Estelionato judiciário

Advogadas são condenadas por fraudar INSS em R$ 3 milhões

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22 de março de 2008, 0h01

As advogadas Maria Alice Adão Antunes e Marly dos Santos Abreu foram condenadas a cinco anos de prisão, em regime inicialmente fechado, mais pagamento de multa por terem causado prejuízo de R$ 3,4 milhões à Previdência Social. Diante da denúncia apresentada pelo Ministério Público da União, a 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 2ª Região concluiu que elas praticaram crime de estelionato judiciário e indução ao erro de autoridades judiciais para obtenção de vantagem.

O TRF-2 também determinou a restituição da quantia recebida indevidamente pelas advogadas, que terão de devolver o dinheiro aos cofres públicos. O INSS foi representado pela Procuradoria Federal Especializada, órgão vinculado à Advocacia-Geral da União.

O relatório da decisão informa que Maria Alice induziu ao erro o juiz da 17ª Vara Federal, Wanderley de Andrade Monteiro. Ela incluiu 67 aposentados em execução que deveria ser processada em relação a 26 pessoas. Com isso, o valor depositado pelo INSS em sua conta foi muito maior do que o devido.

Irregularidade constatada, o juiz intimou Maria Alice para devolver o dinheiro no prazo de 24 horas, sob pena de busca e apreensão. De acordo com a denúncia, ela não devolveu a quantia e, inclusive, já tinha transferido R$ 890 mil apara a conta da outra advogada, Marly. Esta, por sua vez, já tinha sacado mais da metade do valor.

“A pressa na distribuição dos valores, no espaço que não superou quatro dias, não se dirigiu a pagar os beneficiários da Ação Previdenciária, mas sim a depositá-los nas contas de outros advogados”, relata o desembargador Abel Gomes. Maria Alice argumentou que os R$ 890 mil foram pagos a Marly a título de honorários e que outra parte do dinheiro foi sacada porque precisava do dinheiro para pagar a obra que estava fazendo na sua casa e também para o tratamento de alguém da sua família que estava doente.

Segundo o desembargador, “o valor que Maria Alice transferiu para Marly a título de supostos honorários discrepa daquele que apresentou na tabela de fl. 1008 (apenso), que previa um total de R$ 521.425,95 (R$ 248.298,07 + R$ 273.127,88) para pagamento de honorários advocatícios”. Para o relator, nenhum documento demonstra a necessidade do dinheiro ter sido sacado tão rápido da conta.

Diante disso, para ele, ficou provado que Maria Alice e Marly cometeram o chamado estelionato judiciário, conduta que não está tipificada no Código Penal, mas análoga ao artigo 171. Na jurisprudência dos tribunais, como consta no acórdão, há controvérsias em relação à possibilidade desta tipificação.

O procurador federal Jorge Batista Fernandes Júnior destacou que a AGU vem lutando contra as fraudes previdenciárias desde 1992. “É importante ressaltar que conseguimos recuperar mais da metade da quantia fraudada neste caso.”

As advogadas já recorreram ao Superior Tribunal de Justiça e também ao Supremo Tribunal Federal. Os recursos ainda não foram julgados.


Leia a decisão

RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL ABEL GOMES

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS

PROCURADOR: MARCILIO DA SILVA

APELADO: MARLY DOS SANTOS ABREU

ADVOGADO: MANUEL DE JESUS SOARES

APELADO: MARIA ALICE ADAO ANTUNES

ADVOGADO: CARLOS EDUARDO MACHADO E OUTROS

ORIGEM: SETIMA VARA FEDERAL CRIMINAL DO RIO DE JANEIRO (9700606430)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação criminal interposta pelo Instituto Nacional do Seguro Social — INSS (fl. 391), assistente da acusação, em face de MARIA ALICE ADÃO ANTUNES e MARLY DOS SANTOS ABREU, visando à reforma da sentença exarada pelo Exmo. Dr. MARCELLO FERREIRA DE SOUZA GRANADO (fls. 384/387), Juiz da 7ª Vara Federal Criminal/RJ, que absolveu as ora recorridas da imputação de prática das condutas descritas nos arts. 171, § 3° e 168, § 1°, III, ambos do Código Penal.

Segundo a denúncia, MARIA ALICE ADÃO ANTUNES teria induzido em erro o MM. Juiz Federal da 17ª Vara Federal, Dr. WANDERLEY DE ANDRADE MONTEIRO, incluindo 67 (sessenta e sete) aposentados em execução que deveria ser processada somente em relação a 26 (vinte e seis) autores, gerando a liquidação ilegítima de mais de três milhões de reais, determinada pelo referido Juízo, em 27/06/1996, sendo essa quantia muito superior à efetivamente devida pelo INSS.

Após constatar a irregularidade do pagamento, ainda conforme a denúncia, o Juízo intimou MARIA para que devolvesse a quantia porventura já sacada, no prazo de 24h (vinte e quatro horas), sob pena de busca e apreensão. Porém, a quantia não foi devolvida, eis que já havia sido utilizada e, inclusive, cerca de oitocentos e noventa mil reais foram transferidos para a conta de MARLY DOS SANTOS ABREU. Esta, por sua vez, já teria sacado mais da metade do valor original, ficando em conta bancária o saldo restante.

