Falta de fiscalização

Google deve indenizar procurador por vídeo no Youtube

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6 de junho de 2009, 9h42

O site de vídeos YouTube é responsável por fiscalizar o conteúdo dos vídeos postados, caso agridam a honra de alguém. O entendimento motivou uma juíza do Rio de Janeiro a mandar a Google Brasil Internet, empresa que representa o site no Brasil, indenizar em R$ 20 mil um procurador da República por danos morais. A sentença foi publicada na quinta-feira (4/6) pelo Tribunal de Justiça do estado. Cabe recurso.

O procurador José Augusto Simões Vagos acionou a empresa por encontrar três vídeos que, segundo ele, feriam sua honra. As gravações mostravam Vagos interrogando um policial, durante apurações ligadas à Operação Planador, da Polícia Federal. As investigações desencadearam outras operações, culminando na chamada Operação Furacão que chegou a atingir desembargadores do Tribunal Regional Federal da 2ª Região. No vídeo, havia trechos da conversa do procurador com o interrogado, em que ele afirmava que tudo o que pedia à juíza da 6ª Vara Federal Criminal era deferido.

Vagos havia oferecido ao policial benefícios da delação premiada. A declaração do procurador levou os advogados dos acusados na Operação Planador a pedir a anulação das decisões da vara, por vício de origem. O Tribunal Regional Federal da 2ª Região não aceitou o pedido. A defesa dos acusados da Operação Furacão também reacendeu a discussão e os desembargadores voltaram a negar o pedido. 

De acordo com a sentença, os vídeos foram editados e davam a impressão de que Vagos fraudava as ações judiciais, direcionando os processos. O prejuízo em sua imagem, segundo o autor da ação, é evidente. O relatório da juíza Márcia Santos Capanema de Souza, da 7ª Vara Cível do Rio, afirma que o procurador “argumentou que tais vídeos colocam sob suspeita a sua conduta moral e ética, impondo sérias conseqüências”. Por isso, pediu que os vídeos fossem retirados do ar e que o site o indenizasse por danos morais.

A Google rebateu dizendo não ser responsável pelos vídeos postados, e que a fiscalização de todo o conteúdo seria impossível, já que milhares de arquivos são publicados a todo momento. O site também alertou que a Constituição proíbe qualquer censura prévia.

A juíza não deu razão a nenhuma das alegações da empresa. Por ter contribuído “para o dano moral sofrido pelo autor, na medida em que permitiu tal divulgação” hospedando o vídeo, a Google ficou obrigada a indenizar o procurador em R$ 20 mil. A juíza afirmou que a empresa tem responsabilidade objetiva sobre o conteúdo publicado, de acordo com o artigo 927, parágrafo único, do Código Civil, já que a atividade que ela desenvolve é de risco. “Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”, diz ela. Para a juíza, o provedor é responsável por “fazer cessar a ofensa, tão-logo seja provocado a tanto”.

Sobre o autor do video e sobre quem postou o material no Youtube, a juiza não se manifesta.

Leia a sentença:

ESTADO DO RIO DE JANEIRO
COMARCA DA CAPITAL
JUÍZO DE DIREITO DA 7ª VARA CÍVEL
PROCESSO N. º 2008.001.109252-4
AÇÃO: Indenizatória
AUTOR: José Augusto Simões Vagos
RÉU: Google Brasil Internet LTDA.

S E N T E N Ç A
Trata-se de Ação Indenizatória proposta por José Augusto Simões Vagos em face de Google Brasil Internet LTDA.

