz, em seu site, que já recuperou mais de US$ 8,5 bilhões com casos de denúncias.

“Denunciar uma fraude ou corrupção pode ser uma tarefa complicada e difícil”, diz o site do escritório Kline & Specter, de advogados de “whistblowers”. O escritório deixa claro que não cobra nenhuma quantia em adiantado, pegando os casos “de graça”. “O escritório recebe um percentual da recompensa e despesas se — e somente se — o processo for vitoriosos”, diz o site, cujo endereço é www.attorneysforwhistleblowers.com. Caso contrário, nada será devido.

A recompensa mais alta paga até hoje foi de US$ 104 bilhões, entregue ao banqueiro Bradley Birkenfeld, 47, que passou dois anos e meio na cadeia, por ajudar clientes em um esquema de evasão de dólares para a Suíça. Ele foi pago por revelar segredos do sistema bancário suíço e entregar os clientes do UBS (instituição financeira que opera na Suíça e nos EUA) que sonegaram imposto de renda com sua ajuda.

A banca que representou Birkenfeld foi a Kohn, Kohn & Colapinto, que traz a notícia da vitória de Birkenfeld como cartão de visitas em seu site. O escritório apresenta seus clientes como “heróis”, “que fizeram dos Estados Unidos um lugar melhor e mais seguro”.

*Texto alterado às 12h do dia 11 de dezembro de 2012 para acréscimo de informações.

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