Calcanhar de Aquiles

Comércio de grampos ilegais é um crime em expansão

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26 de janeiro de 2009, 18h11

Em 2007, a Justiça brasileira despachou mais de 400 mil ordens judiciais autorizando escutas telefônicas, de acordo com dados divulgados pela CPI dos Grampos. O número escandalizou os mais diversos setores da sociedade. Falou-se em abuso do uso dessa ferramenta, que deixou de ser acessória para se tornar a principal forma de investigação. O Supremo Tribunal Federal, também atingido por interceptações telefônicas, pediu a criação de regras para a permissão de grampos. O Conselho Nacional de Justiça criou mecanismos para mostrar que tem o controle da situação. A OAB e associações de juízes também trouxeram suas teses. Todos se manifestaram perplexos.

Na contramão dessa corrente de opiniões está o delegado Ruy Ferraz Fontes, do Departamento de Investigações sobre Crime Organizado (Deic) da Polícia Civil de São Paulo, responsável por desmantelar organizações criminosas que atuam no estado. Para ele, 400 mil escutas não representam quase nada. "Ainda é pouco", defende. A explicação é simples: o telefone é o calcanhar de Aquiles do crime organizado. O criminoso troca de telefone a cada dois dias. Isso acaba resultando em novos pedidos de interceptação, que autorizados pela Justiça, resultam em diversos grampos para um só alvo.

“Não foram 400 mil pessoas interceptadas, mas 400 mil ordens judiciais. Diversas delas atingem o mesmo alvo da investigação”, explica o delegado. Foi Ruy Fontes o responsável pela Operação Spy 2, que prendeu 20 acusados de espionagem no dia 7 de janeiro em São Paulo. A operação já resultou em 16 pessoas denunciadas. Entre elas estão policiais, detetives particulares, um funcionário de alto escalão da Vivo e empregados de bancos.

“Há um rigor desnecessário para a autorização da quebra de sigilo. Essa resistência estabelece um cartório para a ilegalidade”, afirma Fontes. O delegado explica que o comércio de grampos ilegais é um tipo de crime em expansão. Os detetives particulares encontraram nessa atividade um nicho para ganhar mais dinheiro do que com sua atividade legal. “Eles quebram sigilo, interceptam comunicações, fazem o que querem. E o rigor para se autorizar a quebra de sigilo é um fator fundamental para o crescimento do crime de interceptação ilegal”, justifica.

Fontes diz que apesar da burocracia, há um bom relacionamento da Polícia com a Justiça, possibilitado com a comunicação imediata com o Departamento de Inquéritos Policiais e Polícia Judiciária (Dipo). “Os juízes não criam obstáculo. Os maiores entraves estão nas empresas de telefonia. Sabemos que as operadoras podem localizar com precisão o usuário de um telefone porque até em shoppings quando se passa na frente de uma loja, eles ligam pra gente com uma mensagem. Já reclamamos com a Anatel, mas ninguém toma providências. As operadoras não facilitam. Nem o relógio deles confere com o da ligação.”

Escondido na van

Fontes é titular da Delegacia de Roubo a Bancos do Deic. A Operação Spy 2 chegou às suas mãos por envolver funcionários de bancos que trocavam informações de clientes com uma detetive particular investigada.

A Spy 2 é resultado da primeira fase da operação que começou em 2004, quando o Jornal da Tarde publicou uma reportagem sobre detetives particulares que faziam grampo ilegal. A partir da notícia, a equipe chefiada por Fontes passou a investigar os detetives. Quando deflagrou a Operação Spy, em 2005, a Polícia Civil descobriu em Bauru, cidade do interior paulista, uma van com um laboratório de espionagem completo e sofisticado. O material pertencia à família de Eloy de Lacerda Ferreira, conhecido detetive particular envolvido em espionagens na disputa pelo controle da Brasil Telecom entre a Telecom Italia, fundos de pensão de estatais e CitiCorp de um lado, e o banco Opportunity de Daniel Dantas, do outro. Ele foi denunciado, junto com outras 20 pessoas, em julho do ano passado por grampear telefones ilegalmente e quebrar sigilo fiscal e bancário.