Alegou o autor, em síntese, que é Procurador da República e, que em decorrência de investigações envolvendo policiais federais do Rio de Janeiro, realizou em seu gabinete o interrogatório de envolvidos, a partir da solicitação do delegado Federal. Sustentou que foram propagados na internet, através do site You Tube, três vídeos, editados por terceiros cuja identidade é desconhecida, conforme interesses dos mesmos, com partes dos interrogatórios de agentes federais. Salientou que o vídeo fazia menção à fraude na Justiça Federal do Rio de Janeiro, e que mencionava que o autor direcionava processos para a 6ª Vara Federal, pois possuía relação de ´pede-defere´ com a juíza Ana Paula Vieira de Carvalho. Argumentou que tais vídeos colocam sob suspeita a sua conduta moral e ética, impondo sérias conseqüências e prejuízos de diversas ordens. Finalizou requerendo antecipação da tutela, a inversão do ônus da prova e a condenação da ré no pagamento de danos morais. Com a inicial, vieram os documentos de fls. 25/83. Tutela antecipada deferida conforme fls. 85/87.

Contestação às fls. 163/209, acompanhada dos documentos de fls. 210/227, alegando a parte ré, em síntese, preliminarmente, sua ilegitimidade sob o fundamento de que não é autora da ofensa que teria causado os supostos danos morais ao autor, funcionando apenas como um site de provedor de hospedagem. Salientou a ausência de interesse de agir, em virtude de eventual provimento jurisdicional a favor do autor não ser adequado ou idôneo a remover a lesão que alega sofrer com a veiculação e exibição dos resultados de busca. No mérito, aduziu a impossibilidade técnica e fática de realizar uma fiscalização e controle do conteúdo inserido pelos usuários nos espaços virtuais disponibilizados pelos provedores de hospedagem, uma vez que a todo o momento, milhares de novos arquivos são inseridos. Argumentou que a Constituição Federal veda a possibilidade de censura prévia. Sustentou a inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor, uma vez que não se está diante de uma relação de consumo, haja vista que os vídeos são disponibilizados de modo gratuito a qualquer pessoa. Salientou a inexistência de nexo de causalidade, na medida em que o ato foi praticado por terceiro, sendo isenta a ré de qualquer culpa pelo dano sofrido pelo autor. Aduziu, por fim, que não há que se falar em dano, haja vista que o autor é pessoa que exerce cargo público, estando sujeito a prestar contas com a sociedade. Finalizou requerendo a improcedência dos pedidos expostos na exordial. Réplica às fls. 241/254. Às fls. 268, saneamento do feito, sendo deferida a inversão do ônus da prova, a produção de prova oral e prova documental suplementar. Audiência de Instrução e Julgamento às fls. 309/315. É o relatório.