Determinada a busca e apreensão da quantia de quatrocentos e cinqüenta mil reais, a medida restou infrutífera, o que, nos termos da inicial acusatória, confirmaria a intenção de MARLY DOS SANTOS de se locupletar ilicitamente com os valores pertencentes ao INSS.

Sendo assim, MARIA ALICE ADÃO ANTUNES teria obtido para si e para outrem vantagem ilícita, em prejuízo da autarquia previdenciária, induzindo em erro Magistrado Federal, mediante expediente fraudulento, estando incursa nas penas do art. 171, § 3° do Código Penal.


MARLY DOS SANTOS ABREU, ainda segundo a denúncia, no exercício da função de advogada, teria se apropriado de valores alheios de que tinha a detenção, incorrendo nas penas do art. 168, § 1°, inciso III do Código Penal.

A denúncia foi recebida em 01/08/1997.

Na sentença absolutória (fls. 384/387), o Juízo a quo encampou os fundamentos lançados nas alegações finais do Ministério Público Federal, no sentido de que não teria sido utilizado qualquer meio fraudulento para a obtenção da tutela antecipada, razão pela qual não estaria configurado o crime de estelionato, bem como que a segunda acusada não tinha o dolo de se apropriar de coisa alheia, simplesmente, porque a coisa não era alheia, já que o pagamento foi efetuado por MARIA ALICE como se o dinheiro fosse dela.

O INSS apresentou suas razões apelatórias, às fls. 399/405, em síntese, aduzindo que materialidade e autoria delitiva restaram comprovadas, requerendo a condenação das recorridas nos termos da denúncia.

MARLY DOS SANTOS ABREU e MARIA ALICE ADÃO ANTUNES, em suas contra-razões de fls. 409/423 e 423/435, respectivamente, postularam o improvimento do recurso e a conseqüente manutenção da sentença absolutória.

O parecer ministerial foi lançado, às fls. 442/451, no qual o Exmo. Procurador Regional da República, Dr. ROGÉRIO DE PAIVA NAVARRO opinou pelo parcial provimento do recurso, com a manutenção da absolvição da apelada MARIA ALICE e condenação de MARLY DOS SANTOS nas penas do art. 168, § 1°, inciso III do Código Penal.

É o relatório.

À douta Revisão, nos termos do art. 235 do Regimento Interno desta Egrégia Corte.

Rio de Janeiro, 29 de agosto de 2007.

VOTO

O recurso do INSS está corretamente admitido. A autarquia é a ofendida, e por essa razão, por disposição expressa do art. 598 do CPP, pode apelar da sentença absolutória em caso de inércia do MPF.

A primeira questão a ser enfrentada, no presente caso, é a que diz respeito à possibilidade jurídica de o advogado praticar o crime de estelionato através do desempenho de sua atividade forense ou processual, para obter uma vantagem indevida em prejuízo alheio.


Discute-se, com abastança, na doutrina e na jurisprudência, a respeito daquilo que se veio a denominar “estelionato judiciário”, pelo qual se obtém uma decisão judicial induzindo a erro as autoridades judiciárias. O E. Superior Tribunal de Justiça, já teve oportunidade de se manifestar sobre tal questão, em acórdão assim ementado:

“PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINARIO EM HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. DENUNCIA FUNDADA NO ART. 171, CAPUT, COMBINADO COM ART. 14, AMBOS DO CODIGO PENAL — TENTATIVA DE ESTELIONATO JUDICIÁRIO. FATO ATIPICO. PROVIMENTO.

I — O FATO NÃO É TÍPICO. NÃO HÁ PREVISÃO LEGAL DA FIGURA DO ESTELIONATO JUDICIÁRIO. A COBRANÇA DE JUROS, ACIMA DO PERMITIDO EM LEI OU SEJA: EXAGERADOS, PODERIA CONSTITUIR CRIME DE USURA. ENTRETANTO, NÃO FOI O PACIENTE DENUNCIADO POR TAL E NEM NARRA A DENÚNCIA, EXPRESSAMENTE ATO DE USURA. REFERE-SE TÃO-SOMENTE QUE O TITULO EXECUTIVO FUNDAMENTAL DE UMA AÇÃO DE EXECUÇÃO, ORIGINARA-SE DE INFRAÇÃO PENAL DO ART. 4º, LETRA "A", DA LEI N. 1521, DE 26 DE DEZEMBRO DE 1951.

II — UTILIZAR-SE DE AÇÃO DE EXECUÇÃO PARA COBRAR DE DEVEDOR DÉBITO REPRESENTADO POR NOTA PROMISSORIA (TITULO EXTRAJUDICIAL), NÃO É CRIME. PODERIA HAVER CRIME NA FORMA DE SE CONSEGUIR O TITULO. POSSIVEL VANTAGEM INDEVIDA PODERIA ESTAR REPRESENTADA NO TITULO, MAS NÃO CONSEGUIDA PELA SUA EXECUÇÃO.

III — A CAUSA DEBENDI DE UM TITULO DE CRÉDITO PODERIA DECORRER DE DELITO, MAS NÃO O CONFIGURARIA O USO REGULAR DE PROCEDIMENTO JUDICIAL.

IV — ATÍPICA A CONDUTA DENUNCIADA, DEVERIA TER SIDO REJEITADA A DENÚNCIA.

