Direito digital ameaçado

Cortes dizem que liberdade de expressão não vale no ciberespaço

Autor

  • Omar Kaminski

    é advogado e consultor gestor do Observatório do Marco Civil da Internet membro especialista da Câmara de Segurança e Direitos do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) e diretor de Internet da Comissão de Assuntos Culturais e Propriedade Intelectual da OAB-PR.

3 de dezembro de 2001, 11h22

Em recentes decisões, duas Cortes Federais norte-americanas, de Nova Iorque e Nova Jersey, restringiram a distribuição e propagação de dados na Internet.

De acordo com o entendimento daqueles juízes, os direitos existentes no mundo real não são os mesmos que no ciberespaço.

A Corte Federal de Apelações em Nova Iorque decidiu que a distribuição de dados não infringe o direito à liberdade de expressão, previsto no “First Amendment”. Assim, qualquer dispositivo usado para cópia de um programa de computador ou cd de música, por exemplo, sem a correspondente autorização ou licença, resultaria em uma violação dos direitos autorais prevista no DMCA (“Digital Millenium Copyright Act”).

O DMCA, de 1998, é uma lei específica sobre direitos autorais digitais, e que cobre diversos aspectos desde o software até a Internet.

Segundo a notícia divulgada pelo Yahoo, o ativista cibernético Mike Godwin, autor do livro “Cyber Rights – Defending the Free Speech on the Digital Age” questiona, ao opinar sobre as decisões: “onde está o limite entre o discurso e a ação?”.

Em Nova Jersey, o pesquisador da Universidade de Princeton, Edward Felten, entre outros, afirmaram na Justiça que foram pressionados pela indústria da música para que não publicassem e divulgassem as suas pesquisas, que tratavam de falhas na tecnologia utilizada para impedir a pirataria da música digital.

O advogado das indústrias cinematográficas, autoras da ação em Nova Iorque, Charles Sims, argumenta que “há uma diferença entre escrever sobre o controle de armas e entregar uma arma a alguém”.

“O mais assustador disso tudo (decisão de Nova Iorque) é que nossa comunicação no ciberespaço foi tratada pela lei de forma diferente que a nossa comunicação no mundo real” disse Cindy Cohn, diretora jurídica da Electronic Frontier Foundation (EFF), na sexta feira, 30/11.

Em uma análise do ocorrido, o advogado especialista em Internet e editor de Direito e Tecnologia da revista Consultor Jurídico, Omar Kaminski, acredita que as decisões podem ocasionar sérias conseqüências por “limitarem o desenvolvimento e a pesquisa, à medida que impõem restrições a iniciativas como a da engenharia reversa”.

E que, em se seguindo o entendimento das duas Cortes americanas, um código-fonte violado, por exemplo, não poderia ser exposto em uma Conferência, para fins didáticos, pois tal ato seria efetivamente uma violação de direitos autorais, e não uma prerrogativa da liberdade de expressão.

O editor acentua também a diferença que há, ou melhor, que alguns querem que haja, no ato de se copiar um material objeto de direitos autorais no mundo real, e um objeto semelhante no mundo virtual. Um livro, por exemplo. “No mundo ‘real’, basta levá-lo a uma copiadora e reproduzi-lo sem controle algum. Não há fiscais ou policiais em cada copiadora. Já um ‘e-book’ possui mecanismos de proteção, e sua reprodução pode, em tese, ser mais bem controlada, inclusive pela Internet. E não só a reprodução como também a visualização do conteúdo do arquivo que contém o livro no formato digital”.

Para Kaminski, as restrições às transmissões de dados são, muitas vezes, de caráter puramente financeiro, sem que haja uma preocupação explícita com a situação dos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, que terão limitações ao acesso à informação em virtude do custo. Essas limitações aumentariam, ainda, o poder de controle do intermediário, “que pode ser o certificador digital, o editor ou o divulgador”, disse. “Eles têm um interesse na proteção do material muitas vezes maior que o autor, que apenas quer ver a sua obra divulgada para o maior número de pessoas possível”.

De acordo com o especialista, quando o autor não possui muito controle na reprodução de sua obra, principalmente na Internet, a tecnologia tenta propiciar mecanismos e dispositivos para limitar ou dificultar o acesso público e indiscriminado a esse material.

“À medida que não se tem confiança na eficácia desses dispositivos, facilmente burláveis (o Win XP era vendido em cópias piratas funcionais antes mesmo do lançamento oficial), busca-se um reforço na lei. E com isso, gera-se uma ‘força’ que conduzirá a Internet para outro caminho – o do pagamento e de uma pretensa segurança”, disse. “Pois, à medida que uma tecnologia é criada pelo homem, este também poderá alterá-la. Legal ou ilegalmente”.

No Brasil, a discussão ainda não alcançou o nível judicial, mas a Lei nº 9.610/98 afirma que:

“Art. 107. Independentemente da perda dos equipamentos utilizados, responderá por perdas e danos, nunca inferiores ao valor que resultaria da aplicação do disposto no art. 103 e seu parágrafo único, quem:

I – alterar, suprimir, modificar ou inutilizar, de qualquer maneira, dispositivos técnicos introduzidos nos exemplares das obras e produções protegidas para evitar ou restringir sua cópia;

II – alterar, suprimir ou inutilizar, de qualquer maneira, os sinais codificados destinados a restringir a comunicação ao público de obras, produções ou emissões protegidas ou a evitar a sua cópia;

III – suprimir ou alterar, sem autorização, qualquer informação sobre a gestão de direitos;

IV – distribuir, importar para distribuição, emitir, comunicar ou puser à disposição do público, sem autorização, obras, interpretações ou execuções, exemplares de interpretações fixadas em fonogramas e emissões, sabendo que a informação sobre a gestão de direitos, sinais codificados e dispositivos técnicos foram suprimidos ou alterados sem autorização”.

Veja a notícia sobre as decisões, em inglês.

Autores

  • é advogado, diretor de Internet do Instituto Brasileiro de Política e Direito da Informática (IBDI) e membro suplente do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br).

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