Morte súbita

Projeto de lei estadual acaba com carteira do Ipesp

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10 de abril de 2009, 8h32

Enviado nessa quarta-feira (8/4) à Assembleia Legislativa, o Projeto de Lei do governador José Serra que extingue a carteira de previdência dos advogados paulistas põe um fim unilateral às negociações pela continuidade do pagamento dos benefícios. Desde 2007, quando a Lei estadual 1.010 acabou com o Instituto de Previdência de São Paulo (Ipesp) — que paga os benefícios — e deu um prazo de vida à instituição até junho, os advogados lutavam para manter as aposentadorias. Atualmente, há quase 40 mil inscritos no Ipesp.

A situação convergia para uma solução até que um parecer do Ministério da Previdência sugeriu que a carteira se adequasse às regras da Previdência Complementar, passando a ser mantida de forma privada, ou então fosse extinta (clique aqui para ler). A intervenção da Previdência foi solicitada pela Associação de Defesa dos Direitos Previdenciários dos Advogados (ADDPA), mas o parecer acabou sendo desfavorável. Desde então, após prometerem um final feliz às entidades advocatícias, que buscavam solução — a seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil, o Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp) e a Associação dos Advogados de São Paulo (Aasp) —, o governo de São Paulo e Brasília protagonizaram um impasse: a Previdência mudaria seu parecer se houvesse acordo entre o Executivo e as entidades do estado, enquanto que o governo Serra prometia dar sinal verde se a Previdência mudasse sua postura publicamente. O temor dos paulistas era de, resolvendo pagar os advogados mesmo contra o parecer, perdesse seu Certificado de Regularidade Previdenciária, necessário para o recebimento de repasses do governo federal.

Nem uma nem outra coisa aconteceram. O governo decidiu então regularizar a situação da forma sugerida no parecer: extinguindo a carteira juntamente com o Ipesp, pegando no contrapé as entidades que ainda esperavam uma solução negociada. “O que nos estranhou foi que o projeto foi encaminhado à Assembleia sem qualquer discussão. Os secretários poderiam ao menos ter nos avisado”, diz o presidente da OAB-SP, Luiz Flávio Borges D´Urso. Segundo ele, as entidades já tinham sinalização dos secretários estaduais da Justiça, Luiz Antônio Marrey, e da Fazenda, Mauro Ricardo Costa. “Mandaram o projeto na véspera do feriado. Não tivemos nem como conhecer o conteúdo”, lamenta D’Urso. A seccional divulgou, nessa quinta (9/4), uma nota pública criticando a medida (leia abaixo a íntegra).

Com o fim da carteira, as reservas atuais, de mais de R$ 930 milhões, serão divididas entre os 32.133 inscritos ativos e os 3.493 aposentados e pensionistas. De acordo com a Folha de S.Paulo, o projeto prevê que a distribuição entre os inativos varie de R$ 50 mil até mais de R$ 450 mil. Os segurados ativos teriam valores de R$ 5 mil até mais de R$ 30 mil.

A proposta acaba com duas das três frentes em que as entidades apostavam para ao menos garantir os benefícios aos advogados já inscritos. Terminam as negociações com o Executivo, que prometia aceitar quitar os pagamentos desde que não fosse admitido nenhum novo beneficiário, o que frustra também as tentativas no Legislativo, já que a maioria da base governista na Assembleia Legislativa pode facilmente levar o novo projeto a ser votado antes que as propostas que já tramitam e defendem a continuidade da carteira.

A OAB, a Aasp e o Iasp haviam fechado em fevereiro um acordo com o governo estadual e a Assembleia Legislativa para a elaboração e aprovação de um projeto de lei que garantiria o pagamento dos benefícios por pelo menos 80 anos — período considerado pelo estudo atuarial como suficiente para que o último segurado vivo recebesse o benefício. Depois disso, a carteira seria extinta. Desde janeiro do ano passado, o Ipesp impede que novas inscrições sejam feitas.

Agora, a única saída vislumbrada pela OAB é levar o assunto ao Judiciário, opção que conta com pareceres favoráveis dos juristas Adilson Dallari, Arnold Wald e Wagner Balera. “A leitura que fazemos desse gesto é que as negociações foram interrompidas”, diz o presidente da OAB-SP. Essa via, porém, é mais radical, já que prevê a obrigação do Estado não só em pagar os benefícios aos advogados já inscritos, como também de manter a carteira vinculada ao Orçamento do Executivo.

