Opinião

Da necessidade de atualização do Tema 1.170 do STF

Autor

  • é servidor efetivo do TJ-AL assessor judiciário do gabinete do des. Carlos Cavalcanti de Albuquerque Filho (TJ-AL) e integrante da Comissão Permanente de Revisão e Aperfeiçoamento do Regimento Interno do TJ-AL.

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22 de maio de 2025, 19h37

O plenário do Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do Tema 1.170 (validade dos juros moratórios aplicáveis nas condenações da Fazenda Pública, em virtude da tese firmada no RE 870.947 — Tema 810), fixou a seguinte tese:

“É aplicável às condenações da Fazenda Pública envolvendo relações jurídicas não tributárias o índice de juros moratórios estabelecido no art. 1º-F da Lei n. 9.494/1997, na redação dada pela Lei n. 11.960/2009, a partir da vigência da referida legislação, mesmo havendo previsão diversa em título executivo judicial transitado em julgado.”

A referida tese foi fixada em Sessão Virtual ocorrida entre 1º e 11 de dezembro de 2023.

EC 113/2021 e revogação tácita do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97

O artigo 1º-F da Lei nº 9.494/1997, com redação dada pela Lei nº 11.960/2009, estabelecia que:

“Nas condenações impostas à Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, remuneração do capital e compensação da mora, haverá a incidência uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança.”

Contudo, a Emenda Constitucional nº 113/2021, em seu artigo 3º, dispôs que:

“Nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), acumulado mensalmente.”

Verifica-se, portanto, evidente revogação tácita do artigo 1º-F da Lei nº 9.494/1997 pelo artigo 3º da EC 113/2021, em conformidade com o disposto no § 1º do artigo 2º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei nº 4.657/1942), segundo o qual “a lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior”.

Spacca

Defasagem da tese do Tema 1.170 do STF

Evidencia-se que a tese fixada no Tema 1.170 nasceu desatualizada, considerando-se que não incorporou a alteração promovida pela Emenda Constitucional nº 113/2021, não obstante a sessão de julgamento ter ocorrido em dezembro de 2023, ou seja, aproximadamente dois anos após a promulgação da referida emenda, em 9/12/2021.

Constata-se, igualmente, que a própria jurisprudência do STF já reconhece a aplicabilidade imediata da taxa Selic a partir da vigência da EC 113/2021. Em decisão monocrática proferida nos autos do ARE 1513879/PB, o relator do Tema 1.170, ministro Nunes Marques, deu provimento ao recurso “para determinar que a correção monetária observe, na espécie, o disposto no art. 3º da EC n. 113/2021, a partir da data de vigência dessa emenda”.

Na referida decisão, o ministro Nunes Marques fundamentou que:

“Relativamente à atualização, o pronunciamento recorrido afastou a incidência do art. 3º da Emenda Constitucional n. 113/2021 sob o fundamento de que o débito se refere a diferenças salariais relacionadas a competências de pagamento anterior a 19 de junho de 2019, a não atrair o que previsto na alteração constitucional posterior.

No entanto, por se tratar de obrigação de trato sucessivo, consoante orienta, entre outros, o julgamento proferido no Tema nº 1.170 (RE 1.317.982), aos consectários do débito aplica-se a legislação superveniente cujos efeitos imediatos alcançam situações jurídicas pendentes, ou seja, o débito condenatório ainda não satisfeito.”

No mesmo sentido, o ministro Gilmar Mendes, em decisão monocrática no ARE 1.465.598/SP, deu provimento ao recurso para “determinar que incida a Selic como índice de correção monetária e juros de mora a partir da entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 113/2021”.

Questões de Direito Intertemporal

A aplicação dos índices de correção monetária e juros de mora às condenações da Fazenda Pública envolve três marcos temporais distintos:

1) Período anterior à Lei nº 11.960/2009 (publicada em 30/6/2009);
2) Período entre a Lei nº 11.960/2009 e a EC 113/2021 (publicada em 9/12/2021); e
3) Período posterior à EC 113/2021.

Esta complexidade intertemporal dificulta significativamente a elaboração dos cálculos nas condenações judiciais envolvendo a Fazenda Pública, tornando ainda mais necessária a atualização da tese do Tema 1.170 para que proporcione segurança jurídica aos jurisdicionados.

Mecanismo para atualização da tese fixada no Tema 1.170

O § 4º do artigo 927 do CPC/2015 estabelece que “a modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese adotada em julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia”.

Complementarmente, o artigo 45 da Recomendação 134/2022 do CNJ [1] estabelece que “a superação da tese jurídica firmada no precedente pode acontecer de ofício, pelo próprio tribunal que fixou a tese, ou a requerimento dos legitimados para suscitar o incidente, isto é, pelas partes, pelo Ministério Público ou pela Defensoria Pública”.

Portanto, verifica-se que o próprio STF pode, de ofício, atualizar a Tese 1.170 para harmonizá-la com o artigo 3º da EC 113/2021.

Conclusão e propostas

Diante do exposto, conclui-se que a tese fixada no Tema 1.170 do STF necessita ser atualizada para incorporar a alteração promovida pelo artigo 3º da EC 113/2021, bem como para delimitar de forma didática as questões de direito intertemporal envolvidas.

Enquanto não ocorre a atualização da tese pelo STF, propõe-se:

1) a edição, pelo CNJ, de nota técnica esclarecendo a questão e explicitando que o Tema 1.170 necessita ser interpretado à luz do artigo 3º da EC 113/2021;
2) o desenvolvimento, pelo STF, CNJ ou pelo Conselho da Justiça Federal, de ferramenta de cálculo que aplique automaticamente os diferentes índices conforme os marcos temporais correspondentes.

Tais medidas contribuiriam significativamente para a segurança jurídica e a eficiência na prestação jurisdicional, evitando a proliferação de controvérsias desnecessárias e divergências interpretativas nos tribunais do país.

 


Referências

BRASIL. Constituição (1988). Emenda Constitucional nº 113, de 8 de dezembro de 2021. Brasília, DF, 2021.

BRASIL. Lei nº 9.494, de 10 de setembro de 1997. Brasília, DF, 1997.

BRASIL. Lei nº 11.960, de 29 de junho de 2009. Brasília, DF, 2009.

BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Brasília, DF, 2015.

BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Recomendação nº 134, de 16 de agosto de 2022. Brasília, DF, 2022.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 1.317.982. Relator: min. Nunes Marques. Julgamento: 1-11 dez. 2023. Tema 1.170 da Repercussão Geral.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ARE 1.513.879/PB. Relator: min. Nunes Marques. Decisão de 24 mar. 2025.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ARE 1.465.598/SP. Relator: min. Gilmar Mendes. Decisão de 5 abr. 2024.

[1] Dispõe sobre o tratamento dos precedentes no Direito brasileiro.

Autores

  • é servidor efetivo do Tribunal de Justiça de Alagoas, lotado na Vara do Único Ofício de Paripueira, membro do Núcleo de Gerenciamento de Precedentes (Nugep) do TJ-AL e do Centro de Inteligência da Justiça Estadual de Alagoas e integrante da Comissão Permanente de Revisão e Aperfeiçoamento do Regimento Interno do TJ-AL.

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