Empresa que não intercepta mensagens criptografadas não pode ser multada, diz STJ
30 de dezembro de 2020, 11h20
A 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça considerou ilegal a aplicação de multa contra uma empresa que, alegando impedimento de ordem técnica, deixou de cumprir determinação judicial para interceptar mensagens trocadas em aplicativo por pessoas suspeitas de atividades criminosas.
A posição da 3ª Seção foi manifestada na análise de recurso em que a empresa pediu a suspensão de multa imposta em virtude do desatendimento à ordem de quebra de sigilo e interceptação telemática de contas do aplicativo de mensagens, determinada no curso de investigação criminal. O Tribunal de Justiça de Rondônia entendeu que a empresa não comprovou a impossibilidade técnica.
No recurso ao STJ, a empresa apontou que estão pendentes de julgamento no Supremo Tribunal Federal a ADI 5.527 e a ADPF 403, nas quais se discute, sob o ponto de vista constitucional, a mesma questão relacionada à criptografia de ponta a ponta. Segundo ela, não há nada no processo que demonstre sua capacidade técnica de interceptar conversas protegidas por criptografia — cujo uso é autorizado e incentivado pela legislação brasileira.
Distinção
O ministro Ribeiro Dantas, autor do voto que prevaleceu no julgamento, recordou que a 3ª Seção já definiu a possibilidade de imposição de multa para compelir pessoa jurídica estrangeira que opera no Brasil — como no caso em discussão — a fornecer dados de usuários exigidos pela Justiça em apurações criminais.
Porém, destacou que é preciso fazer uma distinção entre aquele precedente e o caso em análise, diante da existência da criptografia de ponta a ponta e da alegação de impossibilidade técnica.
De acordo com o ministro, a criptografia transforma dados antes visíveis em mensagens codificadas impossíveis de serem compreendidas por agentes externos. No caso da criptografia de ponta a ponta, há proteção dos dados nas duas extremidades do processo, tanto no polo do remetente quanto no do destinatário.
"Não obstante a complexidade técnica, a resposta jurídica deve ser simples e direta: sim, é possível a aplicação da multa, inclusive nessa hipótese; ou, por outro lado, não, a realização do impossível, sob pena de sanção, não encontra guarida na ordem jurídica. Note-se que não há espaço hermenêutico para um meio-termo", declarou Ribeiro Dantas.
Responsabilidade jurídica
Mesmo observando que ninguém pode ser obrigado a fazer o impossível, o ministro comentou que "o direito nem sempre se contenta com o nexo natural das coisas, ou seja, a responsabilidade jurídica nem sempre é derivada do raciocínio lógico''.
Na opinião do magistrado, seria juridicamente possível a imposição da multa, mesmo diante da impossibilidade de quebra do sigilo em razão da criptografia, porque o defeito no serviço — no caso, "a obstrução de uma medida legítima, reconhecida inclusive pela Constituição: fornecimento de dados para persecução penal" — decorre da exploração da atividade lucrativa desenvolvida normalmente pela empresa.
Para Ribeiro Dantas, quando a própria empresa se põe na situação de não poder identificar o conteúdo requisitado pela Justiça — conteúdo importante para a solução de crimes e cujo sigilo pode ser legalmente quebrado —, seria razoável proibi-la de alegar um obstáculo que ela mesma criou em sua finalidade de lucro. Afastar a responsabilidade da empresa em tal situação, continuou o ministro, poderia incentivar os crimes praticados com o uso dessa tecnologia.
Liberdade de expressão
Ao mesmo tempo, ele afirmou que a empresa que fornece aplicativo de mensagens, ao assegurar a privacidade da comunicação por meio da criptografia, está protegendo a liberdade de expressão, direito fundamental reconhecido expressamente na Constituição.
Ribeiro Dantas mencionou que, nos julgamentos do STF sobre a ADI 5.527 e a ADPF 403 (ainda não concluídos), os ministros Rosa Weber e Luiz Edson Fachin, respectivamente, abordaram o tema com foco no direito à liberdade de expressão e na preservação da intimidade em uma internet segura.
"Tanto o ministro Edson Fachin quanto a ministra Rosa Weber, ao fim de seus votos, chegam, ambos, à mesma conclusão: o ordenamento jurídico brasileiro não autoriza — em detrimento da proteção gerada pela criptografia de ponta a ponta em benefício da liberdade de expressão e do direito à intimidade — sejam os desenvolvedores da tecnologia multados por descumprirem ordem judicial incompatível com encriptação", destacou Dantas.
"Embora chamando atenção para os graves aspectos que neste meu voto inicialmente levantei, curvo-me aos argumentos apresentados pelos eminentes ministros Rosa Weber e Edson Fachin, os quais representam, ao menos até a presente altura, o pensamento do Supremo Tribunal Federal na matéria", concluiu. Com informações da assessoria de imprensa do Superior Tribunal de Justiça.
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