CPI das Sanguessugas

Gabeira não precisa indenizar colega por acusação

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27 de janeiro de 2010, 12h55

O deputado federal Fernando Gabeira (PV) não terá de indenizar o deputado Rodrigo Rollemberg (PSB) por declarações feitas à imprensa na época da CPI das Sanguessugas. Os desembargadores da 4ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal entenderam que as declarações do sub-relator da CPI estão cobertas pela imunidade parlamentar. Cabe recurso.

“No desempenho de suas atividades parlamentares, [Gabeira] repassou e expôs suas opiniões sobre acontecimentos que estavam sendo objeto de investigação”, afirmou o desembargador Sérgio Bittencourt, relator do caso no TJ, e que foi acompanhado pelos demais desembargadores.

Rollemberg já havia ocupado o cargo de secretário de Inclusão Social do Ministério da Ciência e Tecnologia. Ele entrou com ação contra Gabeira por declarações do deputado que o relacionavam a um suposto esquema de desvio de dinheiro do Ministério por meio de compra de bens superfaturados para programas de inclusão digital.

O ex-secretário alegou que seus direitos de personalidade haviam sido violados devido às declarações e que estas não estavam relacionadas ao exercício das atividades do deputado. Para o ex-secretário, o deputado tentou se promover e ultrapassou suas funções legislativas ao acusá-lo de fraudes. Na época, Rollemberg, que presidia o PSB, chegou a pedir a cassação de Gabeira no Conselho de Ética por conta das declarações do deputado.

Já Gabeira sustentou que estava acobertado pela imunidade parlamentar, assegurada pelo artigo 53 da Constituição. Também afirmou que seus comentários eram sobre fatos de interesse público, investigados pela CPI e divulgados pelos meios de comunicação.

Em maio de 2006, a Polícia Federal deflagrou a Operação Sanguessuga, em que deputados, prefeitos e empresários foram acusados de atuar em um esquema de venda de emendas individuais ou genéricas ao Orçamento-Geral da União, fraude em licitação e superfaturamento na compra de ambulâncias ou equipamentos hospitalares. A CPI das Sanguessugas, instalada no mesmo ano, apurava o caso. Gabeira, então sub-relator da CPI, afirmou que havia esquema semelhante com irregularidades na compra de ônibus que envolviam programas de inclusão digital.

Em primeira instância, a juíza Maria de Ávila Sampaio, da 14ª Vara Cível de Brasília, negou o pedido de Rollemberg, também com base na imunidade parlamentar. O ex-secretário recorreu ao TJ-DF.

“Em momento algum o autor comprovou suas alegações, ou seja, de que as declarações do apelado, difundidas pela mídia, fossem inverídicas, não tendo, pois, se desincumbido de provar os fatos constitutivos de seu direito, ônus que lhe cabia”, entendeu a Turma.

Leia a decisão:

R E L A T Ó R I O

Cuida-se de Apelação interposta por Rodrigo Sobral Rollemberg contra a r. sentença de fls. 204/207, proferida nos autos da Ação Indenizatória movida em desfavor de Fernando Paulo Nagle Gabeira, que julgou improcedente o pedido formulado na inicial, para declarar a “inexistência de dano moral nas declarações proferidas pelo Réu, em razão da incidência da imunidade material prevista no art. 53 da Constituição da República, caracterizando excludente de ilicitude do fato”, e condenar o autor ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, fixados em R$ 1.000,00, nos termos do art. 20, § 4º, do CPC, facultado o cumprimento da obrigação nos moldes do art. 475-J, do mesmo diploma legal.

Alega, em suas razões, que a imunidade parlamentar não ilide a “responsabilidade civil decorrente das agressões que violarem direitos de personalidade quando cometidas em circunstâncias que não indiquem relacionamento do ato ofensivo com o exercício das atividades próprias de Deputado Federal”. Diz ser este o caso dos autos, sustentando que o réu, com o intuito de promover-se politicamente, exorbitou suas funções legislativas ao imputar-lhe, em matérias jornalísticas, a “autoria de crimes e fraudes diversas relacionadas ao exercício de função pública à frente da Secretaria de Inclusão Digital”, ofendendo sua honra e reputação (fls. 210/216).


Preparo regular à fl. 217.

Contrarrazões às fls. 220/223.

É o relatório.

V O T O S

O Senhor Desembargador SÉRGIO BITTENCOURT – Relator

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

O autor, Secretário de Inclusão Social do Ministério da Ciência e Tecnologia na época dos fatos narrados na exordial, insiste que o réu, deputado federal, extrapolou os limites da imunidade parlamentar garantida pela Constituição Federal, pois suas declarações, publicadas na mídia, atribuindo-lhe a prática de crimes, são inverídicas e acarretaram danos à sua imagem e reputação.

