Contra corrente

Pedido de suspensão do Justiça sem Papel será julgado dia 19

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16 de setembro de 2005, 21h02

Está marcado para o dia 19 de setembro o julgamento de mérito do pedido de suspensão do Projeto Justiça Sem Papel. Fruto de parceria entre o Ministério da Justiça, a Fundação Getúlio Vargas e a fabricante de cigarros Souza Cruz, o projeto tem como objetivo custear e auxiliar no desenvolvimento de propostas para a modernização do Judiciário brasileiro.

O projeto foi suspenso por liminar do desembargador federal Antônio Souza Prudente, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em maio desse ano. O desembargador acatou agravo de instrumento do Ministério Público da União contra decisão da 22ª Vara Federal do Distrito Federal. A primeira instância tinha rejeitado a cautelar em Ação Civil Pública do MPF pedindo a suspensão do projeto.

Para o desembargador Souza Prudente, o Judiciário “deve portar-se, no meio social, com eficiência e moralidade, independência e honradez, na oportuna e eficaz distribuição da Justiça, evitando sempre a receptação de ‘oferendas’ financeiras do setor privado, ainda que se lhe apresentem com a máscara dos propósitos mais nobres e socialmente justificáveis”.

Segundo ele, é inadmissível e inconstitucional aceitar qualquer ajuda, “benesse” ou doação de empresas privadas em favor do poder público, em especial de companhia cuja atividade é atentatória à manutenção do ecológico. Prudente classificou, ainda, a parceria de espúria, moralmente reprovável e constitucionalmente repudiada, a ponto de comprometer o bom nome, a moralidade e o grandioso “Papel da Justiça”.

A partir da nova decisão, caso esta seja favorável à continuidade do projeto, será divulgada a lista dos membros da Comissão Julgadora do Fundo Justiça Sem Papel e reuniões serão agendadas entre os mesmos para análise das melhores propostas de informatização do Judiciário. A decisão do julgamento será anunciada no site do projeto.

Os organizadores chegaram a entrar com Agravo Regimental contra a liminar, que também será apreciado na mesma data do julgamento do mérito. No pedido eles alegam que o pedido de suspensão não preenchia os requisitos formais como o “periculum in mora”. Disseram que o projeto não é da União, que não há vício na formalização da cooperação entre a União, o projeto e a Fundação Getúlio Vargas.

O Fundo Justiça Sem Papel, lançado em novembro de 2004 com o objetivo de apoiar projetos de informatização e modernização do Judiciário, recebeu um total de 92 propostas de 20 Estados brasileiros. Com a suspensão do Projeto, as análises de julgamento das propostas apresentadas estavam paradas, aguardando a decisão.

Processo 2005.01.00.022119-3

Leia a íntegra do Agravo Regimental

EXMO. SR. DESEMBARGADOR RELATOR DO AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2005.01.00.022119-3  EGRÉGIA 6ª TURMA DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO

FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS, pessoa jurídica de direito privado, reconhecida de Utilidade Pública pelo Governo Federal, através do Decreto nº 82.474, de 23 de outubro de 1978, e Decreto s/nº de 27.05.92, publicado no D.O.U. de 28.05.92, inscrita no CNPJ/MF sob o nº 33.641.663/0001-44, com sede na Praia de Botafogo 190, Botafogo, 13º andar, Rio de Janeiro/RJ, nos autos do agravo de instrumento em epígrafe, vem, por seus advogados abaixo assinados, regularmente constituídos (docs. 1/2), com fundamento no art. 39 da Lei nº 8.038 de 28.5.90, interpor agravo interno da r. decisão que concedeu efeito suspensivo ativo ao recurso interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, mediante as inclusas razões.

Requer a V.Exa., caso não seja reconsiderada a r. decisão aqui recorrida, se digne colocar em mesa este recurso, a fim de que seja conhecido e provido pela e. 6ª Turma desta Corte.