V — RECURSO PROVIDO.” (STJ — RHC n° 2889-0-MG — 6ª Turma — Rel. Ministro Pedro Acioli — DJ de 07/03/1994).

No voto-vista do referido julgado, o eminente Ministro VICENTE CERNICCHIARO estabelece o limite da impossibilidade do estelionato judiciário, ao afirmar:

“Como se vê, o crime consistiria em ingressar em juízo para cobrança de crédito ilegal. O denunciado, com isso, tentara “induzir em fraude o preclaro órgão julgador, obtendo vantagem ilícita em prejuízo alheio”. Data venia, é evidente a inepcia (sic) da denúncia. Não descreve infração penal. Confunde transação ilegal com a cobrança do crédito resultante. Ademais, narra que a fraude se direcionou ao “órgão julgador”. Daí denominar — estelionato judiciário. A aceitar-se a denúncia, em tese, constituiria delito propor ação judicial e o Autor, a final, restar vencido.”

Ao que parece, tal limite remete à antiga distinção entre fraude civil e fraude penal, lembrando que a primeira, conhecida também como “fraude nos negócios”, não ensejaria o crime do art. 171 do CP, ainda que o negócio ilegal viesse a ser cobrado em Juízo através de processo judicial.


Seja como for, não se pode simplesmente adotar abstratamente uma tese ou precedente, sem que nela estejam enquadradas as situações de fato que possam ser inseridas dentro dos seus limites. Vale dizer, nem toda demanda ilegal que é levada a Juízo para a obtenção de uma vantagem inerente a um ato ou a um negócio jurídico ilegítimo, se identifica e se situa dentro dos limites traçados para o reconhecimento do proscrito estelionato judiciário, podendo ensejar, excepcionalmente, a prática de crime, ainda que do próprio estelionato. Afinal, embora o art. 171 do CP brasileiro não preveja, expressamente, a figura típica do estelionato praticado por meio do processo judicial, como o fez o Código Penal da Espanha (Lei Orgânica n. 10, de 23 de novembro de 1995)[1], no seu art. 248.1 c/c art. 250.1, 2º, também não há limitação que o exclua, quando trata da obtenção de vantagem ilícita em prejuízo alheio, mediante indução ou manutenção de alguém em erro, por qualquer meio fraudulento.

Nesse sentido, a conclusão é de que, em tese, embora possa haver situações em que o ingresso de ação judicial para a obtenção de um ato ou negócio, ambos ilegais, não representam o crime previsto no art. 171 do CP brasileiro, há outras tantas que podem vir a configurá-lo. Para isso, entretanto, devem estar presentes na conduta em concreto analisada, todas as elementares da figura típica do art. 171 do CP, a ser avaliado caso a caso.

Ocorre que o estelionato praticado contra a autarquia federal, crime imputado na denúncia, e cuja tipificação se encontra no art. 171, § 3º do CP, reclama, segundo a lição de BENTO DE FARIA, os seguintes requisitos: a) a obtenção ilegítima de uma vantagem passível de avaliação patrimonial; b) o uso do artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento capaz de induzir ou manter o sujeito passivo em erro; c) que o sujeito passivo realize a prestação, voluntariamente, em razão do erro; d) que a manobra fraudulenta tenha influenciado sobre a determinação do sujeito passivo; e) que o sujeito passivo sofra algum prejuízo (In Código Penal Brasileiro, volume IV, p. 166, apud JOSÉ ANTONIO PEREIRA RIBEIRO. Fraude e Estelionato. SP: Sugestões Literárias, 1976, p. 75).

MAGALHÃES NORONHA, a seu turno, destaca como elementos essenciais ao estelionato, cuja ausência não permite a caracterização do crime: a) a vantagem ilícita; b) o emprego do meio fraudulento; c) o erro causado ou mantido por esse meio; d) o nexo de causalidade entre o erro e a prestação da vantagem; e) a lesão patrimonial (Direito Penal, volume 2, SP: Editora Saraiva, 2000, p. 369).

Portanto, segundo a melhor doutrina, parece irrefutável que para a configuração do estelionato, necessário se faz que a vítima entregue a vantagem ao agente, voluntariamente, e sob interferência do erro ao qual é induzida ou mantida. Se a vítima não entrega a vantagem ao agente nessas circunstâncias, não cabe falar em estelionato.

Mas não se perca de vista que a fraude pode ser empregada em face de uma pessoa e o prejuízo suportado por outra, como nos casos de pluralidade de sujeitos passivos, haja vista o exemplo citado por ROMEU DE ALMEIDA SALLES JÚNIOR, em que o terceiro ao qual a vítima confia o depósito de determinada quantia em dinheiro, é induzido a erro pelo agente e, voluntariamente, lhe repassa o montante (In Apropriação Indébita e Estelionato. SP: Editora Saraiva, 1997, p. 136). Nesse caso, o dinheiro é da vítima, mas a entrega é feita por conduta do depositário que é enganado.


No presente caso, MARIA ALICE foi acusada de ter obtido mandado de arresto em favor de outros beneficiários do INSS que não integravam a relação processual (fl. 03), razão pela qual, para que restasse provada a imputação feita na denúncia, seria necessário que a instrução criminal mostrasse que ela se valeu de artifício, ardil ou outro meio fraudulento, capaz de levar o juiz a erro — na condição de terceiro sobre quem foi aplicada fraude — para que viesse a permitir o pagamento em prejuízo do INSS.

