Demarcação da culpa

STJ define limites da responsabilidade civil

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9 de março de 2009, 12h35

A 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça definiu, em um só julgamento, cinco questões que delimitam a responsabilidade civil de empresas, seguradoras e até dos pais sobre seus filhos. Os ministros julgaram o recurso de Maria Odele Silva de Souza e de sua filha, Flávia Souza Belo, que vive em estado vegetativo há 11 anos por conta de um acidente sofrido na piscina do condomínio.

O trágico caso da garota tornou a questão ampla do ponto de vista jurídico em razão da sucessão de erros – reconhecidos e punidos pelo STJ – cometidos pelos envolvidos. Inclusive pela primeira e segunda instâncias da Justiça paulista, que decidiram que a mãe havia colaborado para o acidente. No julgamento da semana passada, esse foi um dos pontos que mais provocou reações de indignação nos ministros da 4ª Turma.

Flávia tinha dez anos quando teve os cabelos sugados pela bomba de sucção da piscina do condomínio onde morava. Presa, sofreu afogamento com sequelas permanentes. O acidente aconteceu em janeiro de 1998. Mãe e filha entraram na Justiça e conseguiram, juntas, indenização de R$ 150 mil do condomínio, mais o custeio de metade das despesas do tratamento de saúde – a outra metade teve de ser suportada pela família porque a Justiça entendeu que houve culpa concorrente da mãe.

Os ministros julgaram na terça-feira (3/3) o recurso impetrado pelos advogados José Rubens Machado de Campos e Ruy Carlos de Barros Monteiro contra decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo. O relator da causa, desembargador convocado Carlos Mathias, acolheu a maior parte das pretensões dos advogados.

Além de afastar a culpa concorrente da mãe e determinar que o condomínio tem de custear todas as despesas com os tratamentos da garota, os ministros fixaram as seguintes teses: danos morais e danos estéticos podem ser cumulados; o atraso no pagamento do seguro, por si só, já é motivo de indenização por danos morais; o pagamento de indenização por danos materiais não se confunde com o pagamento de pensão alimentícia porque a pessoa se tornou incapaz; e o fabricante não responde por acidentes causados por seu produto se o uso do equipamento não foi adequado. Quanto a esse último ponto, os advogados de Maria Odele e Flávia já afirmaram que vão recorrer.

Seguro inseguro

Por unanimidade, os ministros determinaram que a AGF pague indenização de R$ 50 mil à mãe da menina, mais juros e correção monetária do prêmio do seguro, que foi pago com atraso e sem correção. A AGF era a seguradora do condomínio. “O fato de a seguradora atrasar o pagamento do prêmio obrigou a mãe a fazer campanhas para arrecadar dinheiro e custear o tratamento da filha. Ela foi exposta a situação vexatória”, afirmou o desembargador convocado Carlos Mathias.

O ministro Aldir Passarinho Júnior ainda considerou a possibilidade de a seguradora não ter de indenizar por danos morais. “Se o condomínio, que é o segurado, rebate a acusação de culpa pelo acidente, a seguradora teria de aguardar o desfecho para pagar o prêmio”, considerou. Para Passarinho, isso mostraria que não houve má-fé da seguradora.

“O seguro contratado garantia a cobertura de danos. O dano foi inconteste. Logo, a demora no pagamento causou, sim, dor moral à mãe e filha”, rebateu o ministro João Otávio de Noronha. Em seguida, o ministro Fernando Gonçalves interveio para lembrar que constava dos autos que, intimada, a seguradora não pagou o seguro. Então, a decisão neste ponto foi unânime.

Também por unanimidade os ministros decidiram reformar a decisão do TJ paulista no ponto em que considerou que a mãe, por permitir que a filha fosse nadar apenas com outros menores, teve parte da culpa pelo acidente. O ministro Noronha e o desembargador Mathias teceram duras criticas à decisão neste ponto. “Falar em culpa concorrente neste caso é uma falácia”, disse Mathias. “Essa mãe foi muito injustiçada. Ela nunca poderia responder por deixar sua filha, que sabia nadar bem, como está provado, ir nadar em seu condomínio. Ora, quem de nós não deixa os filhos nadarem sozinhos”, arrematou Noronha.

A 4ª Turma determinou que o condomínio pague mais R$ 50 mil por danos estéticos, que são diferentes dos danos morais. E que seja o valor da pensão a ser pago pelo condomínio à moça não pode descontar o que já foi pago por danos materiais e tratamentos. “São duas coisas completamente diferentes”, afirmou o desembargador Mathias.

Culpa de fábrica

O ponto controverso do recurso ficou por conta da responsabilidade da Jacuzzi, a fabricante da bomba de sucção, pelo acidente. Para a maioria dos ministros, como não foi a Jacuzzi quem instalou a bomba de sucção na piscina e o manual mostrava que o equipamento era muito mais potente do que o necessário para a piscina nas dimensões da do condomínio processado, ela não tem qualquer culpa pelo acidente.

Por quatro votos a um, a 4ª Turma decidiu que a empresa não tem de indenizar. “Os manuais técnicos da fabricante têm informações suficientes sobre a potência adequada para o tamanho das piscinas e a empresa não foi responsável pela instalação do equipamento”, afirmou o relator, Carlos Mathias. Os ministros Aldir Passarinho, Fernando Gonçalves e João Otávio de Noronha acompanharam o relator.

Vencido, o ministro Luis Felipe Salomão entendeu que a Jacuzzi deveria ser condenada porque os manuais não alertam sobre o risco de acidentes como o que aconteceu com Flávia. Somente relatam a potência adequada para cada tipo e tamanho de piscina. “Ao não alertar expressamente sobre o perigo de usar um equipamento inadequado, a fabricante se tornou responsável pelo acidente”, disse Salomão.

Nos embargos de declaração que os advogados José Rubens Machado de Campos e Ruy Carlos de Barros Monteiro afirmaram que apresentarão em breve ao STJ, querem postular, ainda, a elevação do valor da indenização.

“Para morte, as indenizações costumam ser de R$ 100 mil. Mas a dor pela morte, com o passar do tempo, vai ficando mais amena. No caso de Flávia, a dor da mãe se renova todos os dias ao ver a filha crescendo em estado vegetativo, como uma planta”, afirma Machado de Campos.

Clique aqui para ler o voto de Carlos Fernando Mathias e aqui para ler o acórdão.

REsp 1.081.432

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