O sujeito elíptico

Demarco é suspeito de atuar junto com Protógenes

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25 de maio de 2009, 11h25

Spy x Spy

A Justiça Federal paulista decide, nesta segunda-feira (25/5), se aceita a denúncia contra o delegado Protógenes Queiroz. O policial federal, hoje afastado de suas funções, é acusado, com provas a granel, de ter infringido as regras básicas da investigação policial.

Mas é possível que o delegado tenha contado com um coadjuvante de peso no capítulo da cruzada para tirar de circulação o banqueiro Daniel Dantas. Um novo nome surgiu quando se foi verificar com quem Protógenes trocou telefonemas durante os preparativos da operação que ele batizou como “Satiagraha”: o empresário Luís Roberto Demarco.

O empresário tornou-se conhecido como idealizador das “lojinhas virtuais” do PT, um esquema de arrecadação partidária à prova de auditorias e que alavancou a vitória de Lula em 2002. Mas seu talento vai além disso. Na sua disputa com o bilionário Daniel Dantas, ele fez funcionar em seu favor as engrenagens do Ministério Público, da Câmara dos Deputados, do PT, de setores do Palácio do Planalto e da imprensa.

A descoberta de que os telefones de Demarco e Protógenes são íntimos, junto com os indícios de que o empresário usava também o telefone da empresa do blogueiro Paulo Henrique Amorim para sua comunicação com o delegado, associa-se a outro registro peculiar. Já em 2004, quando o delegado que perseguia Dantas era outro, na operação apelidada “Chacal”, o empresário agia com desenvoltura. Ele deu conselhos ao delegado Elzio Vicente da Silva sobre como conduzir a investigação e recomendou os crimes para enquadrar Dantas como “formação de quadrilha, concorrência desleal, ameaça, tentativa de sequestro, corrupção ativa e passiva, difamação, injúria, calúnia, etc.”.

Os documentos que apontam para Demarco como o sujeito oculto de ações do poder público acabaram de chegar da Itália. São contundentes. Mais de 470 mil páginas produzidas pela Procuradoria de Milão. Referem-se à investigação sobre o destino dos pagamentos feitos no Brasil para expandir o mercado da Telecom Italia, sem a contrapartida esperada. Dantas era o principal adversário dos italianos. Demarco foi contratado para “serviços de inteligência” e tráfico de influência, conforme se lê no longo inquérito a respeito.

Demarco e seu advogado Marcelo Elias são citados em 39 dos cerca de 200 arquivos do processo. Os nomes dos dois aparecem, em média, por 30 vezes a cada consulta dessas 39 pastas processuais — que em italiano se chamam “faldones”. Os dois brasileiros aparecem contextualizados numa investigação que apura “triangulações”, “desvios de verba e de função” e “pagamentos em dobro”, feitos no âmbito da Telecom Itália.

Em um dos momentos de tensão, irritado pela demora do pagamento de US$ 500 mil por parte de seus serviços, Luís Roberto Demarco ameaça dizendo que aquela era a última vez que ele tentava resolver “o problema de uma forma cordial” e que a partir dali passaria a “adotar iniciativas menos pacíficas”.

Este capítulo da trama começa em julho de 2008, quando a Procuradoria de Milão denunciou um grupo de 34 pessoas acusadas de participar de um esquema de espionagem em diversos países. Oito deles atuaram no Brasil. A ação começou com a disputa entre sócios da Brasil Telecom pelo controle da empresa. Os sócios disputavam entre si o controle da empresa — o Opportunity, de Daniel Dantas; a Telecom Itália; o Citigroup; e os maiores fundos de pensão de estatais brasileiras. A briga nasceu no ano 2000. Dizem os procuradores italianos que a Telecom Italia induziu a Brasil Telecom a comprar a empresa de telefonia do Rio Grande do Sul CRT por um “preço considerado exorbitante em relação aos valores acertados". Foi para entender as razões que levaram a Telecom Itália a forçar a aquisição da CRT pela Brasil Telecom por um preço US$ 100 milhões acima dos valores de mercado que o Opportunity contratou a Kroll.