No caso dos autos, da análise da instrução criminal, depreende-se que estão presentes os elementos para a configuração do crime previsto no artigo 171, na forma do seu § 3º, senão vejamos:

Da leitura do apenso, que traz cópia do processo nº 00.0205190-7, colhe-se que a ação foi julgada procedente (fls. 55/58 e 80/82), tendo sido o INNS, à época INPS, condenado a reajustar os proventos dos autores com base nos índices fixados para a política salarial do Governo.

À fl. 82 do apenso, o Juiz Federal que subscreveu a decisão, Exmo. Sr. CLELIO ERTHAL, foi taxativo ao consignar que “No caso vertente, a pobreza de documentos não permite ao julgador averiguar, com os detalhes devidos, quais foram os índices de revisão adotados pelo INPS. Pelo que, a condenação só poderá ser condicionada, a ser complementada em fase de execução do julgado”. (grifo meu)

Sendo assim, claro foi o Magistrado ao acentuar que se tratava de condenação condicionada à apresentação de documentos que permitissem a averiguação dos índices de revisão adotados para cada um dos 93 autores que compuseram o pólo ativo da lide (fls. 2/6 – apenso).

Para MARIA ALICE tal comando, sem dúvida alguma, havia ficado claro, tanto que, à fl. 99 e seguintes, quando juntou os documentos de alguns dos autores da ação, assim requereu:

Fl. 99 — “ODETE ALVARENGA DE SOUZA FERRARI E OUTROS, nos autos da ação ordinária contra o INSS, em execução, tendo em vista já terem obtido junto ao Posto de Benefício do Instituto os elementos para elaboração do cálculo, solicitado pelo executado, e não sendo justo que fiquem aguardando por tempo indeterminado que os demais autores consigam para si tais elementos, vêm requerer a V. Exa. a juntada dos documentos anexos.

Assim sendo, requerem a intimação do INSS para que apresente o quantum devido aos autores, com base nos elementos ora apresentados, ressalvado o direito daqueles que ainda não atenderam a solicitação do instituto a fazê-lo oportunamente.” (grifo meu)

Sendo assim, é cristalino que MARIA ALICE sabia que não exauria com aqueles documentos, a complementação imposta pelo Juiz prolator sentenciante a fim de satisfazer o crédito dos 93 autores que constavam na inicial.


Reforçando ainda a idéia de que a execução recaía sobre menos da terça parte dos autores do processo de conhecimento, e de que MARIA ALICE era sabedora disto, é que a decisão do Magistrado em embargos à execução traz por extenso somente o nome dos beneficiários da execução que tinham anteriormente apresentado documentação pertinente (fls 427/429 — apenso).

Malgrado a execução recair apenas sobre os que tinham apresentado a documentação, de acordo com a orientação da sentença, MARIA ALICE peticiona, às fls. 438/441 (apenso), no sentido de que seja concedida antecipação dos efeitos da tutela e junta planilha de cálculos, até à fl. 1004 (apenso), constando todos os autores. É possível, então, notar dos documentos colacionados, o modo ardiloso com que agiu a advogada ao referir-se a planilha de cálculos:

Fl – 441 (apenso) “A anexa planilha nada difere daquela que instruiu a execução, salvo no que respeita a inclusão da correção monetária e juros que se acresceram, o que também aconteceu com a verba honorária decretada na douta sentença que rejeitou os primitivos embargos”. (grifo meu)

Ou seja, de acordo com o que foi dito por MARIA ALICE, a planilha só incluiu correção monetária e juros, mas em nenhum momento foi dito o motivo pelo qual foram incluídos mais beneficiários do que aqueles sobre os quais recaiu a execução da sentença, ao contrário, foi dito que a anexa planilha nada difere daquela que instituiu a execução.

Às fls. 1006/1008 (apenso), MARIA ALICE junta uma nova planilha retificando o índice a ser aplicado e mantendo um número bem maior de beneficiários do que os que haviam apresentado documentação e estavam, de fato, habilitados para o processo de execução.

Às fls. 1010/1013 (apenso), o Magistrado, deferindo a tutela antecipada, determinou a expedição de mandado de arresto da quantia indicada na memória dos cálculos às fls. 1007/1008 (apenso).

Tais circunstâncias, demonstradas pela análise dos documentos que reproduzem as peças dos autos pelas quais se pugnou e se obteve a liberação do dinheiro, com diferenças ideológicas sobre a verdade dos fatos, a meu sentir demonstram o ardil utilizado, na medida em que se apresentou, primeiro, um número de pessoas habilitadas documentalmente ao pagamento e, num segundo instante, se apresentou cálculos que diziam respeito a todas as pessoas, inclusive aquelas que não estavam habilitadas ao pagamento.

Estando configurado, assim, o ardil, passemos à análise de outro elemento que se mostra necessário para a configuração do estelionato: o induzimento ou a mantença de alguém em erro. Tal elemento é facilmente destacado da leitura do despacho de fl. 1.022 (apenso), senão vejamos:

Fl. 1022 (apenso) — “Tendo em vista a informação de fls. 1021, e considerando ter este Juízo sido induzido em erro pela advogada, com a inclusão de outros autores que não aqueles que constam dos cálculos objeto dos Embargos à Execução, cuja sentença transitou em julgado, determino o bloqueio do saldo existente na conta corrente aberta na agencia 0321 do Banco do Brasil S.A., pela Dra. Maria Alice Adão Antunes, intimando-a a proceder à devolução da quantia porventura já sacada em 24 (vinte e quatro) horas, até o montante arrestado, permanecendo à disposição deste Juízo Federal, sob pena de busca e apreensão”. (grifo meu).