Morrendo aos poucos

Com a perda de 85% de suas fontes de custeio em 2003, depois do fim do repasse de 17,5% das taxas judiciárias, a carteira está em contagem regressiva para incinerar um caixa de R$ 1 bilhão e se tornar deficitária. Segundo estudo atuarial entregue pela Fundação Universa, de Brasília, a arrecadação de R$ 4,5 milhões não aguentará a despesa de R$ 6,2 milhões com benefícios pagos e, em 2019, passará a ter um défict de R$ 223,5 mil (clique aqui para ver o estudo).

Hoje numa função próxima à de previdência complementar, a Carteira de Previdência dos advogados foi criada em 1959 pelo governo estadual para ser sustentada pelas contribuições dos segurados e por parte das taxas judiciais recolhidas nos processos. O drama começou em 2003, quando a Lei estadual 11.608 acabou com o repasse das taxas da Justiça à carteira — equivalentes a 85% das fontes de custeio — e a colocou a caminho do défict. A Emenda Constitucional 45/04, chamada de Reforma do Judiciário, deu o golpe de misericórdia ao cravar que o Judiciário é o único destinatário legítimo das custas judiciais recolhidas.

Como se não bastassem os problemas de liquidez, em 2007, a carteira perdeu ainda seu administrador, o Instituto de Previdência do Estado de São Paulo (Ipesp). A Lei Complementar 1.010/07 determinou a extinção do instituto, que deve ser substituído pela São Paulo Previdência (SPPrev). Porém, a norma não atribuiu à sucessora a gerência da carteira, colocando os advogados aposentados e os que ainda contribuem numa contagem regressiva para a perda dos benefícios a que têm direito. A data marcada para o fim do Ipesp é o dia 1º de junho, quando vence o prazo de dois anos para que a SPPrev seja implantada.

De acordo com o estudo atuarial encomendado pelas entidades da advocacia paulista, mantidas as atuais condições de manutenção da carteira, a previdência dos advogados se tornará deficitária a partir de 2019, quando todo o caixa acumulado em R$ 931,6 milhões terá sido usado para a quitação dos benefícios, deixando um saldo negativo de R$ 223,5 mil. A arrecadação de contribuições terminaria em 2043, quando todos os beneficiários ativos passariam à condição de inativos, aumentando os gastos e reduzindo as fontes de recursos da carteira. O ciclo só começaria a regredir após 2050, quando o custo passaria a cair, conforme os segurados fossem morrendo. Mas a obrigação só zeraria depois de 2090, deixando um passivo de R$ 78,6 milhões.

Leia a nota pública divulgada pela OAB-SP.

NOTA PÚBLICA

Com surpresa, a OAB SP, a AASP e o IASP, as três entidades representativas da Advocacia,  receberam a notícia do encaminhamento pelo governo do estado, na última quarta-feira (8/4), de Projeto de Lei  para a Assembleia Legislativa, objetivando a liquidação da Carteira dos Advogados no Ipesp, com a distribuição  dos recursos lá existentes, em torno de R$ 1 bi, para os beneficiários da Carteira.

Este projeto, desconhecido das três entidades, foi encaminhado à Assembleia Legislativa às vésperas do feriado de Páscoa. Trata-se de um "presente de grego"  que o governo destinou à Advocacia de São Paulo nessa Páscoa. Em nenhum momento fomos chamados para dialogar sobre a eventualidade de um projeto que propunha a liquidação da Carteira.

Há mais de um ano, as três entidades vêm construindo uma proposta de consenso com o próprio governo, o Ipesp e a Alesp, que prosperou, encontrando mecanismos que pudessem viabilizar o equilíbrio atuarial da Carteira. Propusemos a manutenção do Ipesp em extinção até contemplar os direitos de todos os inscritos na Carteira. Esse consenso só encontrou um óbice do Ministério da Previdência. No entanto, várias gestões estão sendo feitas junto ao Ministério da Previdência para superar esse obstáculo.

Em nenhum momento fomos prevenidos sobre a remessa de tal projeto. A interpretação primeira que temos desse gesto unilateral é que o governo com isso cessou as negociações, não deixando às entidades outra alternativa que não seja propor medidas judiciais competententes com base nos três pareceres que já possuímos, dos juristas Adilson Dallari, Arnold Wald e Wagner Balera. Todos convergindo para a responsabilidade do estado pela Carteira perante os advogados. Só lamentamos que depois de anos de trabalho, negociando um consenso, todo esse trabalho seja permaturamente interrompido por esse gesto unilateral do governo.

É inadmissível que uma Carteira de Previdência dos Advogados, criada por lei e gerida pelo estado, portanto, garantida pelo governo, possa sofrer um impacto atuarial, causando prejuízo aos advogados nela inscritos, frustrando, assim um sonho de aposentadoria dos colegas.

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