Passo a decidir. Inicialmente, rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva, tendo em vista que as condições da ação devem ser aferidas a luz dos fatos narrados na petição inicial, conforme nos ensina a teoria da asserção, confundindo-se a tese defensiva argüida com o próprio mÍ ?rito da demanda. Também não há que se falar em a ausência de interesse de agir, haja vista que a tutela pretendida pelo autor é perfeitamente alcançável pela via desta ação indenizatória. Passa-se ao exame do mérito. Trata-se de pedido indenizatório de danos morais em razão de o autor ter sofrido prejuízos e constrangimento pela veiculação de imagens, no site da empresa ré, que induzem o cometimento de prática de fraude na Justiça Federal, juntamente com um delegado federal e uma juíza federal. Pretende a parte Autora a condenação da Ré para que proceda à retirada de circulação de vídeos ofensivos a sua honra, editados sem a sua autorização, além da condenação ao pagamento de dano moral, em virtude do abalo sofrido em virtude de tal divulgação. Primeiramente, tendo em vista a atividade de risco desenvolvida pela parte ré, incontroverso que se aplica ao caso em tela o artigo 927, parágrafo único, do CC que adota a teoria da responsabilidade civil objetiva, estabelecendo que haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. Logo, a partir da afirmativa de que a responsabilidade da ré é do tipo objetiva, provados o dano e a relação de causalidade, não há que se cogitar de culpa do causador do
dano. Por outro lado, a indenização a título de dano moral somente é cabível diante da ação ou omissão praticada injustamente pelo ofensor. No caso, caracterizada está esta ação. Pela leitura dos autos, constata-se que, de fato, os vídeos mencionados pelo Autor e disponibilizados pela parte Ré na rede mundial de computadores mostram-se ofensiva à honra e imagem do autor. Embora não tenha sido a Ré responsável pela inserção dos referidos vídeos na internet, incontroverso que ela contribuiu para o dano moral sofrido pelo autor, na medida em que permitiu tal divulgação. Desse modo, embora não possa ser atribuído à Ré o dever de fiscalização do conteúdo inserido pelos usuários nos espaços virtuais disponibilizados pelos provedores de hospedagem, uma vez que a todo o momento milhares de novos arquivos são inseridos, é possível responsabilizar a Ré por ter atuado como hospedeira de página contendo ofensas criadas por terceiros. Ou seja, embora não seja razoavelmente exigível que a ré promova uma censura preventiva do conteúdo das páginas de Internet criadas pelos próprios internautas, sabido é que o provedor tem o dever de fazer cessar a ofensa, tão-logo seja provocado a tanto, em razão de abusos concretamente demonstrados. O dano moral é sofrimento humano, a dor, a mágoa, a tristeza imposta injustamente a outrem, alcançando os direitos da personalidade agasalhados pela Constituição federal nos incisos V e X do art. 5º. O quantum estipulado em razão de um pedido de dano moral tem dupla finalidade: a compensação pela dor sofrida e uma expiação para o culpado, ou seja, uma pena privada, no entender da doutrina e jurisprudência. Assim, o valor deve ser tal que não acarrete um enriquecimento sem causa a Autora do pedido, nem seja desproporcional à conduta indevida da Ré. Caio Mário da Silva Pereira, nosso mestre, ao referir-se ao dano moral, diz: ´O problema de sua reparação deve ser posto em termos de que a reparação moral, a par do caráter punitivo imposto ao agente, tem de assumir sentido compensatório. Sem a noção de equivalência, que é própria do dano material, corresponderá à função compensatória pelo que tiver sofrido. Somente assumindo uma concepção desta ordem é que se compreenderá que o direito positivo estabelece o princípio da reparação moral. A isso é de se acrescer que a reparação do dano moral insere-se uma atitude de solidariedade à vítima´. in Responsabilidade Civil, ed. 5º, 1994. Portanto, o arbitramento do dano moral deve ser feito com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao nível sócio-econômico dos autores, e, ainda, ao porte da empresa recorrida, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e do bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso. Assim sendo, no caso vertente, deve-se atentar, na fixação do dano, para sua repercussão na vida da parte Autora, vítima de um dano sofrido em virtude de vídeos ofensivos à sua honra, no qual se reconhece a responsabilidade da Ré, conforme explanado. Desta forma, atentando-se ao princípio da proporcionalidade e da lógica razoável, e tendo em vista as circunstâncias do dano, sua gravidade e repercussão, considero moderada a fixação do dano moral no valor de R$20.000,00 (vinte mil reais). Isto posto, JULGO PROCEDENTES OS PEDIDOS, tornando definitiva a tutela antecipada, condenando a ré a indenizar o autor a título de danos morais no valor de R$20.000,00 (vinte mil reais), corrigidos monetariamente a partir desta data, nos termos do Enunciado nº. 23 do E. TJRJ e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês, na forma do artigo 406 do Código Civil, c/c artigo 161, I, do CTN, a contar da citação. Condeno a Ré, ainda, nas custas e honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor da condenação. P.R.I.

Rio de Janeiro, 03 de junho de 2009.

Márcia Santos Capanema de Souza
Juíza de Direito

Certifico e dou fé, que a r. sentença prolatada neste processo, pela MM. Juíza MÁRCIA SANTOS CAPANEMA DE SOUZA, foi registrada no livro nº ______, às fls. ________, sob o nº______. Rio de Janeiro, ______ de ____________, de 2009.

Processo 2008.001.109252-4

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