Não se perca de vista que o referido Magistrado, apesar de não ter repetido o que foi dito no despacho quando do seu depoimento como testemunha (fls. 150/152) também não negou que havia sido induzido a erro, tendo consignado que: “considera muito subjetiva a indagação do juízo de se considerar ou não induzido em erro pelas rés, sabendo informar contudo que tal informação foi propagada por uma jornalista do jornal “O Globo.

Contudo, não havia nada de subjetivo na indagação do Juízo criminal ao Juízo da 17ª Vara Federal, porquanto é plenamente possível a uma pessoa que determinou pagamento à luz de afirmações feitas em documentos, dizer se o fez acreditando no que eles diziam, o que por si só é uma constatação objetiva de fé nos referidos documentos, e se estes não correspondiam à verdade, obviamente que o Juízo que determinou o pagamento estaria agindo enganado. Neste diapasão, o despacho de fl. 1022 (apenso), reproduzido acima, é prova inequívoca de que o Magistrado foi induzido em erro.

A vantagem ilícita em prejuízo da autarquia federal caracterizou-se pelo depósito da quantia de R$ 3.004.406,68 (três milhões, quatro mil, quatrocentos e seis reais e sessenta e oito centavos) na conta de MARIA ALICE, de acordo com o Auto de Arresto de fl. 1.020 (apenso).

Como sedimenta NÉLSON HUNGRIA, o meio fraudulento, comissivo ou omissivo, deve, diretamente, induzir ou manter o erro em virtude do qual a vítima entrega a vantagem que locupleta indevidamente o agente (Comentários ao Código Penal, volume VII, RJ: Edição Forense, 1958, p. 209).

A quantia de R$ 3.004.406,68 (três milhões, quatro mil, quatrocentos e seis reais e sessenta e oito centavos), que havia sido depositada, representava os valores apresentados na última planilha juntada aos autos por MARIA ALICE, à fl. 1.008 (apenso), que, segundo a acusada, correspondia à soma dos seguintes valores:

Subtotal do resumo — R$ 2.482.980,73

Honorários advocatícios de 0.10 — R$ 248.298,07

Cond. honor. embargos — R$ 273.127,88

Total devido no processo em reais até junho de 1996 — R$ 3.004.406,68

Da leitura cuidadosa dos valores acima, depreende-se que MARIA ALICE já havia calculado os valores devidos a título de honorários advocatícios, e, ainda segundo a planilha apresentada, R$ 2.482.980,73 seria o valor devido aos beneficiários.

Mas ainda acresce à convicção deste julgador, que o fato provado nos autos, de que o depósito de tão vultosa quantia foi logo retirado da conta da acusada MARIA ALICE, haja vista que quatro dias após o ocorrido, quando o Juízo da 17ª principiou a busca ao dinheiro, só restavam na conta dela a importância de R$ 1.268.587,88, que estavam aplicados em R.D.B e B.B. Fix Curto Prazo, de acordo com a certidão de fl. 1028 (apenso).


Quanto ao destino do numerário acima, MARIA ALICE confirmou, em seu interrogatório, às fls. 38/40, que repassou valores, in verbis:

Fl. 39 — “Confirma que recebeu o cheque administrativo naquele valor tendo depositado em sua conta; que se recorda que repassou alguns valores para outras contas; que inicialmente repassou o valor de oitocentos e noventa mil reais para a conta da segunda acusada Marly dos Santos Abreu; que repassou estes valores a segunda acusada vez que esta tinha compromissos profissionais com a interroganda de vários outros processos; que repassou para outra colega do escritório, Dra. Ildene José de Araújo Pereira a quantia de aproximadamente duzentos e setenta e seis mil reais, sendo que estes valores destinavam-se ao pagamento de alguns autores, não sendo ainda a título de honorários advocatícios. Que repassou ainda aproximadamente quinhentos e cinqüenta mil reais para uma outra conta sua, no Banco Mercantil do Brasil; que em seu poder ficou apenas cinqüenta e um mil reais, que se destinavam a despesas e pagamentos do escritório (…)”

Já a segunda acusada, MARLY, em seu interrogatório disse que recebeu os valores de MARIA ALICE, nestes exatos termos:

Fl. 72 — “que desse modo a quantia aproximada de oitocentos e noventa mil reais que a interroganda recebeu da doutora Maria Alice representou o acerto de contas referente aos honorários que a interroganda tinha direitos por todos os serviços e trabalhos forenses que realizou em feito patrocinado pela Dra. Maria Alice; que a combinação feita entre a interroganda e a acusada Maria Alice referente aos valores de honorários variava de acordo com o volume econômico (importância) do feito (…); que apenas a titulo ilustrativo a interroganda pode informar que ainda não recebeu todas as importâncias referentes à honorários a que tem direito, sendo certo que o valor de oitocentos e noventa mil reais não foi suficiente para quitação de todos os valores devidos a interroganda”

A pressa na distribuição dos valores, no espaço que não superou quatro dias, não se dirigiu a pagar os beneficiários da Ação Previdenciária, mas sim a depositá-los nas contas de outros advogados. Note-se dos trechos acima, que só para a acusada MARLY foram pagos a título de honorários aos quais supostamente teria direito, por trabalhos forenses que realizou em feitos patrocinados pela acusada MARIA ALICE, o valor de R$ 890.000,00.

