Licitação, dispensa e três orçamentos
15 de maio de 2025, 9h17
O artigo 23 da Lei 14.133/2021 adota, expressamente, a forma livre (combinada ou não) autorizando o uso de vários instrumentos de aferição do preço de mercado.
O mais comum são as três cotações com fornecedores de forma muito similar àquilo que é feito pelas empresas privadas.
A cautela obrigatória é que tais cotações sejam feitas com antecedência máxima de seis meses em relação à data do edital da licitação.
No caso de cotação de contratos administrativos esse lapso temporal é de um ano. O PNCP e bancos de notas fiscais, mídia especializada e índices oficiais também podem ser instrumentos de aferição do preço de mercado.
Assim, prevê a mencionada regra:
“Art. 23. O valor previamente estimado da contratação deverá ser compatível com os valores praticados pelo mercado, considerados os preços constantes de bancos de dados públicos e as quantidades a serem contratadas, observadas a potencial economia de escala e as peculiaridades do local de execução do objeto.
§ 1º No processo licitatório para aquisição de bens e contratação de serviços em geral, conforme regulamento, o valor estimado será definido com base no melhor preço aferido por meio da utilização dos seguintes parâmetros, adotados de forma combinada ou não:
I – composição de custos unitários menores ou iguais à mediana do item correspondente no painel para consulta de preços ou no banco de preços em saúde disponíveis no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP);
II – contratações similares feitas pela Administração Pública, em execução ou concluídas no período de 1 (um) ano anterior à data da pesquisa de preços, inclusive mediante sistema de registro de preços, observado o índice de atualização de preços correspondente;
III – utilização de dados de pesquisa publicada em mídia especializada, de tabela de referência formalmente aprovada pelo Poder Executivo federal e de sítios eletrônicos especializados ou de domínio amplo, desde que contenham a data e hora de acesso;
IV – pesquisa direta com no mínimo 3 (três) fornecedores, mediante solicitação formal de cotação, desde que seja apresentada justificativa da escolha desses fornecedores e que não tenham sido obtidos os orçamentos com mais de 6 (seis) meses de antecedência da data de divulgação do edital;
V – pesquisa na base nacional de notas fiscais eletrônicas, na forma de regulamento.”.
Dispensa: 3+1
A observação relevante é que, na dispensa, a pesquisa com três fornecedores e a contratação de um destes que forneceram os preços geraria a dúvida se o número de três se refere apenas e tão somente aos preços que serviram de parâmetro ou poderia incluir o próprio contratado.

Não há previsão clara e escancarada sobre a questão. A interpretação mais cautelosa em relação à futura fiscalização pela Corte de Contas seria pesquisar três cotações além daquela do contratado. Ou seja: a regra 3+1.
Como a lei menciona a “forma combinada ou não”, pensamos que a expressão “combinada ou não” é uma referência a todo e qualquer instrumento previsto na lei e não apenas ao rol de possibilidades previstas no artigo 23.
Outra interpretação nos levaria à conclusão de que o artigo 23 seria um rol taxativo. Porém, a própria lei já previu a forma “combinada ou não”, o que é, praticamente, denominar o rol de meramente exemplificativo. A expressão “parâmetros” reforça essa hermenêutica.
A expressão “mercado” é mencionada 36 vezes na Lei de Licitações e não há motivo racional para vincular preços de mercado apenas e tão somente ao artigo 23 numa espécie de dogma metodológico de aferição dos preços de mercado. A volatilidade dos preços inviabiliza a hermenêutica restritiva de métodos.
Portanto, a implementação do 3+1 pode se dar por inúmeras formas. Até mesmo fora dos incisos do mencionado artigo 23.
A maneira mais prática, viável e efetiva de aferir-se o preço de mercado é mediante o uso da regra do artigo 75, §3º da Lei 14.133/2021:
“§ 3º As contratações de que tratam os incisos I e II do caput deste artigo serão preferencialmente precedidas de divulgação de aviso em sítio eletrônico oficial, pelo prazo mínimo de 3 (três) dias úteis, com a especificação do objeto pretendido e com a manifestação de interesse da Administração em obter propostas adicionais de eventuais interessados, devendo ser selecionada a proposta mais vantajosa.”
A regra referida não é apenas para uma publicidade mais acentuada. É regra de aferir-se preços de mercado de forma tão ou mais eficiente do que o rol (meramente exemplificativo) do artigo 23 da Lei de Licitações.
