Indústria de remédios

Políticas para garantir acesso aos medicamentos no país

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14 de março de 2008, 11h15

A Constituição Brasileira de 1988 simboliza o marco jurídico da transição democrática e da institucionalização dos direitos humanos no país. O texto constitucional demarca a ruptura com o regime autoritário militar instalado em 1964, refletindo o consenso democrático “pós -ditadura”. Após vinte e um anos de regime autoritário, objetiva a Constituição resgatar o Estado de Direito, a separação dos poderes, a Federação, a Democracia e os direitos fundamentais, à luz do princípio da dignidade humana. O valor da dignidade da pessoa humana, como fundamento do Estado Democrático de Direito (1º artigo, III da Constituição), impõe-se como núcleo básico e informador de todo ordenamento jurídico, como critério e parâmetro de valoração a orientar a interpretação do sistema constitucional.

O preâmbulo da Constituição Federal estabelece a instituição do Estado Democrático, o qual “destina-se a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais”, assim como o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça social. O artigo 3º estabelece como objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil uma sociedade justa, solidária, a garantia ao desenvolvimento nacional, erradicação da pobreza, redução das desigualdades regionais e a promoção do bem de todos.

Introduz a Carta de 1988 um avanço extraordinário na consolidação dos direitos e garantias fundamentais, situando-se como o documento mais avançado, abrangente e pormenorizado sobre a matéria, na história constitucional do país. É a primeira Constituição brasileira a iniciar com capítulos dedicados aos direitos e garantias, para, então, tratar do Estado, de sua organização e do exercício dos poderes. Ineditamente, os direitos e garantias individuais são elevados a cláusulas pétreas, passando a compor o núcleo material intangível da Constituição (artigo 60, 4º parágrafo). Há a previsão de novos direitos e garantias constitucionais, bem como o reconhecimento da titularidade coletiva de direitos, com alusão à legitimidade de sindicatos, associações e entidades de classe para a defesa de direitos.

De todas as Constituições brasileiras, foi a Carta de 1988 a que mais assegurou a participação popular em seu processo de elaboração, a partir do recebimento de elevado número de emendas populares. É, assim, a Constituição que apresenta o maior grau de legitimidade popular.

A Constituição de 1988 acolhe a idéia da universalidade dos direitos humanos, na medida em que consagra o valor da dignidade humana, como princípio fundamental do constitucionalismo inaugurado em 1988. O texto constitucional ainda realça que os direitos humanos são temas do legítimo interesse da comunidade internacional, ao ineditamente prever, dentre os princípios a reger o Brasil nas relações internacionais, o princípio da prevalência dos direitos humanos. Trata-se, ademais, da primeira Constituição Brasileira a incluir os direitos internacionais no elenco dos direitos constitucionalmente garantidos.

Quanto à indivisibilidade dos direitos humanos, há que se enfatizar que a Carta de 1988 é a primeira Constituição que integra ao elenco dos direitos fundamentais, os direitos sociais e econômicos, que nas Cartas anteriores restavam pulverizados no capítulo pertinente à ordem econômica e social. Observe-se que, no Direito brasileiro, desde 1934, as Constituições passaram a incorporar os direitos sociais e econômicos. Contudo, a Constituição de 1988 é a primeira a afirmar que os direitos sociais são direitos fundamentais, tendo aplicabilidade imediata.

Nesse passo, a Constituição de 1988, além de estabelecer no 6º artigo que a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados são direitos sociais, ainda apresenta uma ordem social com um amplo universo de normas que enunciam programas, tarefas, diretrizes e fins a serem perseguidos pelo estado e pela sociedade.

A título de exemplo, destacam-se dispositivos constitucionais constantes da ordem social, que fixam, como direitos de todos e deveres do Estado, a saúde (artigo 196), a educação (artigo 205), as práticas desportivas (artigo 217), dentre outros. Nos termos do artigo 196, a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação[1].

Para os direitos sociais à saúde e à educação, a Constituição disciplina uma dotação orçamentária específica[2], adicionando a possibilidade de intervenção federal nos estados em que não houver a observância da aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde (artigo 34, VII, e).


A ordem constitucional de 1988 acabou por alargar as tarefas do estado, incorporando fins econômico-sociais positivamente vinculantes das instâncias de regulação jurídica. A política deixa de ser concebida como um domínio juridicamente livre e constitucionalmente desvinculado. Os domínios da política passam a sofrer limites, mas também imposições,

por meio de um projeto material vinculativo. Surge verdadeira configuração normativa da atividade política. Como afirma J.J.Gomes Canotilho: “A Constituição tem sempre como tarefa a realidade: juridificar constitucionalmente esta tarefa ou abandoná-la à política, é o grande desafio. Todas as Constituições pretendem, implícita ou explicitamente, conformar o político."[3]

Cabe ainda mencionar que a Carta de 1988, no intuito de proteger maximamente os direitos fundamentais, consagra dentre as cláusulas pétreas, a cláusula “direitos e garantias individuais”. Considerando a universalidade e a indivisibilidade dos direitos humanos, a cláusula de proibição do retrocesso social[4], o valor da dignidade humana e demais princípios fundamentais da Carta de 1988, conclui-se que esta cláusula alcança os direitos sociais. Para Paulo Bonavides: ”os direitos sociais não são apenas justiciáveis, mas são providos, no ordenamento constitucional da garantia da suprema rigidez do parágrafo 4o do art.60.”[5] São, portanto, direitos intangíveis, direitos irredutíveis, de forma que tanto a lei ordinária, como a emenda à Constituição que afetarem, abolirem ou suprimirem os direitos sociais, padecerão do vício de inconstitucionalidade.

Reitere-se que os direitos fundamentais são os indicados no Título II compreendendo os direitos e deveres individuais e coletivos, direitos sociais, nacionalidade, direitos políticos e partidos políticos. O acesso a medicamentos, decorrente do direito à saúde, encontra-se no 6º artigo, portanto, direito fundamental, por conseguinte, deve ser aplicado imediatamente, conforme estabelece o 1º parágrafo do artigo 5º. [6] Vale dizer, aplica-se ao direito à saúde o regime jurídico dos direitos fundamentais. Tem-se, ainda, a saúde detalhada no artigo 196 [7] do Título VIII – Da Ordem Social, em que este dispositivo operacionaliza o direito à saúde indicado no artigo 6º. Do texto depreende-se que a saúde condiciona-se a políticas sociais e econômicas e da sua promoção, proteção e recuperação pelo Estado.

O artigo 196 e seguintes demonstram a importância maior que possui a saúde na qualidade de direito que é condição mesma para o exercício de outros direitos. Daí a necessidade de ser ela protegida de forma prioritariamente preventiva. Mas, em decorrência do 6º artigo, quando requerida, deve ser prestada imediatamente.

É com a Constituição que se criou o Sistema Único de Saúde, que deve primar pela saúde preventiva e pelo seu fornecimento universal. Da leitura dos artigos 196 a 200, têm-se a enumeração, não taxativa, das atividades do Estado frente à saúde e percebe-se que são condutas a serem executadas no tempo com o emprego de orçamento progressivo e solidário entre os entes estatais. Outro não poderia ser o entendimento analisando-se sistematicamente o artigo 170, o qual se encontra no Título VII – Da Ordem Econômica e Financeira e refere-se aos princípios gerais da atividade econômica. A ordem econômica, em que pese o enfoque econômico, tem como finalidade assegurar existência digna, consoante os ditames da justiça social.

Dentro desta contextualização, o artigo 200 [8] estabelece a participação do Estado junto à ordem econômica, pelo Sistema Único de Saúde, na produção de medicamentos e incremento, em sua área de atuação estatal, do desenvolvimento científico e tecnológico.

Da análise constitucional percebe-se a necessária conjugação dos dispositivos, bem como o reconhecimento da atuação preventiva estatal, não apenas no fornecimento de medicamentos, mas também na interferência da ordem econômica voltada ao desenvolvimento. Este direito humano é propulsor de outros direitos humanos, assim corresponde a elemento essencial para o exercício da vida digna.

Adicione-se que, desde o processo de democratização do país e em particular a partir da Constituição Federal de 1988, os mais importantes tratados internacionais de proteção dos direitos humanos foram ratificados pelo Brasil, destacando-se, no âmbito dos direitos sociais e econômicos, a ratificação do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais em 1992 e do Protocolo de San Salvador em matéria de direitos econômicos, sociais e culturais, em 1996.


Além dos significativos avanços decorrentes da incorporação, pelo Estado Brasileiro, da normatividade internacional de proteção dos direitos humanos, o pós-1988 apresenta a mais vasta produção normativa de direitos humanos de toda a história legislativa brasileira. A maior parte das normas de proteção aos direitos humanos foi elaborada após a Constituição de 1988, em sua decorrência e sob a sua inspiração. A Constituição Federal de 1988 celebra, deste modo, a reinvenção do marco jurídico normativo brasileiro no campo da proteção dos direitos humanos, em especial dos direitos sociais.

À luz do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e do Protocolo de San Salvador, os direitos sociais estão condicionados à atuação do Estado, que deve adotar todas as medidas, tanto por esforço próprio como pela assistência e cooperação internacionais[9], principalmente nos planos econômicos e técnicos, até o máximo de seus recursos disponíveis, com vistas a alcançar progressivamente a completa realização desses direitos (2º artigo, 1º parágrafo do Pacto).

O Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, em sua Recomendação Geral 3[10], a respeito da natureza das obrigações estatais concernentes ao 2º artigo, 1º parágrafo do Pacto, afirmou que se a expressão “realização progressiva” constitui um reconhecimento do fato de que a plena realização dos direitos sociais, econômicos e culturais não pode ser alcançada em um curto período de tempo, esta expressão deve ser interpretada à luz de seu objetivo central, que é estabelecer claras obrigações aos estados-partes, no sentido de adotarem medidas, tão rapidamente quanto possível, para a realização destes direitos. Vale dizer, essas medidas devem ser deliberadas, concretas e focadas o mais claramente possível em direção à satisfação das obrigações contidas no Pacto. Há um “minimum core obligation”[11] concernente aos direitos econômicos, sociais e culturais a ser implementado pelos Estados, na medida em que devem assegurar o núcleo essencial destes direitos.[12]

Cabe ainda realçar que tanto os direitos sociais, como os direitos civis e políticos demandam do Estado prestações positivas e negativas, sendo equivocada e simplista a visão de que os direitos sociais só demandariam prestações positivas, enquanto que os direitos civis e políticos demandariam prestações negativas, ou a mera abstenção estatal. A título de exemplo, cabe indagar qual o custo do aparato de segurança, mediante o qual se assegura direitos civis clássicos, como os direitos à liberdade e à propriedade, ou ainda qual o custo do aparato eleitoral, que viabiliza os direitos políticos, ou, do aparato de justiça, que garante o direito ao acesso ao Judiciário. Isto é, os direitos civis e políticos não se restringem a demandar a mera omissão estatal, já que a sua implementação requer políticas públicas direcionadas, que contemplam também um custo.

Além da avaliação crítica acerca do “custo” dos direitos sociais (que, como visto, também impõe-se quanto aos direitos civis e políticos), é também essencial endossar a chamada “aplicação progressiva” dos direitos econômicos, sociais e culturais, de forma a extrair seus efeitos. Cabe reafirmar que o Pacto dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais estabelece a obrigação dos estados em reconhecer e progressivamente implementar os direitos nele enunciados, utilizando o máximo dos recursos disponíveis.

Como afirma David Trubek: “Os direitos sociais, enquanto social implicam a visão de que o Governo tem a obrigação de garantir adequadamente tais condições para todos os indivíduos. A idéia de que o welfare é uma construção social e de que as condições de welfare são em parte uma responsabilidade governamental, repousa nos direitos enumerados pelos diversos instrumentos internacionais, em especial pelo Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Ela também expressa o que é universal neste campo, na medida em que se trata de uma idéia acolhida por quase todas as nações do mundo, ainda que exista uma grande discórdia acerca do escopo apropriado da ação e responsabilidade governamental, e da forma pela qual o social welfare pode ser alcançado em específicos sistemas econômicos e políticos.”[13]

Da aplicação progressiva dos econômicos, sociais e culturais resulta a cláusula de proibição do retrocesso social em matéria de direitos sociais. Para J.J. Gomes Canotilho: “O princípio da proibição do retrocesso social pode formular-se assim: o núcleo essencial dos direitos sociais, já realizado e efetivado através de medidas legislativas, deve considerar-se constitucionalmente garantido, sendo inconstitucionais quaisquer medidas que, sem a criação de esquemas alternativos ou compensatórios, se traduzam na prática em uma anulação, revogação ou aniquilação pura e simples desse núcleo essencial. A liberdade do legislador tem como limite o núcleo essencial já realizado”[14].


Logo, em face do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, que os Estados-partes (dentre eles o Brasil), no livre e pleno excercício de sua soberania, ratificaram, há que se observar o princípio da aplicação progressiva dos direitos sociais, o que, por si só, implica no princípio da proibição do retrocesso social.

O Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, em sua Recomendação Geral 12, realça as obrigações do Estado no campo dos direitos econômicos, sociais e culturais: respeitar, proteger e implementar. Quanto à obrigação de respeitar, obsta ao Estado que viole tais direitos. No que tange à obrigação de proteger, cabe ao Estado evitar e impedir que terceiros (atores não-estatais) violem estes direitos. Finalmente, a obrigação de implementar demanda do Estado à adoção de medidas voltadas à realização destes direitos.

No que se refere especificamente ao direito à saúde e ao acesso a medicamentos, o artigo 12 do Pacto reconhece o direito de toda pessoa de desfrutar o mais elevado nível de saúde física e mental. A respeito do direito à saúde, Recomendação Geral 14 do Comitê sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais estabelece que: “1. A saúde é um direito fundamental, indispensável para o exercício de outros direitos humanos. Todo ser humano deve ter o direito a desfrutar o mais elevado nível de saúde que conduza ao aproveitamento de uma vida digna". Ademais, afirma o Comitê que o direito à saúde requer os seguintes elementos: a) disponibilidade (funcionamento satisfatório do sistema público de saúde e dos programas de saúde); b) acessibilidade (as instalações, bens e serviços de saúde devem ser acessíveis a todas as pessoas sem discriminação, dentro da jurisdição do estado-parte)[15]; c) aceitabilidade (as instalações, bens e serviços de saúde devem respeitar as etnias e culturas); e d) qualidade (as instalações, bens e serviços de saúde devem ser cientificamente apropriados e com boa qualidade).

Ressalte-se que o Brasil está entre os dez maiores mercados consumidores de medicamentos, com uma participação da ordem de 1,5% (um por cento e meio) a 2,0% (dois por centos) do volume mundial. O faturamento bruto do mercado interno foi de 9,7 bilhões de dólares em 1995, representando crescimento de 15% (quinze por cento) sobre o ano anterior. A indústria farmacêutica gerou 47.100 empregos diretos em 1996, com investimentos globais de 200 milhões de dólares no mesmo ano.

Esse setor é constituído por cerca de 480 empresas, entre produtores de medicamentos, indústrias quimiofarmacêuticas e importadores. Há aproximadamente 45 mil farmácias e 5.200 produtos, com 9.200 apresentações.

O estrato da população brasileira com renda superior a dez salários mínimos, que representa 15% do total, gera 48% do gasto em medicamentos, com o consumo médio anual de 193 dólares per capita. O estrato com renda entre 4 a 10 salários mínimos corresponde a 34% da população e gera 36% do gasto, com o consumo médio anual de 64 dólares per capita. Os 51% restantes da população, que possuem renda entre 0 e 4 salários mínimos, geram 16% (dezesseis por cento) do gasto e consomem, em média anual, 19 dólares per capita. Portanto, o setor de fármacos além de ser essencial corresponde também a mercado consumidor de grande valia para o Brasil. [16] Por isto a necessidade de se proteger o acesso a medicamentos conjugado com a proteção do direito as patentes farmacêuticas.

<b>O direito à concessão de patentes farmacêuticas</b>

Por meio da Convenção de Estocolmo, que complementou os trabalhos das Uniões da Convenção de Paris, a Organização Mundial da Propriedade Intelectual foi criada, no âmbito da ONU, como uma de suas agências especializadas para assuntos da propriedade intelectual. Esta especificação ocorreu em decorrência da importância que assumiu a criação intelectual, dentro do gênero propriedade, para o comércio internacional e para o desenvolvimento sustentável.

A OMPI oferece enfoque humano à propriedade intelectual, buscando harmonizá-la com os interesses econômicos internacionais, dentre eles os da Organização Mundial do Comércio. Realizou a unificação dos direitos da propriedade intellectual, encerrando a dicotomia entre direitos dos inventores e dos autores e valorizando a propriedade intelectual como gênero.

Corresponde ao organismo de maior relevância para a promoção e defesa da propriedade intelectual, principalmente para temas relacionados aos países em desenvolvimento e de menor desenvolvimento relativo. Isto porque desde 1962, a ONU, por meio da Resolução sobre Propriedade Industrial, reconhece que as patentes farmacêuticas são essenciais para o desenvolvimento econômico e social. [17]


Representa, a OMPI, o palco das controvérsias que envolvem os países desenvolvidos e os em desenvolvimento, eis que para aqueles a importância do discurso da propriedade intelectual é quanto à sua efetivação junto aos signatários; enquanto que para os países em desenvolvimento o que importa são as medidas adotadas no âmbito internacional e sua influência junto ao desenvolvimento social. Esta discussão remonta à relação entre a concepção pública e privada. Ocorre que esta análise deve ser feita de forma sistêmica e admitindo-se a inter-relação entre as duas esferas, as quais não possuem condições de serem analisadas separadamente, ao menos quando diz respeito à relação entre concessão de patentes farmacêuticas e acesso a medicamentos.

Em 22 de dezembro de 1995, a OMPI celebrou acordo com a OMC, o qual formalizou a relação de apoio mútuo. Um dos destaques é a forma como estará disponível a legislação de cada país signatário da OMPI aos membros da OMC e o apoio técnico-jurídico entre as organizações. O fundamento da colaboração é a inter-relação, em que esta tem por motivação o princípio da solidariedade.

Por sua vez, o Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio – TRIPS, vinculado a OMC, é composto por normas substantivas, de procedimentos e de resultados. As normas substantivas são os padrões mínimos de proteção que devem servir de parâmetro aos signatários para a proteção do direito as patentes farmacêuticas; as de procedimento são as que instrumentalizam as primeiras, ou seja, correspondem as normas nacionais referentes à proteção do direito à concessão de patente, que devem ter as substantivas como objeto de observação. E as normas de resultado são as que determinam a compensação ao titular da patente farmacêutica diante da afronta ao direito de uso exclusivo, como indenização. [18]

Estabelece o TRIPS, quanto à proteção dos direitos de propriedade intelectual, no artigo 7º que “A proteção e a aplicação de normas de proteção dos direitos de propriedade intelectual devem contribuir para a promoção da inovação tecnológica e para a transferência e difusão de tecnologia, em benefício mútuo de produtores e usuários de conhecimento tecnológico e de uma forma conducente ao bem-estar social e econômico e a um equilíbrio entre direitos e obrigações”.

Os Estados signatários comprometem-se a usar a inovação tecnológica para o fomento do direito da propriedade intelectual, para a transferência de tecnologia e para o incremento do bem-estar social e econômico. Observe-se que uma vez mais o aspecto social acompanha ou é acompanhado pelo econômico. Isto acontece em decorrência da necessária análise sistêmica e pela inter-relação entre os temas.

No item 2, do artigo 8º, faz-se relação entre o direito as patentes farmacêuticas e o da saúde pública em que “desde que compatíveis com o disposto neste Acordo, poderão ser necessárias medidas apropriadas para evitar o abuso dos direitos de propriedade intelectual por seus titulares ou para evitar o recurso a práticas que limitem de maneira injustificável o comércio ou que afetem adversamente a transferência de tecnologia”.

