Anseios midiáticos

Lei cria problemas ao definir organização criminosa

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5 de agosto de 2012, 6h15

Há anos que o problema de conceituação sobre o que seria uma "organização criminosa" impera em nosso sistema jurídico. A crise tem verdadeiro início através da Lei 9.034/95, que regula meios de prova diferenciados para ilícitos cometidos através de tal tipo de organização. Entretanto, como esta mesma lei previa o uso de tais instrumentos probatórios para delitos cometidos por quadrilhas, o dia a dia forense acabou por legitimá-la à margem da falta de definição adequada para o que seria a "organização" em si.

O problema, entretanto, restou fortemente agravado pela edição da Lei 9.613/97, eis que tal norma, referente ao delito de lavagem de dinheiro, previa como crime antecedente todo e qualquer delito praticado pela organização.

A partir daí, inúmeras foram as condenações pelo delito de lavagem de dinheiro com base em tal antecedente. Para tanto, muitos juízes afirmaram inicialmente que a organização criminosa estaria subsumida no delito do artigo 288 do Código Penal (quadrilha ou bando). Neste sentido, argumentavam que o artigo 1º da Lei 9.034/95, em sua redação original, permitia tal subsunção na medida em que versava apenas sobre "quadrilha", enquanto os artigo 2º, 4º, 5º, 6º, 7º e 10º do mesmo diploma legal utilizavam apenas a locução "organização criminosa". Desta maneira, partiram do pressuposto de que a organização criminosa seria um gênero do qual quadrilha faria parte enquanto espécie.

Tal entendimento foi superado pela edição da Lei 10.217/01, que alterou a redação do dispositivo mencionado afirmando a distinção entre quadrilha e organização criminosa, ao prescrever o cabimento dos meios de prova ali mencionados para delitos cometidos por quadrilha, bando ou organizações criminosas.

Ante a evidente separação de tais institutos por parte da lei, houve a necessidade de se buscar uma nova definição para este último. Com tal intenção, muitos juízes passaram a defender a idéia de que a adesão do Brasil à Convenção de Palermo (Decreto 5.015 de 12 de março de 2004, da Convenção das Nações Unidas sobre o Crime Organizado Transnacional, adotada em Nova Iorque em 15 de novembro de 2000) supriria tal lacuna. E, como a idéia de um juiz se concretiza na condenação de um indivíduo, muitos foram aqueles condenados por lavagem de dinheiro tendo, como crime antecedente, a "organização criminosa".

O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, teve a oportunidade de se manifestar já em 2012 sobre o tema, junto ao Habeas Corpus 96.007, reconhecendo, acertadamente a nosso sentir, a atipicidade do termo. Em tal julgamento o ministro Marco Aurélio afirmou que o Judiciário, ao definir o termo "organização criminosa", estaria, em verdade, acrescentando à lei elementos que ela não continha, em clara violação aos princípios elementares de Direito Penal.

Pois bem: o legislador brasileiro, tentando suprir tal indefinição, edita a Lei 12.694/12, afirmando em seu artigo segundo que, "para os efeitos desta lei, considera-se organização criminosa a associação, de três ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a quatro anos ou que sejam de caráter transnacional".

Aos mais atentos, e aos menos também, restou uma dúvida: se um tipo penal é formado por preceito primário — definição de conduta — e secundário — estipulação da pena —, qual a pena para este novo tipo penal?

Obviamente surgirão mais correntes doutrinárias e jurisprudências afirmando que a pena é a mesma que a imposta ao delito de quadrilha. Creio, no entanto, que tal lacuna não pode ser suprida por analogia, eis que, mais uma vez, estaríamos acrescentando à norma penal elementos que nela não se encontram. Temos, portanto, o bizarro quadro onde um participante de organização criminosa terá um tratamento penal mais brando do que o mero integrante de quadrilha, eis que, para ele, restará a conduta, mas não a punição.

Uma segunda crítica reside no fato de que a organização criminosa se caracteriza não por seus elementos em si, mas, sim, por seus objetivos — cometer crimes com penas iguais ou superiores à quatro anos. Como tal objetivo conta, ainda que implicitamente, com a consciência da antijuridicidade específica do delito cometido por parte do agente que o pratica, torna-se praticamente inviável sua verdadeira aferição no mundo dos fatos.

Enfim, mais uma vez a pressa do legislador, em sua vontade de atender aos anseios midiáticos gera uma lei que trará mais problemas do que soluções. Enquanto isso, os tribunais superiores é que continuarão passando a imagem de lenientes com o crime organizado quando, em verdade, estão a aplicar os princípios básicos de Direito Penal aos casos que lá aportam.

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    é advogado criminalista, sócio do escritório Daniel Gerber Advocacia Penal, em Porto Alegre (RS), e do escritório Eduardo Antônio Lucho Ferrão, em Brasília (DF).

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