A prática na vida real mostra que é comum que o preço, após a publicação do aviso de dispensa, costuma “despencar”. Além disso, fulmina de morte a corrupção de baixo meretrício que se implementa pelas “casadinhas” ou pequenos carteis espúrios compostos de três “licitantes” e um servidor público corrupto. O objeto desta pequena corja licitatória é criar o sobrepreço do artigo 6º, LVI da Lei 14.133/2.021
Tríplice função
A regra prevista no artigo 75,§3º tem um tríplice função: aferir preços de mercado, dar maior transparência e fixar o marco temporal das cotações de preços já que o “edital” é o marco temporal (um ano ou 6 meses de antecedência), conforme previsão do artigo 23, §1º, incisos II e IV.
Não havendo edital, a única maneira de ser computado o interregno temporal seria a efetiva contratação por dispensa. Não haveria, nesta hipótese, um edital propriamente dito que servisse de marco temporal para as pesquisas de preços.
Já tivemos oportunidade de escrever, nesta ConJur, sobre a “corrupção endêmica” que assola os setores licitatórios do país.
Pedimos licença para acrescentar aos sete pontos de combate à corrupção indicados naquele texto um oitavo ponto a ser implementado de maneira simples e eficaz que é o aviso de dispensa do artigo 75, §3º.
Inobstante a previsão da lei seja “…. preferencialmente precedidas de divulgação de aviso em sítio eletrônico oficial, pelo prazo mínimo de três dias úteis…” a interpretação mais consentânea com o princípio da competitividade e com o combate à endemia da corrupção é que ocorra a publicação, salvo se for impossível ou impraticável.
“Preferencialmente” é uma expressão que, sob a ótica do sistema licitatório, significa “em regra”, ou “sempre que possível”, ou ainda “salvo justificativa”.
Pregão, preguinho e preguíssimo
No âmbito federal, a Seges/ME nº 67, de 8 de julho de 2021 estabeleceu um “pregão simplificado” que foi batizado de “preguinho”.
O “preguinho” não é uma modalidade de licitação já que não tem previsão expressa na Lei de Licitações. É, porém, eficiente método de pesquisa rápida dos preços de mercado.
É um mimetismo licitatório que faz uma espécie de “tomografia” dos preços reais que são praticados no mercado. Nada impende que a aferição de preços ocorra pelo “choque de realidade” de uma pesquisa que reproduz uma licitação.
Carolina Z. Zockun e Flávio G. Cabral explicam, com maior clareza, o “preguinho” conforme já publicado nesta ConJur.
Pedimos licença para batizar o “preguinho” ainda mais simplificado (um aviso de dispensa, artigo 75,3º) de “preguíssimo” com um superlativo que denota a abreviação ainda mais acentuada do “mimetismo licitatório” de aferição de preços.
O “preguinho” tem rodada de lances (artigo 6º, IV da Inseges 67/21) e, praticamente, espelha o pregão. Já o “preguíssimo” tem uma espécie de rodada única e final de lances para aferição da realidade de mercado.
Preguinho e “preguíssimo” não são modalidades licitatórias pois a Lei 14.133/2021 (artigo 28,§2º) veda a criação, ainda que por combinação de regras, de outras modalidades licitatórias.
A vedação ocorre apenas quanto a modalidades licitatórias mas há autorização expressa de combinação e/ou criação de métodos de aferição de preços máxime quando são instrumentos eficientes de espelhar a realidade de mercado e o artigo 23 é meramente exemplificativo.
A Lei de Licitações veda a criação de novas modalidades licitatórias mas não veda (senão fomenta) o uso de múltiplos instrumentos para aferição dos preços.
Custo de oportunidade e perda de uma chance
A Lei de Licitações prevê em seu artigo 147, XI o tema do “custo de oportunidade”. Inobstante seja tratado dentro da regra de nulidade do contrato firmado, pensamos que o custo de oportunidade é verdadeiro princípio do sistema licitatório.
O administrador não pode se dar ao luxo de abrir mão da oportunidade de fazer a aferição real do artigo 75,§3º da Lei de Licitações.
A omissão deste instrumento numa dispensa, salvo justificativas, v.g, em que o prazo de três dias inviabilize a gestão pública de qualidade ou haja inutilidade do aviso de dispensa é presumidamente lesiva.
A “teoria da perda de uma chance”, muito utilizada no âmbito das omissões de médicos e advogados também se aplica aos contratos administrativos em que haja omissão de aferição efetiva de preços. Haverá, a princípio, subtração à chance de um preço menor na dispensa.
Conclusão
O “preguíssimo” feito através do “aviso de dispensa” previsto no artigo 75,§3º da Lei 14.133/2021 é uma regra de tríplice natureza: publicidade, aferição de preços e marco temporal para as cotações de preços. Além das funções ligadas à licitação propriamente dita é, também, aplicação dos princípios da competitividade, eficiência e gestão do custo de oportunidade. É, ainda instrumento de combate à “corrupção endêmica” fulminando os pequenos cartéis criadores de sobrepreços.
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