Imagem em jogo

Justiça manda CNA indenizar Cazé por danos morais e materiais

Autor

14 de março de 2004, 11h36

A Justiça paulista de primeira instância mandou o CNA — curso de línguas — pagar R$ 80 mil para o apresentador Cazé por danos materiais e cem salários mínimos (R$ 24 mil) por danos morais. O CNA recorreu da sentença do juiz José Tarciso Beraldo, publicada no ano passado. O caso está agora no Tribunal de Justiça de São Paulo para julgamento.

Cazé foi representado pelo advogado Paulo Mariano e o CNA pela advogada Vânia Aguiar Paiva. A Justiça atendeu parcialmente o pedido do apresentador da MTV.

Ele alegou que foi consultado para participar de uma campanha do CNA. Mas o contrato não foi fechado. Tempos depois disse que foi surpreendido com uma propaganda da empresa usando um personagem com as suas mesmas características. Argumentou que se

aborreceu com a utilização de um “clone” para veicular sua imagem.

O CNA alegou que vários famosos foram “sondados”. Mas que a opção foi para um personagem desconhecido e não em razão do valor pedido de Cazé. De acordo com o CNA, na época ele estava na TV Globo “com sua imagem pública enfraquecida”. O CNA negou que o modelo tivesse representado o personagem de Cazé “quer com relação ao aspecto físico, quer pelo estilo irreverente”.

O juiz entendeu que a conduta do CNA “causou os prejuízos de que se queixa o Autor, materiais e morais, aqueles consubstanciados na privação de sua remuneração pelo uso de sua imagem e estes decorrentes do aborrecimento que, certamente, lhe custou a surpresa de se ver retratado, por interposta pessoa, na campanha para a qual fora previamente consultado”.

Leia a sentença:

PODER JUDICIÁRIO

SÃO PAULO

27ª VARA CÍVEL

Proc. nº 02.099995-0 (1181).

Vistos.

CARLOS JOSÉ DE ARAÚJO PECINI,como artista o “Cazé Peçanha”, ajuizou ação ordinária contra CNA CULTURAL NORTE AMERICANO LTDA. visando a obter sentença que a condene a compor-lhe indenização por danos materiais e morais (R$ 160.000,00 no total, metade para cada item) que alegou ter sofrido por utilização simulada de sua imagem.

Alegou, em resumo, tratar-se de “profissional radialista e apresentador de televisão”, com passagem pela TV Globo e ultimamente, na MTV, motivo pelo qual e “em razão da peculiaridade de suas características pessoais” é “bastante requisitado para desenvolver campanhas publicitárias dos mais variados produtos e serviços”.

Assim, em novembro de 2001 foi consultado para participar de uma campanha da Ré, para que pediu R$ 80.000,00 como “honorários para a prestação de seus serviços”, não sobrevindo outro contacto.

Surpreendeu-se, todavia, com a exploração de sua imagem, “adquirida mediante subterfúgio consistente na adoção de um personagem dotado das mesmas características físicas individuais” suas; assim, além da frustração de sua expectativa de desenvolver o trabalho, aborreceu-se com a utilização ardilosa de um clone para veicular sua imagem.

Pede, assim, indenização por danos materiais, no valor dos R$ 80.000,00 que pedira para fazer a campanha publicitária, mais outro tanto pelo agravo moral que alegou ter sofrido.

A Ré, citada, apresentou contestação a fls. 142/156.

Argüiu, em capítulo preliminar, ser parte legítima e, ainda tratar-se de pedido juridicamente impossível, bem assim estar ausente o interesse processual; denunciou à lide a empresa de publicidade autora da campanha.

No mérito, sustentou ser improcedente a ação: de par com a ausência de prova documental da alegada “clonagem de imagem”, garantiu que em absoluto pretendeu valer-se da imagem do Autor, à falta de identificação com a atividade artística por ele desenvolvida e, mais, porque a utilização de modelo careca decorreu das peculiaridades da campanha, que incluía inserção de uma “tecla sap” em sua cabeça.

Mais ainda, asseverou que vários nomes foram “sondados”, inclusive famosos, e que, ao fim, a opção foi para um personagem desconhecido e não em razão do valor pedido pelo Autor, tanto mais que ele, nessa ocasião, encontrava-se ainda na TV Globo e não na MTV, “com sua imagem pública enfraquecida”.

Negou veementemente que o modelo tivesse representado o personagem do Autor, “quer com relação ao aspecto físico, quer pelo estilo irreverente”.

Impugnou, por fim, o cabimento e os valores das indenizações pleiteadas, por “ausência dos elementos constitutivos do direito” respectivo (não foi utilizada a imagem do Autor nem houve dano).

Vieram réplica e outras manifestações, com documentos.

Realizou-se audiência preliminar (art.331 do Cód. de Proc. Civil e termo a fls. 229/230), ocasião em que proferiu-se rejeitando as preliminares e a denunciação da lide.

