Juizado aéreo

Juizado camufla responsabilidade das companhias aéreas

Autor

  • Antonio Baptista Gonçalves

    é advogado pós-doutor em Desafios en la postmodernidad para los Derechos Humanos y los Derechos Fundamentales pela Universidade de Santiago de Compostela pós-doutor em Ciência da Religião pela PUC/SP pós-doutor em Ciências Jurídicas pela Universidade de La Matanza.

17 de outubro de 2007, 0h00

Mais uma criação emergencial foi inserida na realidade jurídica nacional: Os Juizados Especiais Aéreos. Em funcionamento nos grandes aeroportos do Brasil desde o dia 8 de outubro essa nova modalidade de Juizado tem por finalidade dirimir os conflitos oriundos de desacordos entre passageiros e companhias aéreas.

A criação dessa modalidade de Juizado surge como mais um dos malfadados elementos solucionantes de uma política de emergência adotada em decorrência dos ocorridos ao longo dos últimos doze meses, nos quais a realidade aérea se mostrou pessimista e também traumática para os consumidores aéreos brasileiros.

Os dois acidentes que vitimaram centenas de pessoas corroboraram para expor as deficiências do sistema de controle do tráfego aéreo nacional, e com isso, não foi de se estranhar os conseqüentes atrasos e cancelamentos de vôos.

Quando acontecimentos não previstos modificam uma planificação existem duas possibilidades: contornar as adversidades ou mostrar despreparo e sucumbir. No caso nacional houve a demonstração clara de que o passageiro sucumbiu ante a crise.

O caos aéreo deflagrou que algumas falhas eram inerentes à malha aérea nacional, todavia, estavam camuflados e diluídos no cotidiano da Anac e da Infraero. Quando ocorreu o acidente com o avião da Companhia aérea GOL somado a greve dos controladores de vôo, os aeroportos de todo o país começaram a conviver com constantes atrasos e também com cancelamento de vôos.

Para ser considerado um atraso o período de espera deve ser superior a 60 minutos, ou seja, quando o vôo demorar menos do que este período o entendimento é de que a aeronave partiu no horário.

Somados aos atrasos rotineiros e constantes ocorreu, em julho, o fatídico acidente com a aeronave da TAM, no aeroporto doméstico de Congonhas em São Paulo, que resultou num incremento do já existente caos nos horários de partida e chegada dos aeroportos.

Cientes de que uma solução célere não seria possível, as autoridades nacionais desenvolveram um plano de alteração das rotas nacionais, numa intenção de diminuir a quantidade de vôos que passam pelo aeroporto doméstico de São Paulo — Congonhas — e outros tantos vôos foram transferidos para o aeroporto internacional de Guarulhos — Cumbica.

No entanto, duas situações se camuflaram, com rara maestria, em meio a toda esta crise: overbooking e a responsabilidade das companhias aéreas.

Quando do ápice do caos aéreo era incerto a um viajante saber com exatidão o horário que iria viajar, e o pior, se de fato sua aeronave iria decolar, pois seu vôo poderia ser sumariamente cancelado.

Com o cancelamento de inúmeros vôos nesse período, não rara era a inserção de passageiros do vôo cancelado no subseqüente, numa tentativa de garantir que as pessoas chegassem a seus destinos ainda que com um considerável atraso.

O resultado foi o florescimento de um novo sentimento nos consumidores: resignação. Os passageiros já se dirigiam ao aeroporto cientes de um possível atraso e, ao invés de procurarem obter uma indenização ou buscar a responsabilização da companhia pelo atraso, apenas torciam para que ao menos o vôo não fosse cancelado.

Quando as pessoas se preocupam mais em viajar do que em controlar as razões de um atraso existe a possibilidade de inserção de uma situação pretendida, mas não evidente, qual seja: a venda de mais passagens do que uma aeronave comporta, o denominado overbooking.

Quando uma companhia está consciente de que existirão atrasos em seus vôos ao longo do dia e, ainda assim, continua vendendo bilhetes sem informar, em primeiro plano, o atraso existe uma ruptura da relação contratual no âmbito consumerista.

As relações de consumo, em consonância com o Código Civil são regidas em conformidades com três princípios: boa-fé, função social e acordo de vontade.

No caso da venda de um ticket aéreo é fundamental a presença desses três elementos, e de que forma?

Inicialmente informando o passageiro quanto ao horário em que o vôo irá decolar, além disso, o preço a ser cobrado pela passagem e a duração da viagem.

Intrigante, afinal todos esses procedimentos são regiamente cumpridos quando da venda do bilhete não é mesmo? Em verdade, a concretude é parcial, porque as únicas informações completamente corretas são: o preço a ser pago e a duração da viagem.

Quanto à pontualidade do vôo e os problemas existentes no aeroporto, tais informações nem sempre são fornecidas ao passageiro. Quando do atraso, existem respostas padrões como: no momento não possuímos nenhuma informação sobre os motivos do atraso e nem por quanto tempo este irá perdurar, ou a já consagrada: existe um problemas no aeroporto, e no momento, não possuímos maiores detalhes.

Como a empresa aérea transmite um sentido de solidariedade ao passageiro se cria uma falsa realidade de que a empresa não tem qualquer responsabilidade sobre o atraso.

O que não reflete os mandamentos do Código de defesa do consumidor e, tampouco o Código Civil. No artigo 927 é explicita a responsabilidade civil objetiva das companhias aéreas. Tal fato demonstra que, independentemente de culpa, a companhia aérea é responsável pelos danos causados aos consumidores.

Por conta disso, as empresas aéreas devem ser responsabilizadas quando da prática de overbooking e demais problemas atinentes ao fornecimento de produtos aos consumidores.

As autoridades nacionais, numa atitude condescendente criou o Juizado nos aeroportos para que as pendengas entre passageiro e empresa sejam dirimidas já no momento em que ocorrerem.

O saldo é de que apenas 31% dos problemas foram resolvidos. Ademias, os Juizados não funcionam em período integral, por isso uma pergunta surge: a solução foi criada a contento?

A resposta é negativa, porque denota apenas uma solução que possibilita a criação de mais um sentimento aos passageiros: o da ilusão.

Agora, o consumidor aéreo terá a falsa impressão de que seus direitos serão respeitados quando, na verdade, a responsabilidade da empresa já é presumida sendo devido um pleito indenizatório.

O Juizado é uma condescendência às próprias companhias. Até quando o consumidor será iludido? E quando será o momento de lutar pelo respeito ao qual é imperioso nas relações de consumo?

Autores

  • é advogado, doutorando em Filosofia do Direito (PUC), mestre em Filosofia do Direito (PUC), especialista em Criminologia pelo Istituto Superiore Internazionale di Scienze Criminali, especialista em Direito Penal Econômico Europeu pela Universidade de Coimbra, pós-graduado em Direito Penal — Teoria dos Delitos (Universidade de Salamanca), pós-graduado em Direito Penal Econômico na Fundação Getúlio Vargas.

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