Tem-se neste dispositivo exatamente a inter-relação dos temas. Não se trata de uso razoável ou ponderável entre os direitos, mas sim de uso do direito de propriedade condicionado ao atendimento do interesse social, que é o acesso a medicamentos.

É possível a concessão de patente farmacêutica sobre “qualquer invenção, de produto ou de processo, em todos os setores tecnológicos, desde que seja nova, envolva um passo inventivo e seja passível de aplicação industrial”. [19] Não é necessário que tenha aplicação mercadológica, basta ser possível a comercialização.

As patentes farmacêuticas, com fundamento no princípio de não-discriminação, devem estar disponíveis no local de invenção, no setor tecnológico e independente do objeto da invenção ser importado ou produzido localmente. [20] Trata-se de uma proteção ampla e necessária, caso contrário, a simples alegação de que o uso estaria destinado a um outro segmento, por mais semelhante que o do setor originário, justificaria a quebra do direito à exclusividade. Exceções podem ser estabelecidas ao direito pelos países em relação a métodos diagnósticos, terapêuticos e cirúrgicos para o tratamento de seres humanos ou de animais e plantas e animais.

A patente farmacêutica concede ao titular direito exclusivo sobre a inovação que afasta o uso não autorizado por terceiros. O titular adquire poder para ceder ou transferir por sucessão e realizar contratos de licenciamento. [21] O direito à exclusividade apenas poderá ser exercido após ser registrado e após a devida divulgação da invenção. [22] Mas a exclusividade está condicionada ao não confronto com a exploração normal, não prejuízo aos interesses do legítimo titular e não prejuízo, de forma não razoável, aos interesses legítimos de terceiros. [23]


A devida divulgação da invenção compreende o princípio da publicidade e da transparência, o qual obriga o inventor expor, em detalhes, a invenção, quando do registro. É desta forma que obtém o direito à proteção, conseqüentemente à exclusividade. As informações confidenciais, desde que justificadas, podem ser salvaguardadas pela não divulgação. Contudo, o direito à proteção das informações não divulgadas não é absoluto, estando, também, condicionado aos interesses sociais, com destaque para a produção de genéricos.

Na atualidadade, o elemento que enfraquece da eficácia do TRIPS são os acordos firmados fora do âmbito da OMC. Estes acordos, conhecidos como TRIPS-plus, normalmente por iniciativa dos Estados Unidos, elevam a proteção da propriedade intelectual, dificultando o acesso a medicamentos junto aos Estados signatários.

Ocorre que os países signatários dos TRIPS-plus devem reconhecer que no âmbito interno, diante mesmo da proteção firmada, na ordem internacional, por outros tratados e declarações, permanecem responsáveis pelo acesso a medicamentos, eis que espécie do direito à saúde. A responsabilidade é mais extensa diante do compromisso que possuem com o desenvolvimento de suas sociedades.

No Brasil, a propriedade intelectual, especificamente, a concessão de patentes farmacêuticas, mantém a proteção até então concedida pela ordem internacional, inclusive com a condicionante do cumprimento da função social, mas com as diretrizes de uma constituição tipicamente social ou cidadã e sob a influência da construção internacional.

Os incisos XXII, XXIII e XXIV, do 5º artigo, estabelecem que é garantido o direito de propriedade, condicionado à função social, em que a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou interesse social, mediante justa e prévia indenização, nos casos em que a função social for desrespeitada. Este direito está consubstanciado no uso, fruição, disposição do bem, cujo direito pode ser oponível a todos. [24]

O 5º artigo compõe o Título II que trata dos direitos e garantias fundamentais, portanto, a disciplina da propriedade é alcançada pelo 1º parágrafo, o qual determina que esses direitos têm aplicação imediata. Isso quer dizer que o direito de propriedade deve ser garantido de forma preventiva e judicial. Programas e orçamento devem ser destinados ao tema, entretanto sob o enfoque preventivo, no sentido de que apenas a função social condiciona o direito de propriedade.

Existe a inter-relação da propriedade com a ordem econômica, mesmo porque corresponde ela a um dos elementos para a consecução do desenvolvimento sustentável. É por isto que o artigo 170, no inciso II estabelece que a busca da dignidade e da justiça social deverá observar a propriedade privada. Desse modo, fica claro que o único limitador ao direito de propriedade é o cumprimento da função social.

O artigo 218 estabelece a necessária importância do desenvolvimento da ciência e da tecnologia, as quais são indissociáveis da concepção de propriedade intelectual. Quando esses dispositivos determinam que é obrigação do Estado “o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológica”, está-se dizendo que ao ente estatal é importante a valorização do conhecimento intelectual.

O parágrafo 4º estabelece, em decorrência dessa relevância ao desenvolvimento, que “A lei apoiará e estimulará as empresas que invistam em pesquisa, criação de tecnologia adequada ao País, formação e aperfeiçoamento de seus recursos humanos e que pratiquem sistemas de remuneração que assegurem ao empregado, desvinculado do salário, participação nos ganhos econômicos resultantes da produtividade de seu trabalho”.

Os direitos à propriedade intelectual e à saúde voltam-se para a consecução de outros direitos fundamentais, inclusive para o desenvolvimento sustentável, que se exterioriza, como em um movimento cíclico, ao desenvolvimento científico e tecnológico.

Esta sistematização constitucional demonstra que a propriedade, por meio de sua espécie para a concessão de patente farmacêutica, recebe tratamento preventivo, incidental, humano e econômico. Cabendo ao Poder Judiciário e, primeiro, ao ente estatal, oferecer a adequada harmonização entre estes direitos.

<b>O uso dos acordos trips-plus para o enfraquecimento do acesso a medicamentos</b>

O Acordo TRIPS estabelece um patamar mínimo de proteção ao direito as patentes farmacêuticas, o qual deve ser absorvido pelos países signatários. A incorporação promove a proteção das patentes de forma mais harmônica e permite que os países signatários atuem com maior liberdade no estabelecimento da necessária inter-relação com outros direitos inerentes as suas respectivas realidades. Dentre esses direitos tem-se o acesso a medicamentos e o desenvolvimento sustentável.


Ocorre que os Estados Unidos, com destaque, promovem o convencimento, embasado na influência e dependência econômica, dos países em desenvolvimento e de menor desenvolvimento relativo, para que firmem, de forma bilateral ou multilateral, acordos que estendam a proteção do direito as patentes farmacêuticas firmado no âmbito da OMC, através do Trips.

Estes acordos acarretam o afastamento das negociações no âmbito da OMC e da Ompi, deixando estas organizações de serem parâmetro internacional. Por outro lado, tem-se o engessamento dos países menos favorecidos economicamente, eis que diante do alargamento da proteção do direito as patentes farmacêuticas, tem-se, automaticamente, a redução da liberdade de conjugar essa proteção com temas inter-relacionados, como o acesso a medicamento.

Esta diferença de concepção altera o tratamento legislativo sobre o tema, assim como o tratamento oferecido aos direitos humanos pelos países em desenvolvimento. A diferença é perceptível porque volta-se para a redução do alcance de direitos, a qual em matéria de direitos humanos é proibida, em virtude do princípio da progressividade.

Estes acordos abrangem a proteção do direito as patentes farmacêuticas podendo determinar a extensão do prazo de uso exclusivo, conforme já ocorre entre Estados Unidos e Chile e Estados Unidos e Singapura; relação entre patentes farmacêuticas e registro de medicamentos genéricos antes da expiração do prazo de proteção, cuja proposta já tem sido utilizada pelos Estados Unidos, inclusive na ultima versão proposta para a Área de Livre Comércio das Américas – Alca; proteção dos dados para proteção do registro sanitário, em que, novamente, estende-se a proteção por meio de uma exigência administrativa, dificultando enormemente a fabricação de genéricos; e, restrições para o uso das licenças compulsórias contrariando o Trips e a Declaração de Doha.

Nesta nova conjuntura, os países desenvolvidos trabalham sob três premissas: a) buscar fóruns diversos da Ompi e da OMC para que possam criar uma nova agenda de propriedade intelectual, no sentido de extinguir as flexibilidades do Trips; b) buscar a não violação do que até então foi celebrado junto à Ompi e à OMC para evitar disputas frente ao seu sistema de solução de controvérsias, o qual contraria os interesses dos novos acordos; e c) manter a nova agenda como proteção mínima, ou seja, deslocando o patamar da proteção mínima do Trips para estes novos acordos.

Os países em desenvolvimento assumem uma dupla responsabilidade, uma vez que admitem essa forma de contratação ignorando as implicações frente ao TRIPS e frente as suas respectivas ordens nacionais, já que o efeito imediato é uma rigidez do sistema de proteção do direito as patentes farmacêuticas, o que vem a tornar ainda mais complexa a situação daqueles países frente à proteção dos direitos humanos. Importa observar que, junto ao Conselho Para TRIPS, os países em desenvolvimento combateram o aumento dos padrões de proteção para a propriedade intelectual.

A OMC já reconheceu a situação conflituosa entre os seus dispositivos e os acordos bilaterais e regionais (Trips-plus) e por isto criou em 1996 a Comissão Sobre Acordos Comerciais Regionais, a qual tem por objetivo analisar o conteúdo e esclarecer as distorções entre os diversos documentos que afetam o comércio internacional. De modo complementar, a OMPI promove debates sobre estes acordos para que os países possam se fortalecer frente a esta realidade do comércio internacional.

A sistemática dos acordos bilaterais e multilaterais, além de romper com a proteção do direito ao acesso a medicamentos, como direitos humanos, rompe com a construção da ordem internacional, a qual tem por fundamento o princípio da solidariedade. Este rompimento acarreta o descrédito aos trabalhos firmados no âmbito das organizações.