Para melhor compreensão do tema, passo a reproduzir alguns trechos das várias notícias transcritas na inicial, consideradas ofensivas pelo apelante, relativas às entrevistas concedidas pelo recorrido, sub-relator da “CPI dos Sanguessugas”, veiculadas em agosto de 2006:

“Por que que eu tenho suspeita que o PSB está participando, participou desse processo? O ônibus desse processo foi feito em Pernambuco e usado em Alagoas, onde era o governo do PSB. Esses ônibus foram vendidos através de emendas apresentadas ao Ministério da Ciência e Tecnologia. O secretário de Inclusão Digital era o senhor Rodrigo Rollemberg, que é do quando do PSB e está disputando eleições. Então, eu acho que tenho elementos para dizer que o partido utilizou a Secretaria de Inclusão Digital para ser a plataforma desse processo”

Ficou bastante claro que montou-se uma secretaria de Inclusão Digital no Ministério da Ciência e Tecnologia, dirigida por um quadro político do PSB, voltado para suas necessidades partidárias e eleitorais.

(…).

Segundo os parlamentares da CPI, o ex-secretário de Inclusão Digital Rodrigo Rollemberg facilitava a liberação de emendas e, por isso, deve ser convocado para depor na CPI dos Sanguessugas.

(…)”

“(…). O deputado afirma que a maioria das emendas foi de parlamentares do PSB. Ainda segundo o sub-relator, a liberação do dinheiro era facilitada pelo então-secretário de Inclusão Digital do partido, deputado Rodrigo Rollemberg. (…)”. (grifos do autor)

Com efeito, o réu, deputado federal, que não negou a autoria das matérias divulgadas, agiu acobertado pela imunidade parlamentar, assegurada pelo art. 53 da Constituição Federal, ao declarar e comentar fatos de interesse público, ocorridos no país, divulgados exaustivamente pela mídia, e que estavam sendo apurados pela “CPI dos Sanguessugas”, onde se investigava a participação do apelante em irregularidades cometidas quando estava à frente da Secretaria de Inclusão Digital.

Assim, as declarações do apelado acerca das investigações realizadas pelos integrantes da aludida “CPI dos Sanguessugas”, do qual era sub-relator, foram proferidas no exercício da função parlamentar, caso em que as palavras, votos e opiniões decorrentes de tal mister são resguardas pelo privilégio constitucional da inviolabilidade civil e penal.

Sobre as prerrogativas da imunidade parlamentar, José Afonso da Silva, in “Curso de Direito Constitucional Positivo”, 26ª ed., p. 534/535, ensina que:

“São estabelecidas menos em favor do congressista que da instituição parlamentar, como garantia de sua independência perante outros poderes constitucionais. A CF/88 restituiu aos parlamentares suas prerrogativas básicas, especialmente a inviolabilidade e a imunidade, mantendo-se o privilégio de foro e a isenção de serviço militar e acrescentou a limitação ao dever de testemunhar, em termos que veremos.

A inviolabilidade sempre foi a exclusão de cometimento de crime de opinião por parte de Deputados e Senadores; mas, agora, com a redação da EC-35/2001 ao caput do art. 53, se estabelece que eles são invioláveis civil e criminalmente por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos. Exclui-se assim os congressistas também da responsabilidade civil.”

Preciosa, também, a lição de Alexandre de Moraes, in “Constituição do Brasil Interpretada e legislação constitucional”, 6ª ed., 2006, p. 1.078/1.079, verbis:


“A imunidade material exige relação entre as condutas praticadas pelo parlamentar e o exercício do mandato. Assim, haverá integral aplicabilidade dessa inviolabilidade, desde que as palavras, votos e opiniões decorram do desempenho das funções parlamentares, e não necessariamente exige-se que sejam praticadas nas comissões ou no plenário do Congresso Nacional.

Ainda que as manifestações dos parlamentares sejam feitas fora do exercício estrito do mandato, mas em consequência deste, estarão abrangidos pela imunidade material.

Em síntese final, a imunidade material apresenta certos pressupostos, para que afaste a incidência de ilícito à conduta do parlamentar, isentando-o de responsabilidade penal, civil, administrativa e política, por suas palavras, votos e opiniões no exercício do mandato”.

