STF devolve só 26% dos recursos por falta de repercussão
6 de março de 2008, 19h31
A aplicação da Repercussão Geral pelo Supremo Tribunal Federal, quase um ano depois de sua regulamentação, revela que era infundado o receio de que o instituto cercearia o acesso à Justiça. É o que se conclui da análise dos 38 primeiros casos em que a repercussão foi analisada.
O levantamento mostra que em 74% dos casos (29 recursos), os ministros entenderam que o tema merece atenção do tribunal – ou seja, o interesse da matéria transcende o interesse das partes. Somente 26% dos recursos (nove casos) receberam a negativa dos ministros — leia aqui o levantamento completo.
Graças à Repercussão Geral, o Pleno não precisou decidir, por exemplo, se cabe dano moral para torcedor que se sentiu prejudicado com o rebaixamento de seu time (RE 565.138) ou se o Estado tem de indenizar por emitir CPF em duplicidade (RE 570.846). Também decidiu que não há repercussão na possibilidade de redução de multa quando a sentença já transitou em julgado (RE 556.385) ou na obrigatoriedade da colocação de semáforos em faixas de pedestres (RE 565.506).
Das matérias que mais receberam o carimbo da Repercussão Geral, destacam-se as de Direito Tributário. Elas somam 12 casos. Depois vêm as de Direito Administrativo, com nove processos. Segundo o constitucionalista José Levi Melo do Amaral Júnior, as matérias têm repercussão por causa do espaço destinado a elas na Constituição Federal. "Nossa Constituição contempla várias normas de Direito Público e Tributário, por isso o destaque", afirma.
Uma das matérias tributárias que ganhou o carimbo da Repercussão Geral discute se a contribuição social pode incidir sobre o lucro líquido da exportação (RE 564.413). Outra, que mexe com o bolso de milhares de brasileiros, é a repetição de indébito do Imposto de Renda. Neste processo (RE 561.908), os ministros vão discutir quanto tempo o cidadão tem para reclamar o imposto que pagou a mais.
Foi também definida a repercussão de questões de ordem social, como o direito à saúde e o dever do Estado, no qual se discute a obrigação de fornecer medicamentos à população pelo Sistema Único de Saúde. Todos esses temas selecionados devem passar por julgamento no Plenário do Supremo.
Direito Civil e Constitucional aparecem em terceiro e quarto lugares no ranking, respectivamente. Os ministros se debruçaram sobre apenas uma matéria de Direito Trabalhista e avaliaram que nela havia repercussão. Trata-se da execução de contribuição previdenciária em sentença declaratória pela Justiça do Trabalho (RE 569.056).
Temas | |
Matéria | Recursos Extraordinários |
Administrativo | 13 casos |
Tributário | 13 casos |
Civil | 8 casos |
Constitucional | 3 casos |
Trabalho | 1 caso |
Aplicação da repercussão por temas | ||
Matéria | Repercussão | |
Há | Não há | |
Tributário | 12 casos | 3 casos |
Administrativo | 9 casos | 4 casos |
Civil | 6 casos | 2 casos |
Constitucional | 1 caso | 2 casos |
Trabalho | 1 caso | 0 caso |
O ministro Marco Aurélio é o que mais requer a aplicação da Repercussão Geral. Ele analisou 15 recursos. E, em todos, votou pela aplicação da ferramenta. Cármen Lúcia foi a primeira a suscitar a aplicação do instrumento e a segunda que mais pediu a análise da repercussão das matérias. E votou mais pela devolução das causas. A ministra foi relatora em 11 Recursos Extraordinários. Destes, votou pela não-aplicabilidade da repercussão em seis dos casos.
Os ministros Gilmar Mendes, Joaquim Barbosa e Carlos Britto foram relatores de casos de repercussão em apenas um recurso, cada um. Neles, reconheceram a relevância da matéria. Menezes Direito, Eros Grau e Ricardo Lewandowski também foram relatores. Direito aplicou a repercussão em dois recursos e não aplicou em outros dois. Eros Grau aplicou a repercussão em dois REs. Lewandowski entendeu pela repercussão em dois processos e pela não-relevância da matéria em um.
Temas | |
Matéria | Recursos Extraordinários |
Marco Aurélio | 15 casos |
Cármen Lúcia | 11 casos |
Menezes Direito | 4 casos |
Eros Grau | 2 casos |
Lewandowski | 3 caso |
Gilmar Mendes | 1 caso |
Joaquim Barbosa | 1 caso |
Carlos Britto | 1 caso |
Aplicação da repercussão por ministro relator | ||
Ministro | Repercussão | |
Há | Não há | |
Marco Aurélio | 15 casos | 0 caso |
Cármen Lúcia | 5 casos | 6 casos |
Menezes Direito | 2 casos | 2 casos |
Eros Grau | 2 casos | 0 caso |
Lewandowski | 2 casos | 1 caso |
Gilmar Mendes | 1 caso | 0 caso |
Joaquim Barbosa | 1 caso | 0 caso |
Carlos Britto | 1 caso | 0 caso |
Como funciona
O princípio da Repercussão Geral permite que o STF deixe de julgar casos sem relevância social, econômica, política ou jurídica e dedique mais tempo aos recursos extraordinários que discutem questões constitucionais e que ultrapassem o interesse subjetivo das partes do processo. A repercussão não tira do cidadão o direito de recorrer de uma decisão judicial, uma vez que é livre o recurso para os tribunais locais.
Quando o STF declara a existência da Repercussão Geral em um determinado tema, os tribunais locais (estaduais e federais) suspendem o envio de recursos semelhantes até que o Plenário julgue o caso, diminuindo assim o fluxo de processos. Depois do julgamento definitivo no Supremo, o resultado deve ser aplicado aos demais processos de idêntico conteúdo pelas instâncias inferiores. Todas essas práticas e regras estão previstas na Lei 11.418/07, que regulamentou a repercussão impondo alterações ao Código de Processo Civil e ao regimento interno do Supremo.
Plenário eletrônico
A fórmula para reconhecimento de Repercussão Geral, que precisa de maioria de oito votos do Plenário para a rejeição de um recurso, parecia ser um empecilho inicialmente. Muito se discutiu sobre seu funcionamento na prática.
As possíveis dificuldades foram logo vencidas graças à tecnologia que permite aos ministros a discussão da repercussão por meio eletrônico. Trata-se de uma votação virtual onde o relator deposita seu voto na intranet do Supremo e, posteriormente, os colegas, no mesmo sistema, dão seu voto sobre o tema. Um ministro não precisa esperar o outro terminar de votar para que o processo venha ao seu gabinete. É possível a votação simultânea da questão.
A votação fica aberta por 20 dias. O relator fundamenta sua decisão, que já vale como acórdão dependendo do resultado da votação. Depositados os votos, a Secretaria Judiciária reúne o resultado e colhe assinatura do acórdão com o relator. Todas as decisões do STF sobre Repercussão Geral serão publicadas no Diário da Justiça Eletrônico.
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