Com justificativa, parte pode estar ausente em audiência
1 de setembro de 2005, 12h48
Uma das partes do processo pode estar ausente na audiência desde que justifique devidamente os motivos da falta. Com esse entendimento o juiz José Tadeu Picolo Zanoni, da 2ª Turma do Colégio Recursal de Cotia (SP), anulou sentença que obrigou um comerciante do Rio Grande do Sul a ressarcir um consumidor de São Paulo que alega ter pago e não recebido peças de veículos compradas por telefone.
O comerciante gaúcho enviou contestação antes da audiência justificando porque estaria ausente na data. Acompanhado das juízas Fernanda Fialdini e Lúcia Campanha, Zanoni entendeu que o deslocando do comerciante até São Paulo ultrapassaria do valor da causa e que era justo que os argumentos da contestação, apresentada antes da audiência, fossem considerados.
“A aplicação da revelia sem consideração de tais argumentos apresenta-se como indevida e incorreta. A r. sentença deve ser anulada, portanto, para que o feito seja devidamente instruído, produzindo-se as provas pedidas ou, quando menos, para que os argumentos de mérito esgrimidos pela requerida sejam analisados”, afirmou Zanoni em seu voto (leia íntegra abaixo).
O juiz também chamou atenção para o fato de que o comerciante gaúcho provou que enviou as peças compradas e o consumidor ocultou essa informação no processo.
Leia a íntegra do voto
COLÉGIO RECURSAL DA 52a. CIRCUNSCRIÇÃO JUDICIÁRIA
2a. TURMA
Processo n. 118/05
543/2004 (número de origem)
VOTO N. 19
RECORRENTE – CM RACING
RECORRIDO – GLEIDSON ELOY DOS SANTOS
DEVOLUÇÃO DE VALORES – REVELIA – PROCEDÊNCIA- CONTESTAÇÃO PRESENTE NOS AUTOS – REQUERIDO QUE NÃO VEIO DE PORTO ALEGRE PARA A AUDIÊNCIA – REVELIA AFASTADA – SENTENÇA ANULADA – REJEIÇÃO DOS PEDIDOS ALTERNATIVOS, COMO INCOMPETÊNCIA E ILEGITIMIDADE DE PARTE, CORRETAMENTE APRECIADOS NA R. SENTENÇA.
Relatório.
O recorrido ingressou com ação de devolução contra a recorrente porque adquiriu por telefone um conjunto de peças no valor de mil reais. Depositou o valor pedido, mas não recebeu a mercadoria. Precisou comprar as mesmas peças de outra pessoa, posto que precisava. Pediu a devolução dos mil reais pagos. Juntou documentos (fls. 04/06).
A recorrente apresentou exceção de incompetência e contestação (fls. 13/16 e 21/26, com documentos – fls. 27/35). Foi determinada a regularização da representação processual (fls. 36), sendo isso providenciado (fls. 39, com esclarecimento – fls. 47).
A r. sentença de fls. 50/52 (19 de janeiro de 2005) julgou procedente o pedido inicial para condenar a requerida ao ressarcimento dos valores. Também rejeitou a exceção de incompetência. A recorrente ingressou com embargos de declaração (fls. 55/58), sendo estes apreciados (fls. 59).
A requerida – recorrente apresentou seu recurso a fls. 63/74. Alega que: a) jamais prometeu a entrega do kit para depois de três dias do pagamento; b) prometeu que entregaria o kit tão logo tivesse condições; c) o autor não entendeu que o serviço demandaria tempo para pesquisa e produção; d) a propositura do feito ocorreu em 08 de junho de 2004, sendo a citação em 22 de novembro e a audiência em 1º de dezembro de 2004; e) afirma que sua procuração foi juntada em 10 de dezembro de 2004; f) afiram que a questão da incompetência de foro não foi analisada; g) não cabia a pena de revelia por causa de sua ausência em audiência; h) pede a reforma da revelia para a instrução do feito; i) diz que é parte ilegítima, sendo que a CM Racing não existe; j) não existe relação de consumo; k) o autor-recorrido ocultou o fato de que o kit já foi entregue; l) eventual condenação ao pagamento dos valores deve ser acompanhada na determinação para que o autor-recorrido devolva os bens.
Foram apresentadas contra-razões (fls. 77/78).
VOTO.
O recurso da recorrida é extenso e deve ser apreciado por partes. Em primeiro lugar, temos que a exceção de incompetência foi corretamente apreciada e fundamentada, devendo ser mantida. Entendeu-se que existiu relação de consumo e, sendo assim, deve prevalecer o foro do consumidor para que este possa exercer os seus direitos.
No tocante à questão da ilegitimidade de parte, a r. sentença também apreciou bem a questão. Apesar de não existir a pessoa jurídica CM Racing, temos que este é o nome de um sítio (ou saite, como alguns dizem) na internet e por meio dele realiza negócios. Este sítio foi visitado por este relator, que deixa de juntar copai por escrito em razão de dificuldades de impressão. O sítio tem este nome http://www.cmracing.com.br/.
A questão da procuração não é o ponto central da decisão. O ponto central é a questão da revelia. A recorrente apresentou exceção de incompetência e contestação subscritas por advogado. Vale dizer que estas foram apresentadas em nome da CM Racing e não no de Cezar M. Rocha. De qualquer forma, a necessidade de procuração é evidente e o juízo de primeiro grau agiu corretamente ao exigir isso.
No que diz respeito às datas da propositura, da citação e da audiência, é preciso esclarecer a recorrente-requerida a respeito da greve dos servidores, sendo que tal fato até é mencionado em um dos despachos. Fique o recorrente seguro que não houve comportamento doloso dos serventuários.
No que diz respeito à revelia, tem razão a recorrente. Considerando que: a) não é pessoa jurídica; b) que vende anunciando pela Internet e que c) o custo do seu deslocamento entre Porto Alegre e Taboão da Serra passaria do valor da causa, era justo e correto que os argumentos da contestação, apresentada antes da audiência, fossem considerados. A aplicação da revelia sem consideração de tais argumentos apresenta-se como indevida e incorreta. A r. sentença deve ser anulada, portanto, para que o feito seja devidamente instruído, produzindo-se as provas pedidas ou, quando menos, para que os argumentos de mérito esgrimidos pela requerida sejam analisados. Além disso, chamo a atenção para dois pontos importantes: a) o autor não provou que comprou outro kit; b) a requerida-recorrente provou que enviou o kit pouco tempo depois da propositura da presente (fls. 31).
Assim, pelo meu voto, dou provimento ao recurso para anular a r. sentença, afastando a decretação de revelia e determinando-se a produção de provas. Os pedidos alternativos, como reconhecimento da incompetência ou da ilegitimidade foram apreciados e afastados. O pedido de improcedência fica prejudicado ante a anulação da r. sentença e o afastamento da revelia. A questão da eventual devolução do bem será apreciada pelo Juízo de primeiro grau.
Cotia, 26 de agosto de 2005.
JOSÉ TADEU PICOLO ZANONI
Juiz de Direito
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