Nestes termos,

p. deferimento.

Brasília, 18 de maio de 2005

Sergio Bermudes

OAB/RJ 17.587

Evandro Pertence

OAB/DF 11.841

Bruno Calfat

OAB/RJ 105.258

Frederico Ferreira

OAB/RJ 107.016

Razões da agravante, FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS

TEMPESTIVIDADE

1. A agravante foi intimada, por fax, na sexta-feira, 13.05.05. Logo, o prazo para interposição deste recurso, que se iniciaria com a juntada aos autos da intimação cumprida, ainda não chegou a termo, sendo, portanto, manifestamente tempestivo este agravo interno.

RECURSO CABÍVEL

2. A agravante não desconhece a norma do art. 293, § 1º, do Regimento Interno desta Corte, que nega o cabimento de recursos interpostos contra decisão “que confere ou nega efeito suspensivo em agravo de instrumento …”.

3. Ocorre que esta regra agride o art. 39 da Lei 8.038, de 28.05.90, e a jurisprudência uníssona do e. Superior Tribunal de Justiça. Transcreva-se, para maior comodidade, o teor do referido dispositivo:


“Art. 39. Da decisão do Presidente do Tribunal, de Seção, de Turma ou de relator que causar gravame à parte, caberá agravo para o órgão especial, Seção ou Turma, conforme o caso, no prazo de cinco dias.”

4. Ora, evidentemente, a regra estabelecida na Corte Superior tem aplicação, por analogia, ao presente caso. Assim, proclamar-se a irrecorribilidade das decisões do Relator de um agravo de instrumento constituiria um manifesto desacerto.

5. Com efeito, a e. 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Agravo Regimental no Mandado de Segurança nº 9395/BA, da lavra do eminente Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, decidiu serem recorríveis as decisões do Relator do recurso. Confira-se:

“(…)

II – Na esteira de entendimento doutrinário, com precedente nesta Corte (RMS 7823-RS), aplica-se o art. 39 da Lei 8.038/90, que prevê o cabimento de agravo interno contra decisão de relator, a todos os tribunais.

III – O recurso ordinário constitucional somente cabe de decisão colegiada de tribunal federal ou estadual que denega a segurança (Constituição, art. 105, II, b), não sendo possível seu manejo para atacar decisão monocrática de relator que indefere a petição inicial.” (AROMS 9395/BA, 4ª T., STJ, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 1.9.1998, publ. DJ 14.12.98, RSTJ 116/247).

6. E do voto desse aresto, observa-se que o julgado que entende irrecorrível a decisão do Relator viola a lei federal:

“No entanto, a Lei n. 8.038/90 veio disciplinar a situação ao prever no art. 39, o cabimento de agravo (‘interno’) contra qualquer decisão monocrática proferida por membro de tribunal causadora de gravame à parte. Embora a referida lei se refira somente ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal, conforme consta de sua ementa, não há por que deixar de aplicá-la, por analogia, aos outros tribunais do País, consoante entendimento de Barbosa Moreira…”

7. Há, ademais, decisões do e. Superior Tribunal de Justiça no mesmo sentido do acórdão mencionado, como se vê das seguintes ementas:

“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO PARA O STJ. CABIMENTO. HIPÓTESE TAXATIVAMENTE ELENCADA NO CPC, NO RISTJ.

1. Contra decisão monocrática proferida por membro de Tribunal local cabe a interposição de Agravo Interno para o colegiado daquela Corte. Incabível o manejo de Agravo de Instrumento do CPC, art. 522, para este STJ, porquanto fora da hipótese de cabimento do recurso para esta Corte, taxativamente elencada pelo CPC, art. 544 e pelo RISTJ.