Em virtude dos acordos Trips-plus é que se questiona, com maior ênfase, se a OMC possui eficácia junto aos Estados signatários, eis que para estas a impressão que fica é a de que a OMC preocupa-se tão-somente com o comércio internacional, sendo apontada, erroneamente, como responsável pela ineficácia do acesso a medicamentos junto às ordens jurídicas nacionais. Diz-se erroneamente porque a OMC cumpre bem o seu papel de palco de negociações dos tratados em matéria de propriedade intelectual e ou concessão de patentes farmacêuticas. Inclusive, em matéria de Trips-plus, que são prejudiciais aos países em desenvolvimento e de menor desenvolvimento relativo, tem se posicionado contrariamente a esta prática.

O artigo 30, do Trips, estabelece que o uso das exceções as regras nele estabelecidas é limitado, já que não pode interferir na exploração normal de um direito sobre a concessão de patente, nem mesmo prejudicar de forma injustificada os direitos de uso exclusivo. Uma vez mais, tem-se a importância da consecução do acesso a medicamentos pelas vias normais, ou seja, pelo empreendimento de esforços nacionais, por meio do desenvolvimento progressivo e sustentável, conforme as determinações que a Constituição de 1988 estabelece.


O Trips, no artigo 31, estabelece a possibilidade de os estados signatários utilizarem-se da concessão da licença compulsória, dentre outras flexibilidades previstas. Este dispositivo apenas prevê a liberdade dos estados de assim agirem, os detalhes de ação cabem aos respectivos estados, os quais possuem liberdade legislativa de estabelecerem os elementos permissivos para a concessão da licença compulsória.

Diante desta liberdade legislativa, principalmente para a conceituação do que é ordem pública e interesse nacional, o Brasil, por meio da Lei de Propriedade Industrial em seu artigo 68 e seguintes, regulamentou a licença compulsória. Esta pode ser acionada quando o titular da concessão da patente a utilizar abusivamente ou em desrespeito a ordem econômica nacional; quando o objeto da concessão não estiver sendo explorado; ou quando não cumprir com as necessidades do mercado específico.

A licença compulsória depende de decisão administrativa ou judicial devidamente fundamentada e só pode ser expedida depois de não lograr êxito em acordo com a parte contrária, sendo por tempo determinado, ou seja, até que a situação de exceção seja satisfeita.

Em que pese a possibilidade legislativa, infelizmente, o Brasil não possui a prática de licenças compulsórias. Na verdade, a prática é utilizada com intensidade por países desenvolvidos, como Estados Unidos e Canadá para regular o preço dos medicamentos. No Canadá, por exemplo, entre 1969 e 1983, foram decretadas cerca de vinte licenças compulsórias, o que, por certo, contribuiu para a fabricação de medicamentos genéricos no âmbito nacional e para o seu barateamento.

A licença compulsória presta-se, portanto, a reduzir preço de medicamentos, acesso a medicamentos por necessitados em nome do interesse público nacional e, inclusive, em um gral mais elevado, a produção de medicamentos genéricos.

O artigo 31 do Trips, quanto as licenças compulsórias [25], estabelece procedimentos para a sua concessão e requisitos mínimos que devem ser atendidos: cada licença deverá ser considerada com base em seu mérito individual; deve haver negociação prévia com o detentor de patente farmacêutica para uma licença comercial justa, exceto em casos de emergência nacional, extrema urgência ou uso público não comercial; o detentor de patente farmacêutica terá direito à remuneração; deve ser concedida para atendimento do mercado local [26]; não deve ser exclusiva; deve estar disponível nacionalmente a possibilidade de revisão da concessão e das condições de remuneração e nacionalmente o prazo de proteção é de no mínimo vinte anos a contar do depósito.

Reafirmando a importância das licenças compulsórias, a Declaração de Doha, no parágrafo IV, dispõe que cada Membro tem o direito de concedê-las; e tem a liberdade de determinar as razões para tal concessão.

A importação paralela corresponde à entrada de um medicamento, por meio de importação, em um país, que não é o do seu titular e nem o do seu licenciador. Para a sua realização, faz-se necessária a harmonização do direito à livre circulação de mercadoria com o direito à proteção da propriedade intelectual; novamente a conjugação de interesse público e privado, demonstrando a complexidade do tema. Ocorre que esta harmonia deve considerar também a proteção ao acesso a medicamentos; e assim, o atendimento à função social da propriedade.

Observe-se que a importação objetiva o acesso a medicamentos mais baratos ou não comercializados em uma determinada localidade. E estes objetivos estão vinculados à necessidade de uso dos medicamentos, os quais minimamente estão vinculados ao atendimento de uma necessidade médica. Novamente pela análise sistêmica, tem-se o artigo 27.1 do Trips que estabelece que as patentes farmacêuticas vão estar disponíveis e os direitos patentários serão usufruídos sem discriminação quanto ao local de invenção, quanto ao seu teor tecnológico e quanto ao fato dos bens serem importados ou produzidos localmente.

Fundamenta-se no regime de exaustão internacional dos direitos de patente farmacêutica. A conseqüência maior é que um terceiro país (sem autorização) pode importar o medicamento de um país que já o importa com autorização. A verificação da legalidade da operação depende do regime de exaustão. Em sendo do tipo nacional, o direito de exclusividade cessa com a primeira venda no mercado nacional importador, podendo, por conseguinte, impedir importações sem autorização por outros países. Por sua vez, se for do tipo internacional, cessa a exclusividade com a venda em qualquer país, sendo, inclusive, permitida a importação paralela.

A Lei de Propriedade Industrial nacional, através do 4º parágrafo, do artigo 68, legislou a possibilidade da importação paralela, para a qual: “De um lado, portanto, o titular pode impedir a importação do produto patenteado ou do produto obtido [diretamente] por processo patenteado. De outro, a exaustão de direitos apenas ocorre com relação ao produto colocado no mercado interno. Conseqüentemente, o titular tem o direito de impedir que um terceiro faça a importação não autorizada de um produto, mesmo se o produto foi colocado pelo titular ou com seu consentimento no mercado externo. Ou seja, o titular tem o direito de impedir a importação paralela. Contudo, esse direito pode ser exercido apenas na esfera civil, uma vez que o artigo 184 exclui expressamente a importação paralela do rol dos crimes contra as patentes”. [27]


O Trips como parâmetro de proteção mínimo é omisso quanto à exaustão internacional, o que deixa depreender que cabe à ordem jurídica nacional a sua elaboração legislativa. [28]

Aproveitando-se do esclarecimento entre os conceitos, oportuno o questionamento: pode a exaustão de direito internacional ser utilizada para as patentes farmacêuticas ou estaria restrita a outras espécies da propriedade intelectual como as marcas?

Não há diferenças que justifiquem o uso por uma ou outra espécie apenas dos direitos da propriedade intelectual, mesmo porque possuem proteção legislativa nacional e o mesmo parâmetro protetivo mínimo da ordem internacional, que é o TRIPS. Além do que, a proteção de um direito humano deve ser feita de forma complementar e progressiva, sendo impossível a interpretação restritiva. Em não existindo tratado ou norma que, de forma justificável, restrinja o uso da exaustão de direito internacional, não cabe à interpretação a função limitadora. Ora, o Trips é absolutamente favorável, dentro de seus objetivos, à proteção dos direitos humanos por meio do comércio internacional, então, a ele não pode ser auferido o objetivo de restringir estes direitos.

A exaustão internacional é complementada pela importação paralela de um medicamento patenteado que seja vendido por preço mais favorável em outros países, uma vez que se justifica pela possibilidade daquela. Portanto, em sendo negado para as patentes farmacêuticas a exaustão de direitos internacionais, nega-se também uma outra regra do Trips. Assim, a análise sistêmica do TRIPS oferece resposta afirmativa ao questionamento.

Organizações sem fins lucrativos realizam, no Quênia, a importação de versões genéricas de medicamentos antiretrovirais protegidos pelo direito patentário, os quais são importados da Índia. Referida importação não afronta o TRIPS e nem a Declaração de Doha, além do que, atende as condicionantes de qualidade, segurança e eficácia. [29]

A importação paralela, a licença compulsória e também a exaustão de direitos são elementos que permitem ou facilitam o acesso a medicamentos, na tentativa de restabelecer o estado ideal da saúde pública. São elementos com origem na ordem internacional que foram incorporados pela ordem jurídica nacional, dentre outras. Diz-se restabelecer porque não equivalem a uma construção voltada à realização do direito ao acesso a medicamentos, mas sim, para, diante de uma situação sui generis, devolver à sociedade a saúde a que tem direito.

Estes são validados pelo artigo 29 do TRIPS. Este dispositivo exige que os depositantes, da fórmula ou do processo, o façam de forma suficiente para que outros países possam fazer uso do conhecimento, transcorrido o prazo de exclusividade ou de forma antecipada, obedecidas as condicionantes legais. Esta sistemática faz-se necessária, primeiro para que os órgãos de registro tenham condições de proteger, com bases nas informações, a saúde pública; por outro lado, para que ocorra a produção de genéricos, quando necessária e possível.

Constatou-se, anteriormente, a necessidade de um mínimo desenvolvimento orçamentário e científico para que as flexibilidades do Trips fossem utilizadas para o restabelecimento da saúde pública. Em sede de produção de genéricos, a necessidade permanece, mas de forma mais pontual, já que, em que pesem as vantagens próprias, insuperável a pesquisa e o desenvolvimento do medicamento genérico.

Além dessas preliminares, para a produção de genéricos, tem-se uma nova necessidade, no âmbito nacional, que é o eficaz funcionamento dos órgãos administrativos que colaborem com o acesso a medicamentos e com a proteção dos direitos as patentes farmacêuticas. Sem o condizente funcionamento das esferas administrativas dificuldades surgem para a proteção ou mesmo divulgação das informações registradas sobre o medicamento (artigo 30 do Trips – exceção Bolar).

Esta previsão do TRIPS permite a realização e preparo dos meios necessários para a fabricação de genéricos de forma mais célere. Caso contrário, apenas após a expiração do prazo de exclusividade, é que os trabalhos poderiam ser iniciados, acarretando um maior custo e um prolongamento da fabricação e comercialização dessa espécie de fármaco.