E não só isso, pois o valor que a acusada MARIA ALICE transferiu para MARLY a título de supostos honorários, discrepa daquele que apresentou por na tabela de fl. 1008 (apenso), que previa um total de R$ 521.425,95 (R$ 248.298,07 + R$ 273.127,88) para pagamento de honorários advocatícios.

Na instrução, a acusada que conseguiu o saque do valor na 17ª Vara Federal, jamais demonstrou quando e como seriam pagos os beneficiários? Se o objeto do levantamento do dinheiro era a satisfação do direito lícito daqueles segurados que pugnaram em Juízo por meio da advogada, porque razão não se trouxe aos autos uma prova cabal da imediata canalização dos valores para tais pessoas?


E pior, sequer demonstraram, as acusadas, que algum dos clientes beneficiários do principal sacado, chegou a ser avisado de que havia crédito disponível em seu nome. Aliás, do que se depreende dos interrogatórios das acusadas, este era um detalhe de somenos importância. Tanto no interrogatório de MARIA ALICE (fls. 38/40), quanto no interrogatório de MARLY (fls. 71/73), nada foi dito de esclarecedor acerca de como seria procedido o pagamento dos beneficiários. MARIA ALICE cingiu-se a dizer: “que repassou para outra colega do escritório doutora Ildene José de Araújo Pereira a quantia de aproximadamente duzentos e setenta e seis mil reais, sendo que estes valores destinavam-se ao pagamento de alguns autores, não sendo ainda a título de honorários advocatícios” e MARLY nada falou a respeito.

Todavia, o mesmo pagamento dos clientes na ação em que seriam beneficiários dos valores, foi exatamente o que suscitou o pedido de tutela antecipada, em caráter de urgência, como é da natureza deste instituto, mas o que aconteceu de fato, após o deferimento da tutela, foi a utilização de valor muito maior do que o que foi depositado a título de honorários para, segundo as acusadas: “quitar dívidas de mais de dez anos de trabalho” da advogada. Ou seja, usou-se o direito e a urgência dos beneficiários para solicitar antecipação de tutela em valores superiores ao devido, mas o destino imediato e urgente do dinheiro, foram as contas das advogadas.

Assim constou da petição:

Fl. 438/441 (apenso) — “O presente feito, que busca prestação de cunho alimentar, vem se desenvolvendo desde os idos de 1978, conforme se colhe dos registro (sic) da petição inicial, a fls. 2. São quase duas longas décadas de ingente batalha judicial, onde os ora exeqüentes, pessoas humildes, de baixa renda e aposentadas, luta para obter o que lhes pertence, para que possam garantir um mínimo de dignidade às suas existências e de seus próprios familiares. (…) A presente execução, data venia, merece solução prática definitiva, para que não mais se sacrifique o direito das exequentes, que aqui clamam por verba, como dito, de indiscutível natureza alimentar”.

Destarte, apesar do crime de estelionato já ter se consumado no momento do recebimento da vantagem ilícita, o comportamento de MARIA ALICE, após o depósito do dinheiro, com o não repasse dos valores aos beneficiários, mas repassando o valor muito maior do que lhe foi dado, a título de honorários, para MARLY, só reforça a prova de dolo premeditado sobre o ardil para a obtenção de tal vantagem.

As testemunhas de defesa de MARIA ALICE prestaram depoimentos às fls. 209/214 e, não obstante terem sido ouvidas, a advogada Mônica Chaves de Souza, uma Juíza Federal, Dra. Salete Maria Polita Macallóz e uma Promotora de Justiça, Dra. Glória Maria Percinotto, nada foi informado de substancial sobre os fatos narrados na exordial, tendo as duas últimas afirmado que nada sabem sobre os fatos narrados na denúncia.

Por todo o exposto, resta provado nos autos que MARIA ALICE atuou dentro do que está estabelecido no tipo penal do art. 171, § 3º do Código Penal, de forma extremamente reprovável.

Quanto à acusada MARLY, pelos elementos dos autos, ficou claro que a mesma também cometeu o crime previsto no artigo 171, § 3º do Código Penal, senão vejamos:


No seu interrogatório, às fls. 71/73, disse que, possivelmente, atuou no processo em questão ao afirmar:

Fl. 72 — “que relativamente ao processo mencionado na denúncia a interroganda pode precisar que não atuou no processo de execução, tendo, no entanto, possivelmente atuado no processo de conhecimento, formulando algumas petições; que tratava-se de um processo bastante antigo, lá nos idos da década de setenta.”