2. Agravo Regimental não provido.” (AGA 367105/SP, 5ª T., STJ, Rel. Min. Edson Vidigal, j. 20.3.2001, DJ 7.5.2001).

“PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AGRAVO DE INSTRUMENTO INTERPOSTO CONTRA DECISÃO MONOCRÁTICA. IMPOSSIBILIDADE. JULGAMENTO COMO AGRAVO REGIMENTAL. INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 544 E 557 DO CPC.

1. Enquanto o agravo de instrumento tem cabimento apenas contra decisão do Presidente do Tribunal a quo que, em sede de juízo de admissibilidade, impede o processamento do recurso especial; o regimental é cabível contra decisão monocrática do relator que nega seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do STF ou de Tribunal Superior.

2. Embargos de declaração rejeitados.” (EARESP 246987/SC, 6ª T., STJ, Rel. Min. Vicente Leal, j. 5.4.2001, DJ 28.5.2001, p. 214).

8. Aliás, pensar-se de maneira diversa conduziria à inusitada situação em que jurisdicionados seriam liminarmente privados dos seus direitos essenciais, sem que órgãos colegiados dos Tribunais Regionais Federais tivessem meios de rever os pronunciamentos monocráticos dos seus integrantes. Se nenhuma ameaça a direito pode ser afastada da apreciação judicial, seria patentemente nula a interpretação que admitisse a irrecorribilidade de decisões lesivas ao interesse de determinado sujeito da relação processual (C.F., art. 5o, inciso XXXV).

PÁ DE CAL

9. Especificamente quanto ao cabimento de agravo interno neste e. TRF da 1ª Região, recentíssima decisão do egrégio STJ dispôs especificamente sobre a matéria, nos seguintes termos:

“RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO MONOCRÁTICA. AGRAVO REGIMENTAL. CABIMENTO. APLICAÇÃO DO ART. 39 DA LEI 8.038/90.

A jurisprudência deste Tribunal firmou entendimento no sentido de que o artigo 39 da Lei 8.038/90, que disciplina o cabimento do agravo contra decisão singular proferida por membro do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, deve ser aplicado, por analogia, aos demais tribunais pátrios, não obstante a inexistência de previsão no regimento interno da corte de origem. Precedentes. Recurso especial provido.”(STJ, 4ª Turma, Resp. nº 712.772-MT, Rel. Min. CASTRO FILHO).


10. Eis porque a agravante confia no juízo positivo de admissibilidade deste recurso, inquestionavelmente cabível, como está na doutrina, prestigiada pela jurisprudência. Não faria sentido negar-se seguimento a um recurso, quando se tem a certeza de que a jurisprudência praticamente unânime o considera cabível.

NUVEM POR JUNO

11. Ação e decisão encontram-se assentadas na enganosa idéia de que o “Termo de Cooperação Técnica” firmado entre a FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS, ora agravante, o MINISTÉRIO DA JUSTIÇA e a SOUZA CRUZ S.A., além de ilegal, pela falta de autorização legislativa, afronta à Constituição Federal “notadamente por ofender a independência e imparcialidade do Poder Judiciário (Art. 2º, CF)”. É o que se lê, por exemplo, no penúltimo parágrafo da p. 14 daquela peça.

12. Extremamente severa, na p. 15, item IV. 2.1, a inicial chega ao exagero  para dizer o mínimo  de sustentar, algo nebulosamente, que a SOUZA CRUZ estaria valendo-se do “Termo” para exercer a ação criminosa, tipificada no art. 345 do Código Penal. Como assim? (abram-se parênteses para assinalar que essa companhia não é parte deste agravo e será superiormente representada por outro advogado).

13. Sempre na cartilha da inicial, p. 17, “o ingresso de recursos privados no seio do Poder Judiciário compromete sua independência e imparcialidade”. Aí está: a destinação de uma soma para o desenvolvimento de um projeto, que não aproveita só o Judiciário, mas toda a comunidade forense, a começar pelos advogados e membros do Ministério Público, assim como cidadãos, envenenaria todo um poder, fazendo-o dócil a interesses da doadora da soma por combalir, (em favor dela – esta a mensagem) a sua independência e a sua imparcialidade.