A proposta é uma alternativa, mas não a única, visto ser necessário que os próprios países necessitados promovam ações, na esfera política, de forma programática, progressiva e sustentável, para a garantia do acesso a medicamentos ou para a satisfação do direito à saúde, nos termos das respectivas ordens econômicas.

O processo de pesquisa e fabricação de um genérico chama-se engenharia reversa, no qual inicia-se da descoberta ou fórmula para a fabricação. O medicamento genérico é importante também para os países desenvolvidos, eis que também estes buscam o melhoramento no padrão de vida. Trata-se de um mercado muito mais fácil, pois não precisa de todo o gasto, pessoal e tempo com pesquisa; tem um retorno mais célere do que a tentativa de desenvolvimento de um novo medicamento, o qual demora cinco, dez ou quinze anos para ser desenvolvido. Cria fluxo de caixa para a empresa, com o qual ela poderá, mais tarde, apoiar pesquisa e desenvolvimento. Representa, portanto, um primeiro passo para se adentrar no promissor mundo da pesquisa e desenvolvimento de fármacos.


Em 2005, conforme dados da Eurofarma [30], os medicamentos genéricos abasteciam o mercado brasileiro em aproximadamente 7% (sete por cento), sendo que a previsão para 2007 era de 15% (quinze por cento). Um ou outro percentual é muito pequeno diante das possibilidades de mercado, bem como frente às necessidades e frente à existência de um mercado consumidor vastíssimo. Ainda assim, a mesma pesquisa demonstra que o percentual também não é elevado em países desenvolvidos como Alemanha, Estados Unidos e Reino Unido, em que as previsões para 2007 não devem ultrapassar os 25% (vinte por cento).

Os medicamentos genéricos correspondem, então, a ativo mercadológico não apenas para países em desenvolvimento ou de menor desenvolvimento relativo. Também não possuem apenas valor mercadológico, eis que facilitam e proporcionam o acesso a medicamentos, através de políticas públicas preventivas. No final da década de 90, o mercado mundial para produtos fármacos estava estimado em 170 bilhões de dólares ao ano, em que o Brasil correspondia ao nono mercado consumidor, com uma estimativa de consumo anual em 3 bilhões de dólares [31].

Uma outra característica do setor no Brasil é que as indústrias nacionais trabalham quase que exclusivamente com a formulação farmacêutica, terceirizando, por conta da incapacidade financeira e científica, a aquisição de matéria-prima, bem como a pesquisa. Essa situação fica mais clara quando se constata que o faturamento das multinacionais chega a 80% (oitenta por cento).

Uma primeira tentativa governamental para a redução da dependência nacional, bem como a tentativa de explorar o mercado de fármacos, teve início na década de 60 com a proposta de criação de uma sociedade por ações – Farmoquímica Brasileira S/A (Farmobrás), a qual não saiu do projeto.

Em 1976, é criada a Companhia de Desenvolvimento Tecnológico, empresa privada para o exercício de atividades do interesse estatal, a qual em 1984, prioriza o desenvolvimento de processos na área de síntese/química de fármacos.

A Organização Mundial da Saúde normalmente vincula o uso dos genéricos aos medicamentos essenciais, em que os países, no mínimo, devem promover a fabricação dos medicamentos que são essenciais, no sentido de que o acesso seria facilitado em decorrência da redução dos preços. Contudo, essa espécie de medicamento pode atender a toda e qualquer necessidade e classe social. Outro dado sobre o qual a OMS trabalha é a constatação, nos países da América Latina, de que 30% (trinta por cento) dos gastos em saúde é para a aquisição de medicamentos.

A título comparativo, nos Estados Unidos, em 1984, com a promulgação do Drug Price Competition and Patent Term Restoration Act, estendeu-se a proteção sobre patentes aos medicamentos inovadores; criou-se também procedimento mais facilitado para o registro de genéricos.

Na Dinamarca, os genéricos correspondem a 50%do mercado, nos Países Baixos a 40%. No Brasil, em 2002, conforme dados da Anvisa [32], de 2.246 apresentações de consulta, 684 foram registradas.

Em 6 de abril de 1993, com o Decreto 793, o Ministério da Saúde brasileiro apresentou avanços no que diz respeito ao acesso aos medicamentos, por meio dos genéricos e por meio do fracionamento das embalagens de medicamentos, já que “determina o destaque à denominação genérica dos medicamentos em relação aos nomes de marca; 2. determina também a prescrição pela denominação genérica, ao mesmo tempo em que não proíbe a utilização das marcas de fantasia; 3. obriga a presença do farmacêutico nas farmácias, o que vem apenas reiterar legislação já existente no Brasil, além de ser prática rotineira na maioria dos países;4. permite o fracionamento das embalagens de medicamentos, desde que garantidas a qualidade e eficácia terapêutica originais”. [33]

Percebe-se que estes avanços colaboram, mas não resolvem a questão do necessário desenvolvimento, pelo preconceito estabelecido pela indústria farmacêutica e pela classe médica 10% dos medicamentos comercializados são feitos sem prescrição médica) e pela falta de uma campanha esclarecedora sobre os produtos genéricos. O item 4, por exemplo, apenas veio ser regulamentado e colocado em prática no ano de 2005. Medida esta que facilitou o acesso por conta da redução do custo do medicamento para o tratamento específico.

Diante da repercussão negativa oferecida aos genéricos, quando lançados no Brasil, fez-se necessária a determinação, via Resolução 45, de 15 de maio de 2000, para que os estabelecimentos fixassem a relação de genéricos registrados pela Anvisa e que, portanto, estariam disponíveis ao consumidor. Em 21 de agosto do mesmo ano, foi publicada a Resolução 78, obrigando as empresas importadoras e produtoras de genéricos a informarem o balanço de vendas mensal.


Uma vez mais, na tentativa de facilitar a comercialização dos genéricos, por meio do Decreto 3.675, permitiu-se o registro diferenciado de genéricos já autorizados à comercialização no Canadá, Estados Unidos e Europa.

Em contrapartida, as empresas deveriam colocar o medicamento para comercialização no prazo de 45 (quarenta e cinco) dias a contar do registro. Em decorrência do tratamento desigual, que à época justificava-se, e, também por conta de distorções existentes no Decreto, tem-se, em 04 de janeiro de 2001, a publicação do Decreto 3.718, o qual passou a exigir os testes de equivalência e estudos comparativos do perfil de dissolução do medicamento genérico com o de referência nacional.

Estas últimas medidas não produziram o efeito desejado, desta forma, a Anvisa, por meio do Decreto 3.841, permitiu ao estudo da bioequivalência de produtos importados o mesmo tratamento daqueles que entrassem por meio do regime ordinário.

Para melhorar o acesso do consumidor aos genéricos, criou-se identificação visual privilegiada, com marca e denominação diferenciadas [34]

Para que o Brasil possa utilizar-se da engenharia reversa necessita de capacitação temporal, orçamentária e técnica. Reconhece-se que, em um intervalo curto de tempo, estes elementos não serão alcançados. Faz-se necessário o alcance desses através da cooperação, da solidariedade. Para tal propõe-se o uso de joint ventures, que correspondem a uma forma de cooperação decorrente da experiência do direito internacional privado.

Em decorrência do processo de globalização da economia e das necessidades inerentes do setor empresarial, têm-se as joint ventures como uma alternativa para fomentar um determinado segmento econômico. Esta espécie de contrato decorre exatamente da necessidade de cooperação para a realização de objetivos conjugados.

A cooperação é exteriorizada com a complementação de competências entre as partes envolvidas, no sentido de que a parceria firmada sana ausências ou falhas de competências e incrementa competências estabelecidas. E mais, os objetivos devem ser conjugados e não necessariamente comuns, eis que as diferenças de competências provocam a busca por objetivos diversos. Trata-se de construção do direito internacional privado.

Esta sistemática, mais comumente utilizada pela iniciativa privada, pode ser também objeto de execução por meio da entidade estatal, em parceria com laboratórios ou empresas. Ou ainda, pode a entidade estatal incentivar as joint ventures entre laboratórios e empresas nacionais ou estas com multinacionais.

A conjugação de competências, para a fabricação de medicamentos, pode ser exemplificada pela falta de competência e orçamento dos países desprestigiados frente ao orçamento disponível e ao conhecimento inovador dos países desenvolvidos. Neste caso um coopera para com o outro na fabricação, contudo, os objetivos dos primeiros países é o acesso ao medicamento, a redução de preço e a capacitação; enquanto que para os países desenvolvidos o objetivo é o lucro e o mercado consumidor.

A União Européia, ao conceder auxílio e empréstimo ao Programa Joint European Venture, esclarece que o conceito de joint venture deve ser interpretado em sentido lato, abrangendo qualquer tipo de consórcio, parceria ou empresa comum dos setores da indústria, serviços, comércio ou artesanato [35].

Exterioriza-se a cooperação por meio de um contrato, ou de uma nova empresa; através de um incentivo financeiro ou de conhecimento; nacional ou internacional; transitória ou permanente. Por se tratar de uma prática do comércio na maioria das ordenações jurídicas não existe previsão legal. Desde que a contratação não afronte a ordem pública ou o sistema jurídico, não existem impedimentos para sua utilização.

Depreende-se que correspondem à maneira mais rápida de se adquirir competências, até mesmo com o concorrente, podendo alcançar um nível profissional que o deixe ainda mais fortalecido que o próprio concorrente ao final da parceria. Normalmente, o que se quer com uma joint venture é o aprendizado que ela pode fornecer, principalmente em relação à pesquisa e desenvolvimento; além do interesse ao incremento financeiro.

A Declaração do Milênio estabelece que os países desenvolvidos devem contribuir para com os demais na assistência voltada ao desenvolvimento sustentável, acesso a medicamentos e à transferência de tecnologia. Objetiva uma cooperação duradoura (sustentável), que pode ser alcançada com a efetiva transferência de tecnologia entre os Estados. Esta transferência pode ser realizada por meio da iniciativa privada com o uso de joint ventures. Estas sanariam a deficiência financeira e de conhecimento que normalmente os países possuem e que representam o maior empecilho ao acesso a medicamentos.