Na denúncia, a Procuradoria de Milão lista centenas de pessoas espionadas pelo esquema comandado pelo chefe da segurança de Telecom Itália, Giuliano Tavaroli. Segundo a investigação, o grupo de Tavaroli interceptou e-mails e subornou pessoas para ter acesso a informações confidenciais. Também fraudou o relatório produzido pela Kroll, para comprometer Dantas, que contratara a empresa. O objetivo seria plantar provas contra o banqueiro e a Kroll, que negam a espionagem. Por esses crimes, além de Tavaroli, foi denunciado o ex-chefe de segurança da Telecom Italia na América Latina, Angelo Jannone.

Além dos 34 acusados, a Telecom Itália e a Pirelli foram denunciadas, com base na lei italiana sobre responsabilidade administrativa de empresas por crimes cometidos por funcionários. Eles são acusado de pagar propinas a policiais e agentes do serviço secreto italiano para obter acesso a bancos de dados também por lá. As coisas esquentaram ainda mais quando o chefe de segurança da Telecom Itália, acusado de trabalhar para a CIA, em 2005, suicida-se. (Clique aqui para saber mais)

Quem cuidava da relação com os brasileiros — a quem apelidavam de “canibais” — eram os arapongas italianos Ângelo Jannone e Marco Bernardini (em algumas publicações ele aparece como Mário). Jannone foi tenente-coronel do corpo de carabinieri, trabalhou ao lado do juiz Giovanni Falcone, na luta contra a máfia siciliana. E fez-se chefe do setor antifraudes da Telecom Italia para a América Latina. Morou no Brasil em 2004. Bernardini era dono de uma empresa de investigações. Foi contratado na época pelo grupo italiano, mas ao se tornar réu aderiu a um programa de delação premiada e se tornou a principal testemunha do Ministério Público italiano no inquérito sobre a rede de espionagem clandestina e subornos da Telecom Italia no mundo. É nesse contexto que Demarco e Elias encontram mercado para seus produtos.

Os documentos

Reprodução
CAPA Faldone 001 Atti P.M - ReproduçãoDemarco escreveu a um executivo da Telecom Itaia, Giovanni Penna, com cópia para outro dirigente da empresa, Marco Emilio Patuano, em 7 de março de 2007. No e-mail, Demarco relata que o ex-carabinieri Jannone “particularmente me expôs, e ao Ministro Gushiken, de uma forma injusta e desnecessária”. (Clique aqui para ver o documento no Relatório da Procuradoria da República)

Jannone andava dizendo que Demarco trabalhava contra o "capo" da Telecom Itália, Tronchetti Provera. “Esse é um absurdo que jamais ouvi na vida”, escreve Demarco. O mesmo Marco Emilio Patuano havia recebido e-mail de Jannone, em que relata a cobrança de Demarco, no valor de US$ 250 mil, para “pagar subfornecedores” (Clique aqui para ver documento no Relatório da Procuradoria ).

Há também um e-mail de Marcelo Elias, para Jannone, datado de 25 de abril de 2005, em que o advogado cobra do ex-policial US$ 140 mil, referentes apenas às atividades de espionagem promovidas a despesas de viagens para Itália e Ilhas Cayman, honorários advocatícios e contratação de advogados, por Elias naquele mês, incluindo pagamentos de honorários de advogados subcontratados. (Clique aqui para ver o documento).

Um relatório de auditoria interna da Telecom Itália indica os pedidos do presidente da empresa na América Latina, Giorgio della Seta, para que se investigasse a contratação de serviços de “Funzione Security”, ou seja, espionagem industrial. Segundo o relatório, nesse pedido de auditoria, feito em 3 de outubro de 2006, Giorgio della Seta afirma ter recebido reclamações de Demarco, por “não ter recebido a soma de US$ 250 mil”. A descrição do motivo da auditoria: “Verificar a existência de possíveis pagamentos indevidos ou duplicados, relativos a serviços contratados no âmbito da Funzione Security da Telecom Itália na América Latina”  (Clique aqui para ver o documento).

Os pagamentos eram feitos à Gillaz Empreendimentos e Participações, segundo o relatório “uma empresa de consultoria jurídica de propriedade do advogado do senhor Demarco, que reclamava não ter recebido os US$ 250 mil, que é o motivo inspirador da presente auditoria” (Clique aqui para ver o documento)

Há também relato de que os serviços de Demarco eram “atividade de inteligência”, ou seja, espionagem. Está escrito que em 9 de agosto de 2004, Marcelo Elias foi contratado, “com a vigência de 36 meses”, ganhando US$ 400,00 ou US$ 500,00 por hora de trabalho, pelo atalho de sua empresa Gillaz. Mas em 7 de julho de 2006 houve anulação do contrato, cuja multa rescisória era de US$ 250 mil.