14. Falando embora com o devido respeito, não se pode omitir a observação de que semelhante arrazoado configura um despropósito, que agride o bom senso, inclusive por causa do modo como se desempenha a função jurisdicional, no país.

15. Observe-se agora que a própria Constituição, enquanto proíbe os juízes individualmente, de receberem (art. 95, parágrafo único, IV, CF), “a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas …”, não estende semelhante vedação, dirigida à pessoa, aos órgãos do Judiciário. E, mesmo quanto às pessoas dos juízes, a Constituição deixa aberta a porta para contribuições, ao ressalvar, no próprio dispositivo, as exceções previstas em lei. Isso, obviamente, significa que a Carta Política autoriza exceções da lei à proibição, abrigando, conseguintemente, a possibilidade de benesses.

16. A Constituição não impede doações ao Judiciário, como, aliás, não ocorreu na espécie. Sem baixar semelhante proibição, ela estimula as colaborações da iniciativa privada, como ocorre, aliás, em todo o mundo, os Estados Unidos na dianteira. Seria criticável a ordem constitucional que, exacerbada, proibisse a doação de uma biblioteca, ou de computadores, ou mesmo um financiamento de um projeto do interesse geral, feito à luz do dia, para propósitos específicos. Nem vale insistir neste ponto.

ARGUMENTO IMPERTINENTE

17. O termo contra o qual investe a ação do nobre Ministério Público integrará a categoria dos convênios, e não dos contratos. Três entes distintos, situados e atuantes em níveis diferentes, vinculam-se à execução de um plano (o projeto “Justiça Sem Papel”), do interesse geral.

18. Esses entes celebram um convênio que tem a seguinte definição de Hely Lopes Meirelles:

“Convênios administrativos são acordos firmados por entidades públicas de qualquer espécie, ou entre estas e organizações particulares, para realização de objetivos de interesse comum dos partícipes.

Convênio é acordo, mas não é contrato. No contrato as parte têm interesses diversos e opostos; no convênio os partícipes têm interesses comuns e coincidentes. Por outras palavras: no contrato há sempre duas partes (podendo ter mais de dois signatários), uma que pretende o objeto do ajuste (a obra, o serviço etc.), outra que pretende a contraprestação correspondente (o preço, ou qualquer outra vantagem), diversamente do que ocorre no convênio, em que não há partes, mas unicamente partícipes com as mesmas pretensões. Por essa razão, no convênio a posição jurídica dos signatários é uma só, idêntica para todos, podendo haver apenas diferença na cooperação de cada um, segundo suas possibilidades, para a consecução do objetivo comum, desejado por todos.” (Direito Administrativo Brasileiro, 17ª ed., Malheiros, S. Paulo, 1992, p. 354 e 355).

19. No mesmo sentido, e também com autoridade indisputável, é a lição de Maria Sylvia Di Pietro:

“O convênio é um dos instrumentos de que o Poder Público se utiliza para associar-se quer com outras entidades públicas quer com entidades privadas.


(…)

… os entes conveniados têm objetivos institucionais comuns e se reúnem, por meio do convênio, para alcançá-los; por exemplo, uma universidade pública – cujo objetivo é o ensino, a pesquisa e a prestação de serviços à comunidade – celebra convênio com outra entidade, pública ou privada, para realizar um estudo, um projeto, de interesse de ambas, ou para prestar serviços de competência comum a terceiros; é o que ocorre com convênios celebrados entre Estados e entidades particulares tendo por objeto a prestação de serviços de saúde ou de educação….

(…)

Normalmente, pode-se cogitar da celebração de convênio entre entidades públicas ou entre estas e entidades particulares(in Parcerias na Administração Pública – Concessão, Permissão, Franquia, Terceirização e outras Formas, Atlas, S. Paulo, 1996, p. 112 e 113).