Já à fl. 1111 (apenso), consta Termo de Declarações de MARLY prestado neste Egrégio Tribunal Regional Federal, no Gabinete da Vice-Presidência-Corregedoria que esclarece o que foi dito no interrogatório tendo confirmado, inclusive, que ajudou na elaboração dos cálculos:

Fl. 1111 — “que é advogada na Justiça Federal há muitos anos e que tem prestado auxílio à Dra. Maria Alice Adão Antunes em diversos processos, inclusive no de Odete Alvarenga de Souza e outros contra o INSS, redigindo petições e elaborando cálculos, que alguns cálculos são feitos no seu escritório e outros por um rapaz chamado José Carlos que trabalha para o escritório fazendo serviços avulsos, que recebia um pagamento por esse serviço na base de 10% do valor da execução, que recebeu R$ 890.000,00 por conta desse processo e de outros que ainda não havia recebido (…)”

Sendo assim, é fato indene de dúvidas, esclarecido pela própria MARLY, que participou do processo em questão, redigindo petições e elaborando cálculos que também agiu dentro da mesma linha de desdobramento do estelionato que visava a causar prejuízo ao INSS, para satisfazer a obtenção de vantagem ilícita por parte das acusadas.

Os fatos provados nos autos, onde se vê que MARLY conhecia o processo, participou dos cálculos realizados nele, e acabou recebendo em sua conta, grande parcela do dinheiro que nele foi levantado, mostram que esta acusada agiu consciente e em conjunto com MARIA ALICE.

Acresce, ainda, que o valor recebido por MARLY não teria mesmo como destino, o pagamento dos coitados dos clientes, pois, como ela afirmou na Corregedoria deste Tribunal, à fl. 1111 do apenso: “o pagamento aos autores seria da responsabilidade da Dra. Maria Alice”.

Igualmente ao analisado em relação à MARIA ALICE, o comportamento de MARLY após o depósito do dinheiro, só reforça a idéia de dolo na prática do ardil para a obtenção de tal vantagem. Isso porque, logo após o depósito da vultosa quantia, qual seja, R$ 890.000,00 (no ano de 1996, hoje, dez anos depois, equivaleria a valor muito maior), a mesma sacou em espécie, de acordo com o ofício da gerente-geral da CEF – PAB Justiça Federal, à fl. 1112, R$ 470.000,00, sendo R$ 450.000,00 em 02/07/1996 e R$ 20.000,00 em 03/07/1996.

Ora, levando-se em conta que o valor foi depositado na conta de MARIA ALICE em 01/07/1996 (Auto de arresto à fl. 1.020), entre o depósito na conta de MARIA ALICE e o primeiro saque da conta de MARLY transcorreu o lapso de apenas 24 horas.


Sobre as necessidades que a levaram a utilizar o dinheiro imediatamente, não há nos autos nenhuma comprovação, o que até mesmo seria ocioso, na medida em que o INSS também estaria precisando do dinheiro para saldar débitos com tantos segurados necessitados, isso sem contar os próprios autores daquela malsinada Ação cível, que também deveria ter suas necessidades prementes, e jamais receberam algum valor deste que foi sacado com a utilização de seus direitos.

A própria razão do saque do valor pela acusada já demonstraria a total desproporção entre as necessidades dos beneficiários da verba alimentar ou mesmo do INSS como instituto de previdência, na medida em que MARLY alegou à fl. 1111: “precisava de dinheiro vivo para pagar uma obra em casa, carpinteiros, pedreiros, e para outras despesas particulares”. Muito embora tenha alegado, à fl. 72, que também teve despesas, não comprovadas, com problemas de doença em família.

Não há nos autos, entretanto, nenhum documento ou mesmo um recibo que demonstre que, de fato, havia a necessidade de tais valores serem sacados tão rapidamente da conta da acusada. Em relação à doença dos seus familiares, sobretudo o irmão, por exemplo, o mesmo já havia falecido há mais de seis anos quando MARLY recebeu a quantia de MARIA ALICE proveniente da autarquia federal (fl. 72).

Outrossim, registre-se que não houve a entrega espontânea dos valores restantes, tendo sido os mesmos bloqueados, o que, mais uma vez, corrobora o dolo e o ardil empregados na prática do estelionato.

Por todo o exposto, resta provado que MARLY participou conjuntamente com MARIA ALICE da pratica do estelionato contra a autarquia previdenciária e, conforme já exposto acima, não se perca de vista que o ardil pode ser empregado em face de uma pessoa e o prejuízo suportado por outra, como nos casos de pluralidade de sujeitos passivos.

Em relação à segunda acusada, mister ressaltar que o nosso sistema legal possibilita a emendatio libelli para que se dê ao fato classificação jurídica correta, ainda que mais grave. É o que disciplina o art. 617 do CPP, que determina ao Tribunal que aplique o art. 383 do mesmo Estatuto no que couber. Logo, é possível atribuir aos fatos narrados na denúncia a classificação do estelionato na forma do seu parágrafo 3º. Note-se que a exordial narrou, inclusive, que “a primeira acusada afirmou que a quantia supramencionada foi depositada na conta e Marly dos Santos, em função de uma espécie de assistência que esta teria lhe prestado ao longo do processo”.

Condenadas as duas acusadas nas penas do art. 171, § 3º do CP, passo, então, a dosar as penas a serem aplicadas.

