Epidemia no Rio

A epidemia da dengue e a responsabilidade do Estado

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6 de abril de 2008, 0h00

A proliferação dos casos de contaminação pelo vírus da dengue é alarmante no Rio de Janeiro. Os índices são superiores àqueles considerados aceitáveis pela Organização Mundial de Saúde e a epidemia se alastra a passos largos.

A ausência de organização e planejamento por parte do SUS cominou no desastre atual. A omissão do Estado é evidente, devendo ser levada ao crivo do Poder Judiciário.

Sabe-se que a teoria sobre a responsabilidade civil do Estado em muito evoluiu desde a sua criação. Num primeiro momento aplicou-se a teoria da irresponsabilidade onde o estado não seria responsabilizado por qualquer conduta. Le roi ne peut mal faire, the king can do no wrong.

No entanto, a Constituição Federal de 1988 trouxe a responsabilidade objetiva do estado. Dessa forma o Estado responde objetivamente pela conduta de seus agentes, independentemente de culpa, nas condutas comissivas.

Todavia, no caso da epidemia de dengue não se trata de conduta comissiva do Estado, mas danos causados pela sua omissão, uma vez que a epidemia de dengue somente ocorre porque o Estado se omitiu quando deixou de adotar políticas públicas preventivas.

Neste caso, a responsabilidade é subjetiva devendo estar caracterizada a faute du service, ou seja, a comprovação de que o serviço foi mal prestado ou que o Estado foi integralmente omisso.

A omissão é patente. Diversos carros para o combate ao vetor estão paralisados em depósitos da prefeitura do Rio de Janeiro. Além disso, após a grande epidemia de 2002, quando foram registrados mais de 138 mil casos da doença o estado deveria ter realizado mais investimentos em prevenção.

Tal omissão estatal não pode ser considerada geral, pois a tragédia já estava anunciada. A omissão é específica porque era público e notório que outra epidemia ocorreria se o Estado não investisse em prevenção. Em outras palavras, mesmo sabendo do risco de novos casos da doença, o Estado nada fez. Assim, não restam dúvidas que o estado deve ser responsabilizado civilmente pela epidemia de dengue que assola o Rio de Janeiro.

José dos Santos Carvalho Filho discorre sobre a responsabilidade do estado por omissão:

“Somente quando o Estado se omitir diante do dever legal de impedir a ocorrência do dano é que será responsável civilmente e obrigado a reparar os prejuízos.” [Carvalho Filho, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 14ª edição. Ed. Lumen Juris. Rio de Janeiro, 2005. pp. 454]

Como se pode ver é dever do Estado prevenir a ocorrência de epidemias como a causada pelo mosquito Aedes Aegypti, uma vez que por anos a dengue é uma constante no Rio de Janeiro.

Afirmar que o Estado agiu na prevenção com força máxima é negar o número de mortos pela doença. Tal foi a omissão, que em 2007, foram registrados 57.112 casos, dos quais 37% foram notificados na capital (21.237 casos), o que comprova que o Estado se omitiu no seu dever de adotar medidas de prevenção uma vez que em 2008 já foram registrados mais de 25 mil casos somente na cidade do Rio de Janeiro.

A Constituição Federal em seu artigo 196 dispõe de forma expressa que a saúde é dever do Estado, de forma que a evolução da epidemia de dengue é uma omissão para fins de responsabilização. A epidemia é decorrente da omissão do Estado e foi causada pela falta de serviços de saúde pública, pela má execução e pelo atraso na implementação de programas de prevenção e combate ao vetor.

Em caso similar, julgado pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região, o Ministério Público Federal ingressou com Ação Civil Pública para responsabilizar o Estado pela omissão em combater a leishmaniose visceral, sendo julgado procedente o pedido e caracterizada a sua responsabilidade civil.

Vejamos:

2006.05.00.028399-3

EMENTA: CONSTITUCIONAL, CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EPIDEMIA DE CALAZAR. LEGITIMIDADE DO MPF ANTE O DIREITO À SAÚDE (ART. 129, III, CF). RESPONSABILIDADE ESTATAL CARACTERIZADA PELA FAUTE DE SERVICE

1. A Constituição de 1988 conferiu legitimidade ao Ministério Público para a tutela judicial dos interesses difusos e coletivos, entre os quais está o direito à saúde (art. 129, III c/c art. 196, caput)

2. A responsabilidade estatal por omissão, também chamada de faute de service, é de caráter subjetivo, caracterizando-se quando a Administração deixa de agir na forma da lei e como ela determina.

3. A ausência de ações administrativas eficazes de prevenção da leishmaniose visceral (“calazar”), imprescindíveis em face das condições sociais e sanitárias de diversos Municípios do Estado do Rio Grande do Norte, resultaram na vertiginosa proliferação da doença, inclusive com a ocorrência de óbitos.

4. Caracterizado o mau funcionamento do serviço público de saúde, cuja prestação é atributo dos demandados (art. 198, §§ 1.º e 2.º, CF/88), implicando na responsabilidade do poder público na forma do art. 37, §6.º, da Lei Máxima.

5. Apelações e remessa oficial improvidas.

ACÓRDÃO

Vistos, etc.

Decide a Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por maioria, negar provimento às apelações e à remessa oficial, nos termos do voto do condutor, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes nos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Recife, 29 de maio de 2007 (data do julgamento).

Desembargador Federal MARCELO NAVARRORELATOR

Depreende-se da leitura que, comprovada a omissão do Estado, a sua responsabilização deverá ocorrer. E a omissão no Rio de Janeiro pode ser comprovada pelo Relatório do Tribunal de Contas do Município, que afirma que R$ 5,5 milhões deixaram de ser gastos no ano passado para o combate à dengue, na forma da Inspeção Ordinária — SMS — julho de 2007.

Enfim, no que tange a epidemia de dengue no Rio de Janeiro, resta clara a omissão por parte das três esferas de governo devendo ser responsabilizadas pelas mortes e pelos danos causados a população fluminense.

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