20. O Supremo Tribunal Federal faz a distinção, quando, no Rext. nº 119.256-SP, proclama que: “os convênios administrativos não são contratos, mas acordos porque os partícipes deles não tem interesses colidentes, mas ao contrário, comuns e coincidentes …” (RTJ 141, p. 625).

21. Se se acompanhar respeitável entendimento de que, na hipótese, não existe sequer um convênio porém mera doação de uma pessoa jurídica de direito privado a outra, perante a UNIÃO FEDERAL, o quadro não mudará de figura, porque, não exigida a licitação para o convênio, a fortiori ela não será requisito de um negócio jurídico menor que um convênio, simples pacto entre particulares apoiado pela UNIÃO.

22. Na hipótese, não era necessária a licitação pública, exigida no inciso XXI do art. 37 da Constituição Federal, apenas para os contratos. Não para os convênios, que escapam à incidência da norma, na qual se fala somente em contratos, quando se usa a expressão verbal “serão contratados”.

23. A petição inicial quer que haja autorização legal para um convênio, no qual não existe dispêndio de dinheiros públicos, não há diminuição do patrimônio estatal, nem ocorre, de nenhum modo, encargo para a Administração.

24. No caso concreto não se pode, evidentemente, levar o princípio da legalidade ao exagero de confinar o Estado à autorização específica da lei. Não se trata de aplicar às avessas a prerrogativa da legalidade assegurada às pessoas privadas no inciso II do art. 5º da carta política. Cuida-se, isto sim, de desenvolver atividades administrativas inerentes às funções executivas do próprio Estado, cuja prática a Constituição, embora pudesse, não condicionou à licitação pública.

DESASSISADA CASSANDRICE

25. Ciente da tibieza do fundamento da legalidade, a petição inicial parte para a idéia da suspeição de todo o Poder Judiciário. A inicial não receia a suspeição, ou o impedimento, deste o daquele Juiz, mas de todo o Poder, como se vê neste trecho eloquentemente sinistro:

“o ingresso de recursos privados no seio do Poder Judiciário compromete sua independência e imparcialidade. O Projeto Justiça Sem Papel, como idealizado, ingressará nas entranhas da jurisdição, de modo muito profundo. Deste modo, deve ser financiado com recursos públicos” (p. 17 daquela peça).

26. Não foi feliz a inicial nesse ponto. Ninguém precisa debater-se em argumentos de tomo para sustentar a verdade trivial de que uma doação de dinheiro da SOUZA CRUZ, não à UNIÃO FEDERAL, mas à “Fundação Getúlio Vargas”, entidade de direito privado igual à doadora, para o “Projeto Justiça Sem Papel”  uma experiência, de melhoria da infra-estrutura de um seguimento da máquina jurisdicional possa contaminar com o vírus insidioso da suspeição um Judiciário inteiro.

DECISÃO JUDICIOSA

27. Some-se a tudo isso os argumentos apresentados pela douta decisão de primeira instância, que rejeitou o pedido de tutela antecipada formulado pelo agravado. Com efeito, assinalou o MM. Juízo a quo:

a) o programa “Justiça Sem Papel” não constitui uma imposição à UNIÃO;

b) cuida-se de utilização inteiramente gratuita do projeto, semelhante à doação;

c) ausência de vício no que pertine à formalização do instrumento celebrado pelas partes;

d) absoluta inexistência de despesas por parte da UNIÃO, que não terá nenhum ônus; e

e) falta de periculum in mora e verossimilhança da tese do Ministério Público, pois não há prova de que o projeto esteja comprometendo a independência e imparcialidade do Poder Judiciário.

28. Como se vê, não são poucas as razões pelas quais deve ser revista a r. decisão ora agravada. Ao contrário do que somente agora se concluiu, não existe ilegalidade na conduta da agravante e das demais participantes do projeto “Justiça Sem Papel”.

