Dever de sigilo

Rio de Janeiro é condenado a indenizar juiz

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27 de dezembro de 2010, 11h45

O vazamento de informações relativas a um procedimento disciplinar contra um juiz, em 1985, levou o Estado do Rio de Janeiro a ser condenado a pagar indenização por danos morais a ele no valor de R$ 50 mil. A decisão, publicada no último dia 16 de dezembro, é da 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio. Cabe recurso.

De acordo com o processo, o juiz entrou com ação para que o Estado pagasse danos materiais e morais decorrentes do procedimento administrativo que teve de responder no Órgão Especial do TJ, responsável por julgar juízes de primeira instância, em 1985. O juiz Antonio de Oliveira Tavares Paes sustenta que, naquele ano, decisão do Órgão Especial, que o colocou em disponibilidade com vencimentos proporcionais sob a acusação de fraude, foi parar nos jornais.

Segundo o juiz, já aposentado, a sessão de julgamento foi feita apenas com os próprios desembargadores do TJ, sem contar com a presença de servidores e, tampouco, do juiz ou seu advogado. No Superior Tribunal de Justiça, o juiz conseguiu anular todo o procedimento disciplinar por cercear o direito de defesa.

Além de pedir que o Estado pagasse os danos materiais relativos à contratação de advogado para apresentar Mandado de Segurança contra a decisão do Órgão Especial, o juiz pediu a condenação por danos morais por causa da quebra do sigilo, já que o procedimento não era público.

O relator do recurso do juiz, desembargador Elton Leme, julgou improcedente o pedido. Na ocasião, ele foi acompanhado pela desembargadora Marcia Alvarenga, que mudou seu entendimento depois de o desembargador Henrique Figueira, que pediu vista, apresentar seu voto, julgando procedente o pedido de dano moral.

Ao analisar as notícias dos jornais da época em que o juiz respondeu ao procedimento no Órgão Especial, Figueira concluiu que houve quebra do sigilo durante o processo administrativo. “Evidente a impossibilidade de definir a origem dos vazamentos, mas incontroverso a grave falta cometida pelo apelado [Estado], pois era seu dever garantir o integral cumprimento do artigo 54 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional”, disse.

Segundo o artigo 54, da Loman, “o processo e o julgamento das representações e reclamações serão sigilosos, para resguardar a dignidade do magistrado, sem prejuízo de poder o relator delegar a instrução a juiz de posição funcional igual ou superior à do indiciado”.

“O procedimento administrativo tramitou dentro do Poder Judiciário e se houve quebra da garantia funcional assegurada na lei complementar ao apelante [juiz], evidente a falha em alto grau do apelado [Estado], que por isso responde pelo dano causado”, entendeu Figueira. Para o desembargador, por não ter guardado o sigilo, o Estado provocou lesão à honra do juiz. Para se livrar do dever de indenizar, concluiu o desembargador, o Estado teria de provar que não era responsável pelo vazamento.

Vencido, o desembargador Elton Leme reconheceu os transtornos do juiz pelas notícias que foram publicadas. Mas entendeu que não se pode atribuir ao Estado a responsabilidade pela divulgação das informações. “Não há qualquer indício de que tenha o ente público, por declaração de seus agentes ou por nota oficial, se manifestado sobre os fatos objeto de investigação”, disse.

Ele disse, ainda, que “a manifestação de terceiros, dos próprios investigados ou de advogados não vincula a atuação estatal”. O desembargador lembrou que a Constituição consagra a liberdade de expressão. “[É] perfeitamente cabível noticiar, pelos meios jornalísticos, a existência de investigação disciplinar para apuração de fatos incompatíveis com o exercício da função pública”, entendeu.

A desembargadora Marcia Alvarenga, que, a princípio, votava de acordo com o relator Elton Leme, mudou de posicionamento depois do voto vista do desembargador Figueira. “As matérias publicadas nos jornais à época dos fatos informam que fontes do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro confirmaram a realização de sessão secreta no Órgão Especial na qual se decidiu pela instauração do procedimento administrativo em análise para apurar a prática de corrupção pelo autor, além de outros magistrados”, afirmou ela.

O processo, distribuído em 1990, ficou suspenso por um bom tempo, aguardando decisão do Supremo Tribunal Federal em relação ao Mandado de Segurança apresentado pelo juiz contra a decisão do Órgão Especial. Em setembro de 2009, o juízo da 9ª Vara de Fazenda Pública do Rio julgou os pedidos improcedentes.

Em relação ao dano material, o Tribunal de Justiça negou o pedido do juiz aposentado. Para o desembargador Henrique Figueira, não houve prova do dano material. Já o desembargador Elton Leme entendeu que o vício formal do procedimento, que foi anulado pelo STJ, por si só, não gera indenização. “A contratação de advogado equivale à contratação de médico, mesmo que não se esteja verdadeiramente doente”, comparou o desembargador.

Em seu voto, Elton Leme focou no procedimento administrativo e analisou o pedido em relação ao dano que este processo no Órgão Especial causou ao juiz. Ele confirmou que o procedimento foi anulado por cerceamento de defesa. “Embora pareça evidente diante das circunstâncias e à luz do entendimento corrente e dos ares de transparência que inspiram a magistratura de hoje, se adotarmos a ótica embaçada, inquisitorial, da verdade dita, mesmo que não formalmente provada, que então motivava os procedimentos disciplinares contra magistrados, naquela época não muito distante mas absolutamente diversa da atual, não é difícil compreender a transgressão à garantia da ampla defesa e do contraditório que se adotava com lastro ideológico”, afirmou. Entretanto, entende, não é todo ato praticado pela administração pública que gera o direito à indenização.

O desembargador disse, ainda, que o procedimento disciplinar não foi renovado, devido ao pedido de aposentadoria do juiz. De acordo com o processo, o juiz foi colocado em disponibilidade depois da sessão secreta do Órgão Especial quando estava à frente da Vara de Falências. As notícias davam conta de que ele havia sido punido por atos de improbidade quando estava à frente da Vara de Falências. Mas, segundo o juiz aposentado alega no processo, não houve acusação formal no procedimento administrativo e os fatos imputados a ele eram despachos ou decisões judiciais, que não poderiam servir para puni-lo.

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