Exemplo de cooperação firmada entre Estados é o caso do Brasil com o Burundi, através do Protocolo de Intenções no Âmbito de Cooperação Internacional do Ministério da Saúde do Brasil, assinado em 28 de janeiro de 2003. Referido tratado de cooperação tem por escopo a gravidade da Sida e a proteção internacional firmada à saúde pela OMS, pela OMC e pelo Trips. Interessante é que a justificativa é o reconhecimento da eficácia da cooperação em saúde como meio de diálogo político.

No mesmo sentido, a Organização dos Estados Americanos no artigo 3º da Carta firma, dentre outros, a solidariedade entre os membros principalmente para a realização da democracia, justiça, seguranças sociais, cooperação econômica, direitos fundamentais da pessoa humana e a educação dos povos americanos voltada para a justiça, à liberdade e à paz.

Na seqüência, tem-se a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, que declara que a sociedade deve contribuir para a promoção e realização dos direitos pelo atendimento das diretrizes que a própria Declaração estabelece, de forma solidária para com o Estado.

É a OEA que oferece maior atenção a necessária conjugação de esforços entre o Estado e a sociedade. Ocorre que não se deve confundir a solidariedade, que é o trabalho conjugado e a realização de interesses múltiplos, com a transferência de responsabilidades estatais à iniciativa privada. Feita esta observação tem-se também que a solidariedade proposta apenas é possível por meio da cooperação de conhecimentos.

Reconhecendo que a iniciativa privada é a detentora do conhecimento na área de fármaco, necessário que o Estado conceda benefícios, como linhas de crédito, redução da carga tributária, centros de ensino e proteção as patentes, para a cooperação com a indústria farmacêutica. Não basta a cooperação, importante que o Estado procure a sustentabilidade por meio da cooperação, promovendo o desenvolvimento de seus pesquisadores e de seus centros de pesquisa.

Em outra esfera, junto da Organização Mundial do Comércio o tema cooperação faz-se necessário através da harmonização de condutas comerciais entre União Européia, Estados Unidos e países em desenvolvimento e de menor desenvolvimento relativo. Constata-se que as dificuldades não são apenas entre Estados e indústria farmacêutica, mas também entre os próprios Estados.

Tanto é verdade que entre 10 a 14 de dezembro de 2003, realizou-se a 5ª Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio, em Cancun, na qual os Estados Unidos declararam que apenas aceitam flexibilizar o regime de patentes para o tratamento da Sida, malária e tuberculose. Esta espécie de posicionamento acaba interferindo e influenciando a conduta da iniciativa privada, dificultando o estabelecimento de cooperações.

Para a OMC a cooperação que a ordem internacional pode oferecer deve ser compreendida como complementar a esfera nacional, ou seja, os Estados não podem estar submetidos à ordem internacional para a satisfação de suas necessidades. Deve o Estado motivar que a transposição dos obstáculos seja feita em parceria ou de forma solidária com a esfera privada, já que toda a sociedade recebe os reflexos das respectivas políticas.

No âmbito da OMC, o Trips, como já mencionado, enumera as flexibilidades que permitem o atendimento dos interesses sociais, mas também estabelece a responsabilidade dos Estados no atendimento das respectivas necessidades sociais, por meio de esforços próprios ou conjuntos. Na verdade o uso das flexibilidades do Trips, como a licença compulsória ou a produção de genéricos, apenas é propiciado pela existência precedente de condições mínimas no âmbito nacional.

Esta condicionante pode ser sanada pela cooperação por meio de joint venture, ou seja, trata-se de uma proposta de longo prazo.

No Brasil, a implementação das novas formas de atuação societária produz a sustentação financeira para um novo ímpeto de crescimento, ou seja, não se fixam os benefícios apenas aos empresários, mas a toda sociedade. É possível acessar mais clientes, realizar mais negócios e conquistar posição dominante no mercado, ou pelo menos, capacidade de concorrência e maior geração de empregos. Com as joint ventures, as partes obtêm sinergias, diminuem custos e têm acesso à tecnologia de ponta, desde que decorrentes de uma justa e qualificada negociação, principalmente para os interesses dos países em desenvolvimento e de menor desenvolvimento relativo.

O Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior brasileiro deve, com uma política de incentivo, atingir setores e regiões específicas do país, promovendo assim o desenvolvimento de determinadas localidades e a desconcentração industrial. Basta criar motivação para que empresas nacionais e estrangeiras tenham interesse em investir no Brasil por meio de joint ventures com empresas, laboratórios ou entidades governamentais nacionais.


A definição da estratégia empresarial passa pela opção: em que mercado pode-se competir, no protegido pelas patentes farmacêuticas ou no dos genéricos? A melhor opção para os países em desenvolvimento e de desenvolvimento relativo é no de genéricos, aproveitando-se da competência da indústria farmacêutica na pesquisa e desenvolvimento do medicamento referencial. Isso porque corresponde à forma mais barata e rápida de se acessar o medicamento a um preço reduzido.

Uma segunda alternativa, ainda no contexto das joint ventures, é a formação de clusters, os quais correspondem a uma forma mais desenvolvida de parceria, eis que envolvem um conjunto de empresas e fornecedores na atividade. O elemento caracterizador é que o cluster compreende uma parceria em cadeia, ou seja, todos os envolvidos, por exemplo, na fabricação de um medicamento genérico, estariam em uma mesma localidade ou região, que automaticamente forneceria toda a estrutura e pessoal qualificado ao empreendimento.

Os clusters podem ser considerados um exemplo de desenvolvimento industrial, no qual empresas de pequeno e médio porte tornam-se produtores eficientes e exportadores de sucesso, ao explorar as vantagens tangíveis e intangíveis trazidas pela proximidade e concentração territorial. Exemplo comum é o das empresas automobilísticas que dependem de vários fornecedores, os quais aproveitam a necessidade da empresa de grande porte e da proximidade com outros fornecedores.

As joint ventures simplificadas já devem receber atenção especial no que diz respeito ao seu complexo jurídico, todavia, a situação torna-se ainda mais grave no âmbito de uma cadeia de cooperação. A problemática do quadro jurídico é maior ao se constituir uma nova empresa. Dois tipos de problemas se apresentam durante a organização dessa espécie de parceria: a necessidade de se diferenciar o acordo-quadro dos acordos pontuais e também com relação ao instrumento que cria a pessoa jurídica — o qual faz parte dos acordos pontuais; o risco de se confundirem ou mesmo de o acordo-quadro ser desconsiderado é enorme, em virtude da natural sobreposição de outros contratos firmados no contexto da cooperação.

Por isso, deve-se criar uma metáfora, considerando esta cooperação como se fosse um guarda-chuva: tem-se um acordo preliminar (acordo-quadro), ao qual estão vinculados todos os outros acordos (acordos pontuais, inclusive o acordo referente ao instrumento de formação da pessoa jurídica). Modificações são possíveis, desde que respeitados os limites do acordo-quadro. Com essa metáfora preserva-se o conjunto jurídico formado, bem como as razões pretendidas pelos parceiros.

O uso de joint ventures ou de clusters representa uma forma de agir preventivamente, de modo organizado e voltado ao desenvolvimento da sociedade e não apenas para o acesso a medicamentos ou a redução dos mesmos. Tem-se observado a reiterada omissão estatal e a sua completa falta de previsibilidade quanto ao acesso a medicamentos, eis que a expectativa de vida aumenta ao ano cerca de quatro meses, porém a mesma relação temporal não se observa junto as políticas para superação e previsibilidade de problemas da saúde. [36]

O acesso a medicamentos corresponde a uma questão de responsabilidade pública, eis que os Estados devem estimular o desenvolvimento de fármacos, inclusive através da proteção oferecida ao direito das patentes. Esta responsabilidade, no que diz respeito a presente temática, apenas pode ser superada a longo prazo, com o uso de políticas alternativas e eficazes para o estabelecimento, no Brasil, da pesquisa e do desenvolvimento, ao menos dos genéricos.

Para que a cooperação ocorra, é necessário o reconhecimento do Estado de que a indústria farmacêutica não é a única ou a principal responsável pelas mazelas da saúde nacional, mas sim o Estado diante de sua inércia em dispor esforços para um tema que envolve investimento de longa duração. O incentivo pode ser na área tributária, financeira ou em benefícios estruturais, como para a concretização de um cluster.

Estas sugestões, dentre outras, em virtude da relevância e urgência do tema, já que se trata de interesse social, prestam-se ao efetivo respeito à inter-relação de dois direitos – acesso a medicamentos e patentes farmacêuticas -, os quais envolvem interesses públicos e privados. Um e outro correspondem a direitos humanos, que, automaticamente, promovem o desenvolvimento sustentável. Desta forma sistêmica é que se pode reconhecer que o direito internacional da propriedade intelectual, em que pese o enfoque do comércio internacional, é efetivamente direito à vida.

As universidades federais, estaduais e outras entidades da administração pública direta e indireta que financiem pesquisa na área médica devem estabelecer um direcionamento mais específico e nacional para estes investimentos.


O apoio financeiro deve ter por fundamento as reais necessidades brasileiras, como quais as doenças, quais as propensões da sociedade, por conta do clima e de outros elementos relevantes, que podem interferir na saúde pública nacional e que merecem maior atenção dos organismos públicos.

O direcionamento é protegido, eis que se trata do uso de orçamento público e este deve ter a destinação fundamentada. A fundamentação, em que pese a determinação constitucional, apóia-se na discricionariedade do agente público. Mas ainda assim, ao se destinar orçamento para pesquisas da área médica, estas devem ter relevância direta para a ordem pública nacional.

A Constituição Federal (artigo 165 e seguintes) determina que o orçamento público seja vinculado, ou seja, nenhuma despesa extra pode ser acrescentada depois de votado o plano plurianual. Este é de competência do executivo federal e, em outra esfera, do executivo estadual; mas sob consulta ao Congresso Nacional e, no estadual, a Assembléia Legislativa, os quais, neste momento, devem indicar quais as necessidades e prioridades de suas respectivas regiões.