Somadas as duas fases da operação, mais de 40 detetives particulares foram pegos. Policiais e funcionários de operadoras foram descobertos, além de bancários envolvidos. Um dos personagens mais curiosos é Flávio Jacinto, responsável pela área de interceptações telefônicas  da Vivo. A polícia o acusa de usar o cargo para fazer escutas ilegais. Depois de descoberto o esquema, a empresa de telefonia não o afastou do cargo. Ao contrário, chamou seus advogados para defendê-lo.

Força policial

A Delegacia de Roubo a Bancos está trocando o sistema operacional de gerenciamento dos arquivos de dados. Sua metodologia de trabalho fez com que caísse o índice de ocorrências de roubo a banco por mês. Quando assumiu a delegacia, em 1995, eram registradas 120 ocorrências por mês. Hoje, a média fica entre 15 e 18.

Em sua delegacia, o índice de esclarecimento de crimes é de 40%. “Conseguimos isso sem conflito nem entrelaçamento com o Ministério Público, com o Judiciário nem com a advocacia. Em hipótese alguma negamos aos advogados acesso aos inquéritos. Temos também a imprensa como aliada. Não se pode esquecer que foi uma repórter do Jornal da Tarde que nos possibilitou o deslinde do esquema de grampo ilegal dos detetives particulares”, reforça o delegado.

Em Brasília

A CPI dos Grampos já requisitou ao Ministério Público e à Polícia Civil de São Paulo cópias dos autos da Operação Spy 2. O presidente da comissão, deputado Marcelo Itagiba (PMDB-RJ), considerou o caso muito grave e mais uma prova da banalização de escutas criminosas e da bisbilhotagem no país.

Os primeiros a depor na CPI devem ser os responsáveis pelo desmantelamento da quadrilha: o delegado Ruy Ferraz Fontes, do Departamento de Investigações sobre o Crime Organizado (Deic) e os dois promotores do Grupo de Atuação Especial e Controle da Atividade Policial (Gecep), Márcio Sérgio Christino e Pedro Baracat Guimarães, responsáveis pelo inquérito. Devem também ser convocados os detetives acusados de comandar o esquema, presos na operação. Um ofício já foi enviado à chefia da Polícia Civil de São Paulo.

Acordo de cavalheiros

A Spy 2 resultou, ainda, em um acordo feito por seis operadoras de telefonia (Claro, Embratel, Oi, Telefônica, Tim e Vivo). Elas se comprometeram a apresentar à Secretaria de Justiça e Defesa da Cidadania de São Paulo um plano de ação para coibir a quebra de sigilo de seus assinantes. Elas terão ainda de explicar como serão indenizados os consumidores que foram alvo de escutas ilegais. As operadoras têm até a segunda quinzena de fevereiro para apresentar as medidas tomadas.

Os grampos ilegais também foram o assunto desta segunda-feira (26/1) da reunião do corregedor nacional de Justiça, ministro Gilson Dipp, do Superior Tribunal de Justiça, com representantes das operadoras Vivo, TIM, Claro e Embratel. O encontro serviu para discutir novas regras para se fazer interceptações telefônicas. A principal preocupação do CNJ são autorizações judiciais falsas para os grampos, apresentadas às companhias de telefonia.

Para pôr ordem na casa, o ministro quer ouvir operadoras e a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) antes de editar uma nova norma que aprimore a Resolução 59 do CNJ, texto que regulamenta os procedimentos de autorização. Na próxima quarta (28/1), às 15h, a Anatel e o deputado Marcelo Itagiba (PMDB/RJ), presidente da CPI dos Grampos, se juntarão a representantes das operadoras para continuar as discussões sobre o assunto com Dipp.

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