Vedação a capital estrangeiro não inclui laboratórios
19 de agosto de 2011, 17h12
Laboratórios clínicos e empresas de medicina diagnóstica do país têm sofrido questionamentos por parte de concorrentes sob o argumento de que não poderiam operar no setor de saúde por possuírem sócios estrangeiros. Nesse sentido, empresas com capital estrangeiro têm sido impedidas de participar de licitações públicas para a contratação de serviços laboratoriais de análise clínica e diagnóstica, pois a participação estrangeira seria ilegal.
Esse argumento teria fundamento nas restrições legais impostas à participação de estrangeiros no capital de sociedades que operam no setor de assistência à saúde. Nos termos do artigo 199, parágrafo 3º, da Constituição Federal, conquanto a assistência à saúde seja livre à iniciativa privada, empresas ou capitais estrangeiros não podem participar, direta ou indiretamente, na assistência à saúde no país, salvo nos casos previstos em lei. Tal vedação também possui amparo legal na lei que disciplina o Sistema Único de Saúde (SUS), a “Lei do SUS”.
Primeiramente, é importante destacar que essa vedação é juridicamente questionável, tendo em vista ser contrária ao espírito da Emenda Constitucional 6/2005, que eliminou de nosso ordenamento jurídico qualquer tipo de discriminação entre empresas constituídas no país com capital nacional ou estrangeiro. Além disso, a vedação é totalmente inadequada, na medida que impõe uma reserva de mercado no setor de assistência à saúde que não apenas contraria o papel cada vez mais relevante que o país vem desempenhando na economia mundial, como resulta em ineficiências injustificáveis, já que impede que hospitais, centros médicos e odontológicos sejam beneficiados por investimentos estrangeiros que poderiam resultar no incremento da eficiência dos serviços e na melhoria das tecnologias aplicadas na recuperação da saúde.
Para agravar a situação, empresas têm sido impedidas de participar de licitações após decisões ilegais e arbitrárias de certos órgãos da administração pública devido a interpretações equivocadas ou extensivas do termo “assistência à saúde”, cuja definição não foi dada pela Constituição ou pela Lei do SUS, o que acaba gerando grande insegurança jurídica.
Ora, o conceito de saúde é extremamente amplo, o que requer muito critério por parte dos órgãos públicos no momento de decidir sobre a aplicabilidade do artigo 199 da Constituição a determinado caso concreto. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, o conceito de saúde não se limita apenas à ausência de doenças, mas ao completo estado de bem-estar físico, mental e social. Nesse contexto, tomando ao pé da letra o termo “assistência à saúde”, a restrição ao capital estrangeiro contida na Constituição deveria incluir laboratórios farmacêuticos, fabricantes de equipamentos médicos, clínicas de nutrição, prestadoras de serviços de saneamento básico e até mesmo academias de ginástica, o que beira o absurdo!
Nessa linha, alguns entendem que aquelas atividades em que há a relação direta médico-paciente com vistas à preservação e recuperação da saúde, devem ser considerados estabelecimentos nos quais há “assistência à saúde” por excelência, sendo aplicável nesses casos o artigo 199, parágrafo 3º, da Constituição Federal.
Por outro lado, estabelecimentos que prestam serviços auxiliares da assistência à saúde ou de apoio à medicina, tais como laboratórios de análises clínicas, de diagnósticos por imagem, nutrição, fisioterapia, locação de equipamentos médicos, dentre outros correlatos, não devem ser entendidos como estabelecimentos de assistência à saúde. Isso porque não realizam atendimentos ou tratamentos diretos, caracterizados pela relação médico/paciente na preservação ou recuperação da saúde, mas desempenham atividades auxiliares solicitadas pelo médico, para que este possa atender ao paciente.
Dessa forma, serviços de análise clínica e diagnóstica devem ser considerados instrumentos de apoio médico, o que descaracteriza, a nosso ver, a aplicação da vedação constitucional do artigo 199, parágrafo 3º.
Os exames realizados em laboratórios clínicos e diagnósticos são realizados apenas porque houve um pedido médico, oriundo da relação médico-paciente nesse sentido. Em geral, é necessária uma consulta prévia, na qual o médico poderá requisitar exames que poderão ser realizados por laboratórios clínicos e diagnósticos. A finalidade dos exames laboratoriais é complementar o diagnóstico do paciente, auxiliando o profissional de saúde a identificar as causas da doença e indicar o melhor tratamento.
Assim, em sendo essas atividades meramente auxiliares ou de apoio à assistência à saúde, estão fora do escopo da vedação ao capital estrangeiro. Nesse sentido, não há que se questionar a atuação de empresa com capital estrangeiro que preste serviços laboratoriais de análise clínica e diagnóstica, nem mesmo cogitar de sua inabilitação em licitações para contratação desse tipo de serviços.
Tais fatos levam à conclusão de que a vedação constitucional ao capital estrangeiro na assistência à saúde, enquanto tida como constitucional, deve ser interpretada caso a caso e de forma criteriosa, observando-se os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, sob pena de provocar incertezas, restringir injustificadamente a livre concorrência e, ainda, afugentar importantes investimentos internacionais em atividades de saúde que estejam fora do escopo da vedação.
Lauro Celidonio Neto
Rosoléa Miranda Folgosi
Paulo Eduardo Lilla
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