Pagamentos e serviços

Nesse ponto, a auditoria da Telecom Itália é clara: “Não havia nenhuma correlação entre o pagamento e os serviços prestados, o que evidenciou uma situação de total ausência de transparência” (Clique aqui para ver o documento). Mas a mesma auditoria constatou que entre 2004 e 2006 a empresa Gillaz, de Marcelo Elias, teria recebido a soma de US$ 566 mil pelos serviços de espionagem (Clique aqui para ver o documento).

Em 19 de junho de 2006 o próprio Giorgio della Seta, presidente da Telecom Itália na América Latina, escreve e-mail cobrando da empresa US$ 250 mil devidos a Demarco (Clique aqui para ver o documento). Nessa parte do inquérito, há um relatório inédito da Kroll Associates, atribuindo a Demarco um papel desconhecido até agora. Segundo os arapongas privados, o empresário atua como “um agregador de fundos e de atividades subseqüentes de lavagem de dinheiro em prol do Partido dos Trabalhadores”  (Clique aqui para ver o documento).

Segundo o espião Marco Bernardini, “Marcelo Elias é um advogado de São Paulo, coletor de dinheiro para uma série de personagens políticos e membros da Polícia Federal”. Para Bernardini, “pagar o advogado Elias era a maneira de pagar a Luis Demarco, pessoa muito influente no Brasil, muito amigo dos responsáveis pelos fundos de pensão (Clique aqui para ver o documento).

Marcelo Elias, em 11 de maio de 2005, escreve a Marco Emilio Patuano, um dos altos executivos da Telecom Itália, cobrando dele US$ 495 mil, que seriam a soma que advogados, no Brasil, demandavam pelos serviços de inteligência de Demarco. Pede que o dinheiro “seja entregue rapidamente”. Elias ressalta que “Demarco vai se encontrar com pessoas importantes dos fundos de pensão, em São Paulo, e ele está fazendo um grande trabalho em defender os interesses da Telecom Itália” (Clique aqui para ver o documento).

A auditoria da Telecom Itália conclui que della Setta pagava Demarco como “uma modalidade de triangulação”, o que fomentaria um esquema de desvio de verbas mediante “duplo pagamento”  (Clique aqui para ver o documento). Um relatório em português, da auditoria, consta do inquérito. (Clique aqui para ver o documento).

Em 21 de dezembro de 2004 Marcelo Elias escreve ao espião Jannone e relata que “Demarco está em contato com o delegado de Polícia Federal Dr. Elzio, encarregado de investigar os crimes da Kroll/Opportunity. Demarco enviou o e-mail em atachado para esse delegado hoje, e também falou com ele por telefone a fim de chamar sua atenção para artigos publicados”. E prossegue o advogado de Demarco: “Estou tentando armar um encontro com o dr. Elzio em 10 de janeiro de 2005. Estou esperando ele confirmar o encontro”. (Clique aqui para ver o documento).

Uso da imprensa

Demarco utiliza-se de uma prática recorrente para justificar investidas. Consegue que algum jornalista amigo publique uma informação que ele próprio produziu. Em posse da notícia, ele parte para o ataque. Outro hábito era o de mandar em cópia oculta para seus contratantes na Itália, os emails que trocava com jornalistas brasileiros. Constrangedores. Veja um exemplo, de 21 de dezembro de 2004, da mensagem endereçada aos delegados federais Élzio Vicente da Silva e Coca. Clique aqui para ver o relatório).

Há um Demarco que se propõe violento. Num documento timbrado, do Departamento de Administração Penitenciária, datado de 18 de dezembro de 2006, o preso Emanuele Cipriani, envolvido no escândalo dos desvios da Telecom Itália relata ao Tribunal de Milão que Demarco, ao saber que não receberia os US$ 250 mil pelas espionagens, teria dito ao espião Marco Bernardini que aquela era a última vez que ele tentava resolver esse problema de uma forma cordial e que dali passaria a adotar iniciativas menos pacíficas. (Clique aqui para ver documento no Relatório da Procuradoria).  

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