Julgamento virtual restringe garantia de publicidade das sessões
5 de junho de 2014, 17h30
A Resolução 549/2011 do Tribunal de Justiça de São Paulo prevê a possibilidade de julgamento virtual nos recursos de agravo de instrumento, agravos internos ou regimentais e embargos de declaração, sempre após ciência prévia das partes no processo — que poderão se opor à forma de julgamento, em cinco dias, ainda que sem motivação. No caso de recurso de apelação, bem como nos de mandados de segurança e Habeas Corpus de competência originária da Corte, o referido prazo é de dez dias.
O julgamento virtual é conduzido mediante troca de mensagens eletrônicas entre os integrantes da turma julgadora, inclusive no que diz respeito a eventual voto divergente. Os debates entre os desembargadores nas sessões públicas de julgamento (e a própria publicidade da sessão, a bem da verdade) ficam substituídos, na prática, por comunicação escrita à qual as partes em princípio não têm acesso (à exceção dos votos propriamente ditos).
A medida é ponderável sob a ótica de imprimir celeridade aos julgamentos da Corte — o objetivo daquele ato administrativo é confessadamente o julgamento mais rápido dos recursos. De resto, a Emenda Constitucional 45/2004 acrescentou o inciso LXXVIII ao artigo 5º da Constituição Federal, justamente para assegurar “a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.
Todavia, nem mesmo a lei estadual poderia dispor sobre assunto que, rigorosamente, é norma processual — matéria da competência exclusiva da União (Constituição, artigo 22, I). Por certo há matérias processuais sobre as quais o próprio Tribunal pode (e deve) dispor em seu regimento ou em resoluções, mas delimitar a publicidade dos julgamentos não está nesse rol, em razão da importância fundamental dessa garantia processual.
Ora, a Constituição garante solenemente que “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem.” (art. 5º, LX). Ademais, no artigo 93 da Constituição o inciso IX é categórico: “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação.”
Desde logo se percebe que na Constituição a publicidade dos julgamentos é condição essencial da atividade jurisdicional. É tão relevante que a transgressão a essa garantia acarreta nulidade — o que não ocorre se o julgamento atentar meramente contra a “duração razoável” do processo. Por mais importante que seja um julgamento rápido (sobretudo nas condições atuais de nossos Tribunais), a Constituição trata a publicidade como regra indisponível, e o sigilo como exceção subordinada ao direito de intimidade das partes.
Com efeito, a publicidade do julgamento não é garantia apenas das partes no processo. Trata-se de ferramenta de fiscalização popular da atividade jurisdicional. É intuitivo, portanto, que o conflito entre os postulados da celeridade processual e da publicidade dos julgamentos deve ser resolvido a partir da prevalência deste último sobre o primeiro. É sempre preferível estender o conceito de “duração razoável” do processo (em prejuízo das partes no feito) se isso puder assegurar a publicidade no julgamento (que beneficia a todos).
A Resolução 549/2011 do Tribunal de Justiça de São Paulo não prevê o direito de manifestação contrária ao julgamento virtual por parte de terceiros que não as partes no processo, no que deixa sem proteção a garantia de publicidade no julgamento: o postulado constitucional, mesmo sendo um direito indisponível e um dever da Corte, passa a ser tratado como uma possibilidade dependente apenas da manifestação de vontade das partes no processo.
Sem meias palavras, o julgamento virtual não é apenas um julgamento no qual a sessão deixa de ser pública (e passa a ser secreta). É um julgamento onde não se sabe se haverá sessão. Não há como assegurar o acompanhamento simultâneo dos debates por parte dos próprios julgadores, e fica prejudicada a oralidade que decorre da sessão pública de julgamento. Como é mais trabalhoso escrever as mensagens eletrônicas ao invés de debater oralmente as ideias, e dado que a leitura das mensagens também demanda tempo, custa acreditar que o julgamento virtual contemplará os mesmos benefícios — e a própria agilidade — dos debates na sessão pública.
Uma tendência que se pode vislumbrar no julgamento virtual é a de que a troca de ideias entre os julgadores (mesmo que através de mensagens eletrônicas) ceda espaço, com o tempo, à produção mais acelerada de julgamentos padronizados, até para justificar um resultado palpável na implementação dessa nova medida.
Ninguém é contra um julgamento mais rápido, mas isso não se pode conquistar pela eliminação de etapas no processo, nem pela redução do conteúdo de garantias constitucionais.
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