País em risco

Corrupção no Brasil tem tudo a ver com a ignorância

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23 de setembro de 2005, 19h57

Subdesenvolvimento é sinônimo de ignorância. O abandono intelectual e a fragilidade moral em que se encontra o povo brasileiro são as principais causas dos seus infortúnios. A mera observação daquilo que se passa ao nosso redor já seria suficiente para concluirmos que sem educação não há saída, mas, agora, o fato encontra-se confirmado pela última pesquisa do Ibope sobre o analfabetismo funcional, publicada no jornal O Estado de São Paulo do dia 8 de setembro deste ano.

Os dados da pesquisa mostram que 75% da nossa população não consegue ler nem escrever satisfatoriamente, pois muitos daqueles que eram considerados alfabetizados por outros métodos de avaliação, embora conseguissem ler palavras, não tinham noção do que elas realmente significavam e não compreendiam corretamente o sentido de um texto.

Obviamente, não basta saber rabiscar o nome ou meia dúzia de palavras para ser considerado alfabetizado, ou seja, apto a adquirir conhecimentos por meio da leitura ou de se fazer entender por meio da escrita. Assim, dos 170 milhões de habitantes brasileiros, cerca de 130 milhões vivem na ignorância. O conceito de analfabetismo funcional foi desenvolvido pela Unesco no fim da década de 70 e engloba aqueles que não conseguem utilizar a leitura e a escrita para se inserir plenamente na sociedade e compreender a realidade. Essa, portanto, é a verdadeira exclusão social.

O índice encontrado explica muita coisa. A corrupção deslavada, por exemplo, tem tudo a ver com a ignorância. Primeiro, porque os governantes não se sentem na obrigação de dar satisfações a ninguém, já que o povo, mergulhado nas trevas, não entende e não cobra nada. Segundo, porque os próprios governantes, em parte, provêm dessa camada iletrada da população e são completamente despreparados para assumir funções administrativas de relevância.

É ilusão achar que o povo brasileiro é cordial, trabalhador, honesto. Existe uma parcela de pessoas nessas condições, claro, mas a grande maioria da população se debate na incompetência, na desorientação, na falta de perspectivas e de valores morais. Em posição de poder, um sujeito assim despreparado tende a optar pela corrupção, como acontece freqüentemente.

Quanto mais ignorante o político, menos se importará com as conseqüências sociais de atos de ganância e irresponsabilidade política que possa praticar. Desta forma, a falta de ética no trato da coisa pública alastrou-se por todas as camadas da população, enredando-se profundamente nas práticas eleitorais e administrativas. Mesmo os mais intelectualizados e, possivelmente, mais conscientes dos deveres de um governante, foram, em certos casos, tragados pela cultura da prevaricação.

O triste espetáculo da administração federal petista e da banalização da propina no Congresso Nacional são puro reflexo desse obscurantismo cultural. “Faturar por fora”, exigir “agrados”, cobrar “mesadas”, vender favores são comportamentos tão baixos, tão irresponsáveis que só podem partir de pessoas sem escrúpulos e sem nenhum compromisso com o interesse público.

É deprimente que o presidente da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcanti, que acaba de renunciar ao mandato, esteja sendo acusado de cobrar 10 mil reais mensais para favorecer um empresário dono de restaurante, que, por sua vez, alegou tirar dinheiro dos garçons para satisfazer a ânsia aproveitadora do parlamentar. No entanto, é mais lamentável, ainda, que 300 deputados federais tenham votado em uma pessoa com fama de comportar-se dessa forma.

Enquanto isso, pesa sobre o deputado federal professor Luizinho, ex-líder do governo, a acusação de ter recebido “mensalão” no valor de R$ 20 mil, não se sabe exatamente a que título. Sua euforia, à época da liderança, foi de tal magnitude que ele se transformou em ferrenho defensor de uma duvidosa reforma da previdência e, de quebra, passou a criticar o Ministério Público, o Poder Judiciário e os funcionários públicos em geral como os grandes vilões da Nação. Foi patético.

A continuar nesse diapasão, em futuro próximo, haverá representantes do povo se vendendo por uma penca de bananas. Tudo em nome da esperteza chinfrim e da necessidade de levar vantagem a qualquer custo.

Por sua vez, parcela da elite econômica acaba agindo da mesma forma que os políticos irresponsáveis, seguindo as mesmas regras, perpetuando as bandalheiras.

O resultado é perceptível a olho nu. Além da miséria generalizada e da transformação do país em um favelão, é importante observar que não existem mais lugares aprazíveis no Brasil. As regiões montanhosas, anteriormente exuberantes e cobertas de vegetação, atualmente estão em processo acelerado de desmatamento, castigadas pelas queimadas ou ocupadas por barracos precários pendurados em suas encostas. As praias, verdadeiros símbolos de nossa natureza tropical, sucumbem aos coliformes fecais e à ocupação irregular. As cidades, totalmente desorganizadas, vicejam em meio ao lixo, ao esgoto, à degradação ambiental e à violência. As periferias dos grandes centros urbanos são um espetáculo de horror, tomadas de casas precariamente construídas, apinhadas, todas de tijolo aparente ou barro, desprovidas das mais elementares condições de higiene e segurança.

Para piorar o quadro, dos 40 milhões que, supomos, são alfabetizados de verdade, poucos gostam de ler. É enorme a quantidade de cidades brasileiras que sequer possuem livrarias, e muitas delas abrigam universidades. Difícil saber como conseguem ensinar sem livros…

O momento é de tomada de consciência e de adoção de medidas imediatas. Se não afastarmos e punirmos com rigor os corruptos, se não recuperarmos o dinheiro que nos foi subtraído, se não investirmos em educação continuaremos sendo vítimas de aventureiros e aproveitadores.

Autores

  • é procuradora de Justiça do Ministério Público de São Paulo, autora de vários livros, dentre os quais “A paixão no banco dos réus” e “Matar ou morrer — o caso Euclides da Cunha”, ambos da editora Saraiva. Foi Secretária Nacional dos Direitos da Cidadania do Ministério da Justiça no governo FHC.

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