Em matéria de saúde pública, que envolve o acesso a medicamentos, seja na esfera preventiva e incidental, tem-se o artigo 196 e seguintes da Constituição. A saúde deve ser alcançada por meio de políticas públicas sociais e econômicas. O artigo 198 determina que deve-se prestar atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, dentre outras, a pesquisa na área médica e biológica.

A pesquisa na área médica é elemento essencial para a prevenção de doenças e para a minimização de problemas na saúde pública; portanto, necessário que a concessão de orçamento público esteja, minimamente, vinculada aos interesses nacionais. Vinculação esta de modo fundamentada.

Ocorre que para esta política preventiva ser aplicada com eficácia, necessário que as prioridades estejam devidamente previstas e consequentemente documentadas, inclusive para propiciar a fiscalização do orçamento público pela sociedade e com destaque o Ministério Público.

Recomenda-se, então, a elaboração de “listas”. Necessário que o Brasil conheça quais as necessidades da sociedade, presentes e futuras, em virtude de condicionantes tipicamente brasileiras. Estas listas devem ser atualizadas constantemente, até mesmo para acompanhar a votação do orçamento.

O Governo brasileiro, com apoio dos centros universitários, federais e estaduais, deve estabelecer cientificamente quais as prioridades nacionais, como doenças. Deve também estabelecer quais os medicamentos necessários para suprir estas necessidades. Com a listagem dos medicamentos deve-se agendar quando poderão ser fabricados os medicamentos genéricos sobre os referenciais. A seguir, deve-se priorizar a pesquisa e desenvolvimento de medicamentos que satisfaçam as doenças que permanecerão com os medicamentos referenciais.

Por último, é necessário que o estado reconheça a impossibilidade de satisfazer algumas necessidades de per si e estabeleça parcerias entre laboratórios, pesquisadores, universidades e governo para que as prioridades sejam satisfeitas. Esta sugestão de listas serve para demonstrar a necessidade de políticas preventivas e que se voltem para a realização da ordem social, mas também econômica, no sentido de que o Brasil exercite o alcance de medicamentos (social) explorando economicamente a concessão de patentes farmacêuticas (econômico). Tudo isto para a satisfação social e econômica de duas esferas jurídicas que necessariamente precisam ser harmonizadas.

É fundamental consolidar e fortalecer o processo de afirmação dos direitos humanos, sob a perspectiva integral, indivisível e interdependente destes direitos. É sob esta perspectiva que há de ser revisitado o direito à propriedade intelectual, de forma a assegurar o direito à saúde e ao acesso a medicamentos.

Neste contexto, essencial é tecer um adequado juízo de ponderação entre o direito à propriedade intelectual e os direitos sociais, econômicos e culturais, especialmente o direito à saúde e ao acesso a medicamentos.

O direito à propriedade intelectual é concebido como um incentivo para a criação de novos conhecimentos, sob a visão utilitarista de que beneficiarão a sociedade como um todo. Tendo em vista que a invenção de um novo medicamento custa em torno de US$115 milhões a US$800 milhões, há que se proteger os interesses do inventor e daqueles que exploram comercialmente a invenção, de modo a fomentar os investimentos científicos e tecnológicos. Note-se que 80% das vendas de medicamentos concentram-se nos países desenvolvidos, enquanto que 20% apenas ocorrem nos países em desenvolvimento. Há que se criar estratégias para o custeio da pesquisa científica, como, por exemplo, a instituição de um fundo internacional para o financiamento de pesquisas de novos medicamentos[37].


Contudo, o direito à propriedade intelectual não deve ser considerado ilimitado ou absoluto, na medida em tem uma função social. Há que se buscar um adequado equilíbrio entre a proteção dos direitos do inventor e de exploração comercial de um invento científico e os direitos sociais, dentre eles à saúde. Por força do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, os estados-partes assumem o dever jurídico de respeitar, proteger e implementar tais direitos, garantindo o seu núcleo essencial e promovendo sua aplicação progressiva, vedado retrocesso social.

Os interesses privados do inventor e de exploração comercial, bem como o regime de patentes não podem impedir que os estados implementem as obrigações internacionais decorrentes do Pacto em relação ao direito à saúde e ao direito ao desfrute dos progressos científicos. Daí a necessidade de compatibilizar os tratados comerciais à luz dos parâmetros protetores mínimos consagrados pelos tratados de direitos humanos.

A Declaração de Doha sobre o Acordo Trips e Saúde Pública, adotada pela OMC, em 2001, ineditamente reconheceu que o regime de patentes, ao estimular a invenção de novas drogas, pode, ao mesmo tempo, criar graves riscos ao sistema de saúde, por elevar o preço de medicamentos. Reconheceu, ainda, a importância dos mecanismos de flexibilização do regime de patentes previstos no acordo TRIPS, como, por exemplo, o licenciamento compulsório, como uma medida legítima para enfrentar problemas de acesso a medicamentos[38].

No caso brasileiro, por força de obrigações internacionais e constitucionais que o Brasil assume em matéria de acesso a medicamentos, em decorrência do direito à saúde, emergencial é a adoção políticas preventivas.

Faz-se necessária a harmonização das vertentes social e econômica, de modo a equilibrar o respeito ao direito ao acesso a medicamentos e o direito à concessão de patentes farmacêuticas.

Na busca desta harmonização, cabe ao Brasil pautar suas atividades à luz do desenvolvimento sustentável, ou seja, o acesso a medicamentos deve ser satisfeito no âmbito nacional.

Com a esfera externa deve-se priorizar o estabelecimento de joint ventures para a fabricação nacional de medicamentos genéricos ou de medicamentos que satisfaçam as prioridades nacionais. Desta forma, alcança-se também o desenvolvimento da indústria nacional e dos centros de pesquisas públicos.

Lança-se, assim, o desafio de redefinir o direito à propriedade intelectual à luz da prevalência dos direitos humanos, em especial, do direito ao acesso a medicamentos, em uma sociedade global cujo destino e futuro mostram-se cada vez mais condicionados à produção, à distribuição e ao uso eqüitativo do conhecimento.


1- A respeito, observa Varun Gauri: “A review conducted for this paper assessed constitutional rights to education and health care in 187 countries. Of the 165 countries with available written constitutions, 116 made reference to a right to education and 73 to a right to health care. Ninety-five, moreover, stipulated free education and 29 free health care for at least some population subgroups and services. Brazil offers a compelling example of the force of human rights language. The Brazilian Constitution of 1988 guarantees each citizen the right to free health care. Although the constitutional guarantee has not eliminated shortages and inequalities in the sector, that provision had real “bite” in 1996, when a national law initiated a program of universal access to highly active anti-retroviral therapy (HAART) for Aids patients, free of charge.” (Varun Gauri, Social Rights and Economics: Claims to Health Care and Education in Developing Countries, World Development, vol.32, n.3, 2004, p.465).

[2] Quanto ao direito à educação, dispõe o artigo 212 da Constituição: “A União aplicará, anualmente, nunca menos de 18, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios 25%, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e no desenvolvimento do ensino”. Ao direito à saúde, os recursos orçamentários serão dispostos em conformidade com os critérios estabelecidos no artigo 198 da Constituição.

[3] José Joaquim Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Livraria Almedina, Coimbra, 1998.


[4] A respeito da necessária aplicação progressiva dos direitos sociais e econômicos e da consequente cláusula da proibição do retrocesso social, ver artigo 2o , parágrafo 1o do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, bem como o General Comment n.03 do Comitê sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (General Comment n.3, UN doc. E/1991/23).

[5] Paulo Bonavides, Curso de Direito Constitucional, Ed. Malheiros, São Paulo, 2000.

[6] “As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”.

[7] “Art. 196 – a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”

[8] “Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei: I – controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a saúde e participar da produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos; (…) V – incrementar em sua área de atuação o desenvolvimento científico e tecnológico”.

[9] “O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais consagra três previsões que podem ser interpretadas no sentido de sustentar uma obrigação por parte dos Estados-partes ricos de prover assistência aos Estados-partes pobres, não dotados de recursos para satisfazer as obrigações decorrentes do Pacto. O artigo 2 (1) contempla a frase “individualmente ou através de assistência internacional e cooperação, especialmente econômica e técnica. A segunda é a previsão do artigo 11 (1), de acordo com a qual os Estados-partes concordam em adotar medidas apropriadas para assegurar a plena realização do direito à adequada condição de vida, reconhecendo para este efeito a importância da cooperação internacional baseada no livre consenso. Similarmente, no artigo 11 (2) os Estados-partes concordam em adotar “individualmente ou por meio de cooperação internacional medidas relevantes para assegurar o direito de estar livre da fome.” (Philip Alston e Gerard Quinn, The Nature and Scope of Staties Parties’ obligations under the ICESCR, 9 Human Rights Quartley 156, 1987, p.186, apud Henry Steiner e Philip Alston, International Human Rights in Context: Law, Politics and Morals, second edition, Oxford, Oxford University Press, 2000, p.1327).

[10] Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, General Comment n.3, UN doc. E/1991/23, 1990. No tocante aos meios que devem ser utilizados para a progressiva implementação dos direitos econômicos, sociais e culturais, que se consubstanciam na “obrigação de comportamento”, a Recomendação Geral nº 3 enuncia que: “3. Os meios que devem ser usados para satisfazer a obrigação de adotar medidas estão estabelecidos no parágrafo 1º do artigo 2º que são “todos os meios apropriados, incluindo, em particular, a adoção de medidas legislativas”. O Comitê reconhece que muitas vezes a legislação é altamente desejável e em alguns casos pode ser até mesmo indispensável. Por exemplo, pode ser difícil combater com êxito a discriminação na ausência de uma base legislativa sólida para a adoção das medidas necessárias. Em áreas como saúde, a proteção da infância e maternidade, a educação, assim como em relação às questões contempladas nos artigos 6º a 9º, a legislação pode ser também indispensável para muitos propósitos. 4. (…) É importante enfatizar, entretanto, que a adoção de medidas legislativas, como previsto no Pacto, não exaure as obrigações dos Estados-partes. Ao contrário, à frase “por todas os meios apropriados” deve ser atribuído seu significado mais amplo. Enquanto cada Estado-parte deve decidir por si mesmo quais meios são os mais apropriados sob as circunstâncias com relação a cada um dos direitos, a “adequação” dos meios escolhidos não será sempre evidente. Assim é desejável que os relatórios dos Estados-partes indiquem não apenas as medidas adotadas mais também as razões pelas quais elas foram consideradas as mais “apropriadas” sob as circunstâncias. 5.Entre as medidas que podem ser consideradas apropriadas, em complementação à legislativa, está a previsão de remédios judiciais no que diz respeito a direitos que, de acordo com o sistema jurídico nacional, podem ser considerados justiciáveis. O Comitê observa, por exemplo, que o gozo dos direitos reconhecidos, sem discriminação, fomentar-se-á de maneira apropriada, em parte mediante a provisão de recursos judiciais e outros recursos efetivos.