Contra esse provimento a Ré tirou recurso de agravo de instrumento ao qual negou provimento a C. Nona Câmara de Direito Privado do E. Tribunal de Justiça (v. acórdão copiado a fls. 279/283, Rel. o Em. Des. ALBERTO TEDESCO).

No decorrer da instrução dói tomado o depoimento pessoal do representante legal da Ré, bem assim inquiridas cinco testemunhas (fls. 279/303).

As partes apresentam, depois disso, alegações finais escritas (fls. 305/314 e 315/322), via das quais analisaram o processado e insistiram em seus pontos de vista.

Recebi, hoje, concluso os autos.

É o relatório.

DECIDO.

Afastadas que foram as questões tidas pela Ré como prejudiciais, bem assim a denunciação da lide (o despacho foi mantido pela E. Superior Instância, em grau de recurso de agravo de instrumento), resta saber, para definir o mérito de lide, se, realmente e como afirma o Autor, a Ré utilizou-se indevidamente de sua imagem, por vias de transversas, vale dizer utilizando-se de pessoa com ele parecida, de modo a aproveitar-lhe as características pessoais no desenvolvimento de campanha publicitária.

Tenho que sim, apesar de negativa veemente por ela feita, desde a contestação e até a apresentação de seus memoriais de alegações finais.

Isto porque, realmente, o tipo físico adotado para o modelo (sem cabelos e socialmente vestido com paletó escuro e gravata e usando óculos escuros de formato peculiar – fls. 125/126 e 209/213) é, fora de dúvida, calcado com exatidão quase absoluta no do Autor (fls. 64, 71/72, 74, 81, 84, 88 e seguintes).

Por outro lado, não convence a justificativa de que, depois de tê-lo consultado, resolveram os encarregados da campanha publicitária utilizar-se de modelo desconhecido.

Fosse assim não o teriam consultado, isto é, teriam partido desde logo para o modelo utilizado.

Fora de dúvida, diante disso, que a prova existente nos autos (particularmente quando são examinados os depoimentos de testemunhas – fls 298 e 299) aponta iniludivelmente para o fato de que a Ré teve sim objetivo de servir-se da imagem do Autor para sua campanha publicitária porque passou claramente a impressão de que fosse ele.

Pouco importa, então, saber se estava ele algo desprestigiado no meio artístico; a verdade é a consulta feita a ele denotava imediato interesse em sua pessoa.

Daí se conclui que, realmente, houve, para utilizar expressão do v. acórdão, “exploração indevida da sua imagem, mediante o subterfúgio da adoção de personagem dotado das mesmas características físicas individuais do autor” (fls. 280).

A conduta da Ré causou os prejuízos de que se queixa o Autor, materiais e morais, aqueles consubstanciados na privação de sua remuneração pelo uso de sua imagem e estes decorrentes do aborrecimento que, certamente, lhe custou a surpresa de se ver retratado, por interposta pessoa, na campanha para a qual fora previamente consultado.

Resta, então, tratar dos valores das respectivas indenizações.

No que se refere ao prejuízo moral, penso que, em se tratando de artistas, cada qual é o dono de sua imagem, com o que é justo o acolhimento do pedido de R$ 80.000,00, exatamente o que fora proposto à Ré, tanto mais à íngua de notícia de que tivesse ela se batido por alguma diminuição.

Na parte dos danos morais, penso que a quantia equivalente é excessiva.

É preciso, nessa matéria, ter presente as recomendações doutrinárias e jurisprudenciais que preconizam levar-se em conta a situação de quem paga e de que recebe, mais a introdução de componente de desestímulo e, particularmente, observando-se modicidade, de modo a evitar-se enriquecimento indevido de uma parte em desfavor de outra.

Por tais razões, tenho que quantia equivalente a cem (100) salários mínimos é mais apropriada; será, segundo penso, justa e adequada como lenitivo para a dor sofrida, sem excesso nem aviltamento.

ISTO POSTO e considerando o mais que dos autos consta JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE A AÇÃO e CONDENO a Ré a pagar ao Autor uma quantia líquida de R$ – 80.000,00 (atualizada desde a data da proposta, 05.11.2001 – flas.123), pelos danos materiais, e outra equivalente a cem salários mínimos vigentes na época da satisfação do julgado, pelo agravo moral, contando-se, para ambas, juros de mora desde a data da citação.

PAGARÁ, ainda, a taxa judiciária (monetariamente atualizada desde quando desembolsada) e honorários advocatícios arbitrados em 15% (quinze por cento) do valor da condenação.

Considerei, quanto aos últimos, p percentual legal médio porque, apesar do processo desenvolver-se com alguns incidentes e ter ido à instrução oral, o valor-base é expressivo, com o que a remuneração afigura-se adequada, não se justificando, portanto, o máximo.

Publique-se, registre-se, intimem-se e cumpra-se.

São Paulo, 25 de setembro de 2003.

JOSE TARCISO BERALDO

Juiz de Direito

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!