Passo de tartaruga

Nove anos após o crime, réu não sabe se vai a júri

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28 de maio de 2011, 8h44

A quem se indignou com o tempo de espera de 11 anos para que a Justiça julgasse definitivamente todos os recursos do jornalista Pimenta Neves, aí vai um caso ainda mais ardiloso no uso das brechas deixadas pela legislação e pela disfuncionalidade do sistema judicial. O empresário Sérgio Nahas é acusado de um crime ocorrido em 2002 e até agora não acertou contas com a Justiça.

O industrial é acusado pelo Ministério Público de matar a mulher, Fernanda Orfale Nahas, na época com 28 anos. O crime ocorreu em 14 de setembro de 2002, no apartamento onde vivia o casal, no bairro de Higienópolis. A Polícia encontrou Fernanda morta com um tiro no peito. O empresário estava na cena do crime e contou que ouviu um disparo vindo do closet. Segundo Sérgio, ao chegar ao local se deparou com a mulher agonizando.

Quase nove anos depois, o industrial sequer foi levado a júri popular. Sérgio Nahas responde ao processo em liberdade e sua defesa, com o emprego de sucessivos recursos, conseguiu postergar seu julgamento, até agora. A defesa é conduzida pela advogada Dora Marzo Cavalcanti Cordani, discípula do ex-ministro da Justiça Marcio Thomaz Bastos. O empresário nega que tenha assassinado a mulher e sustenta a tese de suicídio.

A advogada ingressou com Habeas Corpus, Apelação, Agravo Regimenal, Reclamação, Recurso em Sentido Estrito e Embargos de Declaração. O réu foi pronunciado em 2007 e contestou o decreto de pronúncia em fevereiro de 2008, junto à 3ª Câmara Criminal. Um incidente de distribuição levou a defesa a ingressar com reclamação. A advogada se valeu do Regimento Interno do Tribunal de Justiça. O recurso que antes caiu nas mãos de um desembargador foi depois redistribuído a outro, por conta da remoção do primeiro da câmara que tinha a prevenção para apreciar o caso. Esse incidente foi resolvido pelo presidente da Seção Criminal, desembargador Ciro Campos.

A tese da defesa é a de absoluta ausência de prova de que ocorreu um crime no apartamento do casal. De acordo com a advogada, exames indicaram que Fernanda fazia uso de Cipramil (medicamento indicado para depressão, síndrome do pânico e transtorno obsessivo) e que estava sob efeito de álcool no momento de sua morte.

O Ministério Público de São Paulo tem outra versão. Diz que o empresário matou a mulher porque ela descobriu que ele era usuário de cocaína. Em depoimento, Sérgio Nahas confirmou o vício e disse que esse fato foi responsável por grande parte dos duelos verbais entre o casal. A Promotoria também aponta que os entreveros aumentaram depois que a vítima ficou sabendo que seu marido fazia uso de drogas com prostitutas e travestis.

Para o Ministério Público, o empresário tramou a morte da mulher para se vingar por ela ter tornado pública entre os parentes a vida promíscua do acusado. O outro argumento apresentado pela Promotoria é o de que a separação seria onerosa para o industrial. "O comportamento promíscuo do réu medrou na vítima a intenção de dele vir a se separar; fez, de outro lado, nascer no réu a intenção de vingar-se da ofendida, fosse porque a promiscuidade sexual dele era desconhecida de parentes, fosse porque haveria eventual perda patrimonial", argumentou o promotor Roberto Tardelli, responsável pela acusação.

A defesa acusa o MP de atacar o réu e denegrir ao máximo a sua imagem, narrando fatos como se fizessem parte de um folhetim de novela. Ainda de acordo com a advogada, a tese da Promotoria passa ao largo de qualquer fundamentação jurídica. "É uma narrativa romanceada dos fatos", afirmou a advogada Dora Cavalcanti.

O último ato da defesa de Sérgio Nahas foi tentar mudar o decreto de pronúncia que recomendou o julgamento do empresário pelo 1º Tribunal do Júri da capital paulista, acusado do crime de homicídio qualificado. Não conseguiu seu intento, mas ganhou quatro meses entre a decisão e sua publicação oficial.

Sérgio Nahas vai responder pelo crime de homicídio qualificado (mediante recurso que impossibilitou a defesa da vítima). A decisão, por votação unânime, é da 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo. O empresário havia sido pronunciado (termo técnico que significa mandar o acusado a júri popular) pelo crime de homicídio qualificado. Na sentença, o juiz Richard Francisco Chequim considerou que o delito foi motivado por vingança. Ou seja, o homicídio era acompanhado da qualificadora de motivo torpe.

No recurso, a defesa pediu ao Tribunal de Justiça a absolvição sumária de Sérgio Nahas ou pelo menos o afastamento da qualificadora. A acusação, que em primeira instância ficou a cargo do promotor de Justiça Roberto Tardelli, pretendia a inclusão de mais uma qualificadora: a de meio que impossibilitou a defesa da vítima.

Em novembro de 2010, o Tribunal de Justiça encontrou uma saída que não agradou nenhuma das partes: retirou a qualificadora de motivo torpe e incluiu a de meio que impossibilitou a defesa da vítima. Foi a deixa para a defesa entrar com novo recurso, os Embargos de Declaração, no próprio Tribunal de Justiça, sinalizando que ainda vai bater às portas do STJ e do Supremo Tribunal Federal para fazer prevalecer sua tese.

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