1) MARIA ALICE ADÃO ANTUNES é primária, no entanto, algumas circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal se mostram desfavoráveis:

A conduta da acusada se revela mais reprovável do que a qualquer homem comum. Como advogada estaria mais obrigada a conduzir-se conforme o direito do que aqueles que nada sabem a respeito dos meandros da lei, sendo, ainda, maior, o grau de potencial conhecimento da ilicitude, pelas mesmas razões. Entretanto agiu, utilizando o drama jurídico de outras pessoas em ação previdenciária versando direito alimentar, para pugnar tutela urgente em seus nomes e, quando a obteve, tratou de dar vazão apenas aos seus interesses pessoais, sem que aqueles autores que teriam direitos a alguma coisa na ação em que foi praticada a fraude, jamais recebessem algum valor palpável do que foi levantado. Sem contar o grande prejuízo causado aos cofres públicos e que foi a principal agente a permitir o saque dos valores, com sua petição. Por isso são contrárias à acusada: a culpabilidade; os motivos; as circunstâncias e as conseqüências do delito, o que me faz situar a pena base bem acima do mínimo legal, em 04 (quatro) anos e 06 (seis) meses de reclusão e 150 (cento e cinqüenta) dias-multa, no valor de 1/6 do salário mínimo.


Ausentes agravantes, que sejam diferentes das circunstâncias já consideradas na primeira fase, e atenuantes, aumento a pena de 1/3 em razão do disposto no § 3º do art. 171 do CP, ficando a pena em 05 (cinco) anos e 03 (três) meses de reclusão e 200 (duzentos dias-multa) no valor de 1/6 do salário mínimo, a qual torno definitiva, na ausência de outras causas de aumento e diminuição.

O regime inicial de cumprimento da pena será o inicialmente fechado (art. 33, § 3º c/c art. 59 do CP), vedada a substituição da privativa de liberdade em razão da ausência de circunstâncias objetivas e subjetivas do art. 44 e seus incisos.

 

2) MARLY DOS SANTOS ABREU é primária, no entanto, algumas circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal se mostram desfavoráveis:

Reproduzo, aqui, todas as circunstâncias judiciais desfavoráveis que interferiram na pena da primeira acusada, apenas considerando que MARLY apenas atuou no segundo plano da trama, de modo que sua pena base ficará um pouco menor do que a de MARIA ALICE, saindo de 04 (quatro) anos e 03 (três) meses de reclusão e 90 (noventa) dias-multa no valor de 1/6 do salário mínimo cada.

Ausentes agravantes, que sejam diferentes das circunstâncias já consideradas na primeira fase, e atenuantes, aumento a pena de 1/3 em razão do disposto no § 3º do art. 171 do CP, ficando a pena em 05 (cinco) anos e 01 (um) mês e 06 (seis) dias de reclusão e 120 (cento e vinte) dias-multa no valor de 1/6 do salário mínimo, a qual torno definitiva, na ausência de outras causas de aumento e diminuição.

O regime inicial de cumprimento da pena será o inicialmente fechado (art. 33, § 3º c/c art. 59 do CP), vedada a substituição da privativa de liberdade em razão da ausência de circunstâncias objetivas e subjetivas do art. 44 e seus incisos.

Com o trânsito em julgado, lance-se seus nomes no rol dos culpados.

Ante o exposto, dou provimento ao recurso do INSS, para condenar MARIA ALICE e MARLY, nos termos da fundamentação acima.

Oficie-se a OAB/RJ com cópia do presente julgamento, para as providências cabíveis.

É o voto.

EMENTA

APELAÇÃO CRIMINAL. RECURSO DO ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO. ADMISSIBILIDADE. OBTENÇÃO DE PAGAMENTO INDEVIDO EM AÇÃO PREVIDENCIÁRIA. FRAUDE COMPROVADA. ESTELIONATO CONTRA O INSS.

I — Admissibilidade do recurso do assistente de acusação. Art. 598 do CPP.

II — Embora o art. 171 do CP brasileiro não preveja, expressamente, a figura típica do estelionato praticado por meio do processo judicial, não há limitação que o exclua, quando trata da obtenção de vantagem ilícita em prejuízo alheio, mediante indução ou manutenção de alguém em erro, por qualquer meio fraudulento.


III — Embora possa haver situações em que o ingresso de ação judicial para a obtenção de um ato ou negócio, ambos ilegais, não representam o crime previsto no art. 171 do CP brasileiro, há outras tantas que podem vir a configurá-lo. Para isso, entretanto, devem estar presentes na conduta em concreto analisada, todas as elementares da figura típica do art. 171 do CP, a ser avaliado caso a caso.

IV — Da análise da instrução criminal, depreende-se que estão presentes os elementos para a configuração do crime previsto no artigo 171, na forma do seu § 3º, e, ressalte-se, a fraude pode ser empregada em face de uma pessoa e o prejuízo suportado por outra, como nos casos de pluralidade de sujeitos passivos.

V— Apelação do INSS provida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados os presentes autos, em que são partes as acima indicadas, acordam os membros da Primeira Turma Especializada do Egrégio Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por unanimidade, em dar provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator.

Rio de Janeiro, 05 de dezembro de 2007 (data do julgamento).

ABEL GOMES

Desembargador Federal

Relator


[1] “Art. 248. 1. Cometen estafa los que, com ánimo de lucro, utilizaren engaño bastante para prodicir error en outro induciéndolo a realizar un acto de disposición en prejuício proprio o ajeno.” (…) “Art. 250.1. El delito de estafa será castigado con las penas de prisión de uno a seis años y multa de seis a doce meses, cuando: (…) 2º Se realice con simulación de pleito o empleo de otro fraude procesal.”

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