ENDOSSO INDEVIDO

29. Com todas as vênias, da lavra embora de eminente Desembargador, cujos méritos se conhecem, não se pode concordar com a r. decisão agravada quando ela afirma, na sua p. 13, que “o almejado ‘Projeto Justiça Sem Papel’ não deve envolver-se em parcerias espúrias, moralmente reprováveis e constitucionalmente repudiadas, a ponto de comprometer o bom nome, a moralidade e o grandioso Papel da Justiça, garantido e consagrado pelos comandos da legalidade e da Constituição da República Federativa do Brasil.”


30. Será o augusto Poder Judiciário frágil ao ponto de se decompor num processo de parcialidade e dependência apenas porque para a efetivação de um convênio do qual participa, um dos convenentes, pessoa jurídica de direito privado, destinou uma quantia, não aos cofres dele, mas aos atos de um projeto de interesse geral?

31. Registre-se com toda a ênfase que o Judiciário não receberá um tostão furado da Souza Cruz, já que a importância por ela destinada à remuneração do projeto “Justiça Sem Papel” será depositada na conta-corrente da FGV de nº 11.747-1, agência 0287-9, do Banco do Brasil…”, como ficou escandidamente escrito no item 3.5 do instrumento do convênio, já nos autos deste agravo de instrumento.

32. Com a ressalva de que nem ela nem seus patronos representam a terceira ré, a ora agravante não pode abster-se da estranheza de que a r. decisão ora agravada transforma em um dos seus elementos a censura à atividade da Souza Cruz. Tem-se aí o Estado, por um de seus Poderes, a condenar a atividade geradora de tributos que ele arrecada por meio de outro. Seria o caso de estender-lhe a sentença do filósofo Padre Leonel Franca, segundo quem muitas vezes vive-se do que se nega para não morrer do que se afirma.

33. Diga-se, ainda, numa breve consideração, que nenhum dos dispositivos invocados na inicial sustenta os pedidos do autor. Trata-se de normas genéricas, ademais, sem incidência na hipótese, como é o caso do art. 2º da Constituição da República, invocado na inicial e na v. decisão ora recorrida. Não se sabe de que modo o convênio e o seu projeto “Justiça Sem Papel” estaria interferindo na harmonia e no equilíbrio dos três poderes.

NEM APARÊNCIA NEM PERIGO

34. As razões apresentadas aqui – e melhores terão seguramente os nobres Desembargadores – desconvencem da possibilidade de existir, mesmo só na aparência, algum direito tutelável. Afinal, nem existe necessidade de autorização legislativa específica para que a União, por um segmento do seu Ministério da Justiça (a secretaria de reforma do Judiciário), coordene um convênio nem, muito menos, ocorre a possibilidade de comprometimento da imparcialidade e independência de um Poder, que tem por apanágio a elevada estatura moral dos seus Juízes, de todas as instâncias.

35. Por outro lado, se periculum in mora existe é o risco do comprometimento do projeto ora em curso, de que só podem resultar benefícios para todos os jurisdicionados. O prosseguimento do projeto não prejudica ninguém, inclusive porque procedente a demanda fácil seria apagar-lhe os resultados, bastando não se adotarem as medidas decorrentes da sua aplicação. A sustação do prosseguimento do projeto, essa sim, o tornará irremediavelmente imprestável, sem possibilidade de qualquer aproveitamento na hipótese de não se acolherem os pedidos do autor.

36. Por estas razões, confia a recorrente no conhecimento e provimento deste agravo para que se reforme a v. decisão impugnada, indeferindo-se a liminar que ela concedeu.

Brasília, 18 de maio de 2005

Sergio Bermudes

OAB/RJ 17.587

Evandro Pertence

OAB/DF 11.841

Bruno Calfat

OAB/RJ 105.258

Frederico Ferreira

OAB/RJ 107.016

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