Outro não é o entendimento do Col. Supremo Tribunal Federal. Confiram-se, a propósito, os seguintes arestos:

“QUEIXA – ART. 22 C/C 23, II, DA LEI Nº 5.250/67 – ENTREVISTA – PROGRAMA DE TV – DEPUTADA FEDERAL – IMUNIDADE PARLAMENTAR EM SENTIDO MATERIAL – ART. 53 DA CF. 1. "(…) a prerrogativa constitucional da imunidade parlamentar em sentido material protege o congressista em todas as suas manifestações que guardem relação com o exercício do mandato, ainda que produzidas fora do recinto da própria casa legislativa (…)" (INQ 681 QO, rel. Min. Celso de Mello). 2. Caso em que as declarações relacionam-se ao exercício do mandato parlamentar e, portanto, atraem a incidência da imunidade em sentido material, nos termos do art. 53 da Constituição Federal. 3. Queixa rejeitada.” (Inq 1944/DF,
Rel. Min. ELLEN GRACIE, Tribunal Pleno, julgado em 01/10/2003, DJ 21/11/2003, p. 00009).

I. Recurso extraordinário: prazo de interposição: suspensão pelas férias forenses. II. Recurso extraordinário: decisão interlocutória que resolve a questão constitucional controvertida: acórdão que, provendo apelação de sentença que extinguira o processo por entender incidente o art. 53, caput, da Constituição, assenta o contrário e determina a seqüência do processo: RE cabível. III. Recurso extraordinário: cabimento: inaplicabilidade da Súmula 279, quando se cuida de rever a qualificação jurídica de fatos incontroversos e não de discutir-lhes a realidade ou as circunstâncias. IV. Imunidade parlamentar material (Const. art. 53): âmbito de abrangência e eficácia. 1. Na interpretação do art. 53 da Constituição – que suprimiu a cláusula restritiva do âmbito material da garantia –, o STF tem seguido linha intermediária que, de um lado, se recusa a fazer da imunidade material um privilégio pessoal do político que detenha um mandato, mas, de outro, atende às justas ponderações daqueles que, já sob os regimes anteriores, realçavam como a restrição da inviolabilidade aos atos de estrito e formal exercício do mandato deixava ao desabrigo da garantia manifestações que o contexto do século dominado pela comunicação de massas tornou um prolongamento necessário da atividade parlamentar: para o Tribunal, a inviolabilidade alcança toda manifestação do congressista onde se possa identificar um laço de implicação recíproca entre o ato praticado, ainda que fora do estrito exercício do mandato, e a qualidade de mandatário político do agente. 2. Esse liame é de reconhecer-se na espécie, na qual o encaminhamento ao Ministério Público de notitia criminis contra autoridades judiciais e administrativas por suspeita de práticas ilícitas em prejuízo de uma autarquia federal – posto não constitua exercício do mandato parlamentar stricto sensu –, quando feito por uma Deputa da, notoriamente empenhada no assunto, guarda inequívoca relação de pertinência com o poder de controle do Parlamento sobre a administração da União. 3. A imunidade parlamentar material se estende à divulgação pela imprensa, por iniciativa do congressista ou de terceiros, do fato coberto pela inviolabilidade. 4. A inviolabilidade parlamentar elide não apenas a criminalidade ou a imputabilidade criminal do parlamentar, mas também a sua responsabilidade civil por danos oriundos da manifestação coberta pela imunidade ou pela divulgação dela: é conclusão assente, na doutrina nacional e estrangeira, por quantos se tem ocupado especificamente do tema.” (RE 210917/RJ, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em 12/08/1998, DJ 18/6/2001, p. 00012).

“Queixa-crime contra Senador Federal, pela alegada prática de crime contra a honra do querelante. Reconhecimento da imunidade material de que goza o querelado (art. 53, caput, da Constituição), ante a caracterização, no caso, de nexo causal entre a atividade parlamentar e as declarações que lhe são atribuídas. Precedentes do Supremo Tribunal (AP 292, RTJ 135/489; INQ 396, RTJ 131/1039; INQ 390, RTJ 129/970; INQ 779, RTJ 167/29; INQ 1.328, RTJ 166/133; INQ 1.381, DJ de 17-12-99).” (Inq 1486 QO/BA, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI, Tribunal Pleno, julgado em  02/02/2000, DJ 29/8/2003, p.00020).

Não há, pois, falar em ofensa aos direitos de personalidade do apelante, eis que ausente qualquer conduta ilícita por parte do réu que, no desempenho de suas atividades parlamentares, repassou e expôs suas opiniões sobre acontecimentos que estavam sendo objeto de investigação.

Ainda que fosse diferente, em momento algum o autor comprovou suas alegações, ou seja, de que as declarações do apelado, difundidas pela mídia, fossem inverídicas, não tendo, pois, se desincumbido de provar os fatos constitutivos de seu direito, ônus que lhe cabia (art. 333, I, do CPC).

Ante o exposto, nego provimento ao recurso.

É o voto.

O Senhor Desembargador FERNANDO HABIBE – Revisor

Com o Relator

O Senhor Desembargador ALFEU MACHADO – Vogal

Com o Relator.

D E C I S Ã O

NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, UNÂNIME.

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