Profissionalização Já!

Método de apuração da CPI dos Correios evidencia despreparo

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6 de agosto de 2005, 13h08

A CPI dos Correios está perdendo o foco. Está invadindo vidas privadas, ameaçando, imputando crime antes do julgamento, cometendo erros banais de avaliação. Deputados confundem movimentação (conceito financeiro) com faturamento (conceito econômico), desconhecem o funcionamento de empresas (pretender que uma financeira saiba o valor do CPMF pago pela companhia é ignorância).

Desanimado com a falta de objetividade dos membros da CPI, o sábio recluso volta a escrever para manifestar sua preocupação com a ignorância de tantos.

Pode-se até supor que Marcos Valério tenha ido à Portugal Telecom propor negócios, mas jamais imaginar que a empresa toparia. Maior empresa privada de Portugal, listada na Bolsa de Nova York, portanto sujeita à legislação norte-americana de mercado de capitais e à Lei Sarbanes-Oxley, de 2002, é impossível supor que vá aceitar negócio com caixa dois.

Do mesmo modo, é ignorância supor que o IRB (Instituto de Resseguros do Brasil) tenha sido sondado para depositar US$ 600 milhões no Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa. O IRB não tem US$ 600 milhões para depositar e, se tivesse, jamais poderia depositar em um só banco. Por outro lado, o Espírito Santo é um dos bancos mais tradicionais da Europa, peso-pesado no poder e nas finanças de Portugal e com penetração internacional, inclusive nos Estados Unidos. Só faltava se envolver com o PTB.

O pior do falso moralismo, pondera o sábio, é a perda de referência com relação ao núcleo do problema: o financiamento de partidos e de campanhas políticas.

Campeão da democracia, os EUA têm uma longa trajetória de escândalos e irregularidades. Máquinas políticas inteiramente corruptas elegeram os presidentes Truman (o esquema Prendergast, de Kansas City), Kennedy (a máquina democrata do prefeito Richard Dailey, de Chicago) e Johnson (a ultracorrupta máquina do Partido Democrata do Texas, financiada por empreiteiras).

Na Presidência Clinton, mais de um terço dos embaixadores americanos era financiador de campanha, presenteado com embaixadas. A atual Presidência Bush tem um conhecido roteiro de problemas eleitorais, de retribuição a financiadores (o esquema Halliburton, que fornece desde ração para soldados até a construção de bases no Iraque) ao velho método de dar embaixadas a quem doou milhões de dólares para campanhas, caso do atual embaixador no Brasil.

A França, país-símbolo fundador da democracia moderna, é também a meca dos escândalos políticos, muitos escabrosos, como o famoso caso Stavisky, de 1934, um Marcos Valério francês, financiador de políticos da cúpula da República, que acabou assassinado como queima de arquivo.

Não se descobriu ainda um método perfeito de financiamento de partidos e campanhas. Um pouco de mau cheiro sempre haverá a ser pago como preço da democracia.

Portanto nossos vícios merecem investigação para que se mudem as condições em que eles vicejaram. Mas poupe-nos a CPI desse ar de perplexidade de quem nunca viu coisa igual.

Profissionalização, já!

*Artigo originalmente publicado na Folha de S.Paulo

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