[11] Acerca da obrigação de assegurar ao menos os níveis essenciais de cada direito previsto no Pacto, a Recomendação Geral nº 3 enuncia que: “10. (…) o Comitê entende que corresponde a cada Estado-parte uma obrigação mínima [“minimum core obligation”] de assegurar a satisfação de, pelo menos, níveis mínimos essenciais de cada um dos direitos. Assim, por exemplo, um Estado-parte no qual um número significativo de indivíduos esteja privado de uma alimentação adequada, de cuidados médicos essenciais, de abrigo e moradia, ou das mais básicas formas de educação está, prima facia, descumprindo as obrigações contidas no Pacto. Se o Pacto fosse lido de um modo a não estabelecer obrigações mínimas, seria ele completamente privado de raison d’ être [razão de ser]. Analogamente, há de se advertir que toda avaliação de um Estado estar cumprindo sua obrigação mínima deve levar em conta também as limitações de recursos que se aplicam ao país de que se trata. O parágrafo 1º do artigo 2º obriga cada Estado-parte a adotar as medidas necessárias “até o máximo de seus recursos disponíveis”. Para que um Estado-parte seja capaz de atribuir a sua incapacidade de assegurar ao menos obrigações mínimas à inexistência de recursos disponíveis, deve demonstrar que todos os esforços foram feitos para usar todos os recursos que estão à sua disposição para satisfazer, com prioridade, aquelas obrigações mínimas.

[12] Para Antônio Augusto Cançado Trindade: “Não há qualquer impossibilidade lógica ou jurídica para que assim se proceda. Há que garantir a justiciabilidade dos direitos econômicos e sociais, a começar pelo princípio da não-discriminação. Por que motivo em relação aos direitos políticos são há muito condenadas práticas discriminatórias, as quais, em relação aos direitos econômicos e sociais, persistem e parecem ser toleradas como supostas realidades lamentáveis e inevitáveis? Há que se submeter à justiciabilidade decisões governamentais e de organismos financeiros internacionais que, à guisa de resolver “problemas econômicos”, condenam ao empobrecimento, ao desemprego e à fome, se não a médio ou longo prazo à miséria e à morte, milhares de seres humanos. Se é certo que a vigência de muitos direitos econômicos e sociais é de “realização progressiva”, também é certo que tal vigência requer medidas imediatas por parte dos Estados, certas obrigações mínimas em relação a um núcleo de direitos de subsistência (direitos à alimentação, à moradia, à saúde, à educação, somados ao direito ao trabalho), quanto pouco para neutralizar os efeitos devastadores de políticas recessivas, particularmente sobre os segmentos mais carentes ou vulneráveis da população”. Antônio Augusto Cançado Trindade, Direitos econômicos e sociais, p. 710-711.

[13]. David Trubek, Economic, social and cultural rights in the third world: human rights law and human needs programs. In: MERON, Theodor (Editor). Human rights in international law: legal and policy issues. Oxford: Claredon Press, 1984. p. 207. A respeito, ainda afirma David Trubek: "Eu acredito que o Direito Internacional está se orientando no sentido de criar obrigações que exijam dos Estados a adoção de programas capazes de garantir um mínimo nível de bem-estar econômico, social e cultural para todos os cidadãos do planeta, de forma a progressivamente melhorar este bem-estar." (op.cit. p.207).

[14] José Joaquim Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Livraria Almedina, Coimbra, 1998.

[15] A acessibilidade tem quatro dimensões: Não-discriminação: As instalações, bens e serviços de saúde devem ser acessíveis a todos, especialmente para os mais vulneráveis e marginalizados setores da população, de fato e de direito, sem qualquer tipo de discriminação; Acesso físico: As instalações, bens e serviços de saúde devem ter garantido o alcance físico para todos os setores da população, especialmente para os mais vulneráveis e marginalizados grupos da população, como as minorias étnicas e as populações indigentes, mulheres, crianças, adolescentes, idosos, pessoas enfermas e portadores do vírus HIV/AIDS. (…); Acesso econômico (disponibilidade): As instalações, bens e serviços de saúde devem ser disponibilizados para todos. O pagamento pelos serviços de saúde, deve ser baseado no princípio da igualdade. (…); Acesso à informação: este acesso inclui o direito a obter e receber informações e idéias relacionadas à questão da saúde. (…)


[16] Dados obtidos no site: www.ms.gov.br . Acesso em 07 de setembro de 2006.

[17] BASSO, Maristela. O Direito Internacional da Propriedade Intelectual. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2000. pág. 129.

[18] BASSO, ob. cit., pág. 192.

[19] Artigo 27.1, 1ª parte.

[20] Artigo 27.1, 2ª parte.

[21] Artigo 28.

[22] Artigo 29.

[23] Artigo 30.

[24] CHIMENTI, Ricardo Cunha; CAPEZ, Fernando; ROSA, Márcio F. Elias; SANTOS, Marisa F. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2005, pág. 83.

[25] O TRIPS fala em outro uso sem a autorização do titular, a denominação licença compulsória ou obrigatória é comumente utilizada pelas legislações nacionais. BASSO, Maristela. O Direito Internacional da Propriedade Intelectual. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2000, pág. 236.

[26] As patentes, principalmente na Europa, foram usadas inicialmente para o desenvolvimento da indústria local, através dos conhecimentos que conseguiam agregar. Acreditava-se que o privilégio de titularidade não tinha razão de ser se não fosse explorado localmente. Declarava, em 1907, na seção 27 (2), a Lei de patentes do Reino Unido que as patentes serão concedidas não somente para encorajar novas invenções, mas também para assegurar que estas invenções fossem exploradas em escala comercial no território do Reino Unido.

[27] AHLERT, Ivan B. A Exaustão de Direitos na Propriedade Industrial. São Paulo: Seminário IDS, 8 de novembro de 2001, pág. 5.

[28] Artigo 6º: “Para efeitos da resolução de litígios ao abrigo do presente Acordo e sem prejuízo do disposto nos arts. 3 e 4, nenhuma disposição do presente Acordo será utilizada para tratar a questão do esgotamento dos direitos de propriedade intelectual”.

[29] Médicos Sem Fronteiras. Patentes de medicamentos em evidência – Compartilhando experiência prática sobre patentes de produtos farmacêuticos. Médicos Sem Fronteiras, maio de 2003, pág. 8.

[30] Dados obtidos no site: www.eurofarma.com.br/genericos. Acesso em 11 de outubro de 2006.

[31] BERMUDEZ, Jorge. Medicamentos Genéricos: Uma Alternativa para o Mercado Brasileiro. In Caderno de Saúde Pública. Rio de Janeiro, julho/set. de 1994, pág. 368-379, pág. cit. 368.

[32] Dados divulgados no Seminário Internacional “Acceso a Medicamentos: Derecho Fundamental, Papel del Estado”, em 22 de setembro de 2002, no Rio de Janeiro.

[33] BERMUDEZ, ob. cit., pág. cit. 375.

[34] DIAS, Cláudia Regina Cilento; LIEBER, Nicolina Silvana Romano. Processo da implantação da política de medicamentos genéricos no Brasil. In Caderno de Saúde Pública, Rio de Janeiro, agosto de 2006, pág. 01/09, pág. cit. 09.

[35] Maiores informações sobre este projeto de incentivo às joint ventures podem ser obtidas no endereço eletrônico http://europa.eu.int/secretariat_general.

[36] Informações divulgadas no site: www.oas.org/healthapreciousasset. Acesso em 27 de março de 2005.

[37] Em 23 de maio de 2007, foi aprovada na Organização Mundial de Saúde resolução apresentada pelo Brasil propondo estratégia internacional para garantir o acesso a medicamentos essenciais em países em desenvolvimento, bem como a criação de um fundo internacional para o financimento de pesquisas de novos medicamentos.

[38] Em decisão inédita, em 04 de maio de 2007, o Estado Brasileiro determinou o licenciamento compulsório de medicamento anti-retroviral Efavirenz para o tratamento da Aids, produzido por laboratório multinacional, com fundamento em interesse público. O medicamento é protegido por patente que permite ao laboratório farmacêutico o direito de excluir terceiros da produção ou venda da droga no Brasil, o que resulta em verdadeiro monopólio. Desde novembro de 2006, o Brasil negociava com o laboratório a redução de preços considerados injustos. A medida permitirá a economia de U$30 milhões em 2007 devido à importação da Índia da versão genérica a preços inferiores, bem como a fabricação do remédio no país.

Autores

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    é procuradora do estado de São Paulo e professora doutora em Direito Constitucional e Direitos Humanos da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Visiting fellow do Human Rights Program da Harvard Law School (1995 e 2000); do Centre for Brazilian Studies da University of Oxford (2005); do Max Planck Institute for Comparative Public Law and International Law (Heidelberg – 2007; 2008; e 2015); e Humboldt Foundation Georg Forster Research Fellow no Max Planck Institute (Heidelberg - 2009-2014).

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    é fundadora e presidente da Comissão da Propriedade Intelectual da OAB-PR. É também professora de direito internacional e da propriedade intelectual.

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