Opinião

Regulação energética em transformação: Enel-SP e Enel-RJ sob risco de não renovação contratual

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  • é advogado especializado em Licitações e Contratações Públicas Contencioso Judicial e Administrativo e coordenador do Núcleo de Licitações e Contratos do escritório Barreto e Dolabella Advogados Associados.

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3 de maio de 2025, 13h17

No último dia 22 de abril, durante votação de recomendações da renovação do contrato de concessão da EDP Espírito Santo Distribuição de Energia S.A., o diretor da Aneel Fernando Mosna apresentou voto colocando em xeque a análise de eficiência tradicionalmente entendida como aplicável pela Agência Nacional de Energia Elétrica.

Quanto ao aspecto técnico da análise, o Decreto nº 12.068/2024 aponta a possibilidade de prorrogação quando demonstrada a prestação de serviço adequado pela concessionária, adequação relacionada diretamente à eficiência e continuidade do fornecimento de energia elétrica. Tradicionalmente, a ideia de eficiência está ligada às métricas de DEC (duração média das interrupções de distribuição de energia elétrica por unidade consumidora) e FEC (frequência equivalente das interrupções de distribuição por unidade consumidora).

Para Fernando Mosna, a análise somente com base nas métricas de DEC e FEC, na medida em que, sob sua lógica, a análise regulatória tradicional deixaria de considerar todas as facetas do conceito legal de “serviço adequado trazido pela Lei Geral de Concessões: “Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas.” (§1° do artigo 6° da Lei n° 8.987/1995).

Interrupção na distribuição de energia elétrica

Segundo o formato de análise regulatória proposto pelo diretor, a efetiva constatação de adequação dos serviços prestado pelas concessionárias somente se demonstraria quando analisada a experiência do usuário de forma global, tornando necessária a inclusão dos “expurgos quando da análise dos índices de eficiência e de adequação dos serviços prestados.

Traduzindo da linguagem técnica, os “expurgos” são os eventos de interrupção de distribuição de energia elétrica desconsiderados na realização dos cálculos de desempenho ligados à continuidade da distribuição e às interrupções, na medida em que não decorrem de falhas efetivas das concessionárias, mas de situações consideradas emergenciais, por fatos imprevisíveis, fortuitos ou de força maior.

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Energia elétrica

Para Mosna, os eventos expurgados — ainda que não imputáveis ao concessionário — impactam na efetiva experiência do usuário, e, por consequência, na adequação do serviço de distribuição de energia elétrica, tornando necessária sua inclusão na análise regulatória e “evitando que falhas significativas fiquem camufladas por critérios de expurgo”, nas palavras do diretor.

De acordo com o modelo regulatório proposta no dia 22, as concessionárias que demonstrassem, nos três últimos anos anteriores ao pedido de prorrogação, um crescimento dos eventos de interrupção expurgados que ensejasse uma média superior a 140% quando calculada sua relação com o limite anual de interrupções de distribuição de energia elétrica não expurgadas.

Prorrogação de contrato de concessionárias

Quando analisados os dados da EDP Espírito Santo Distribuição de Energia S.A sob a nova lógica proposta, concluiu-se pelo respeito à média de 140% proposta, significando a prestação de um serviço adequado sob os aspectos da continuidade e regularidade, de maneira que recomendou a prorrogação do contrato de concessão da EDP Espírito Santo.

Já em relação às concessionárias Enel Distribuição São Paulo e Enel Rio de Janeiro, constatou-se que os índices de interrupções conjugados com os índices de expurgos superariam a média de 140% proposta, o que impediria a recomendação de prorrogação dos respectivos contratos de concessionários.

Chama a atenção o risco de não serem aprovadas as prorrogações dos contratos da Enel-SP e Enel-RJ, caso passe a ser adotado o novo parâmetro de análise regulatória proposto, enviado para manifestação da Procuradoria Federal quanto à sua implementação nas futuras análises de renovação dos contratos de concessão de distribuição de energia elétrica.

Não passa despercebido o louvável esforço para garantia da prestação de serviço de distribuição de energia elétrica efetivamente adequado, especialmente quando se rememoram as constantes intercorrências e falhas de distribuição que vêm ocorrendo em alguns estados nos últimos anos.

Cautela com uso do índice de expurgos

Entretanto, há de se ter cautela com a utilização do índice de expurgos nas métricas de aferição de eficiência e adequação do serviço prestado, especialmente no que diz respeito à ideia de continuidade do serviço de distribuição de energia elétrica. A cautela decorre da própria ideia de interrupções de distribuição expurgáveis, sendo estas — em regra — aquelas que não advêm de conduta direta do concessionário, mas são oriundas de situações consideradas emergenciais, por fatos imprevisíveis, fortuitos ou de força maior.

São situações que a própria Lei Geral de Concessões entende como escusáveis, não se configurando a descontinuidade da prestação dos serviços nesses casos, marcados pela própria imprevisibilidade do fato (§ 3° do artigo 6° da Lei 8987/95).

A questão está justamente em distinguir e rotular apropriadamente as situações efetivamente entendidas como passíveis de expurgo, quando caracterizado o real elemento emergência; e as interrupções consideradas, de forma apriorística, como expurgáveis, mas que — em realidade — não decorrem de situações emergenciais e poderiam ter sido previstas pelo concessionário.

A Aneel reacendeu um debate essencial: o que efetivamente representa um serviço adequado ao cidadão e quais os parâmetros ideais para a sua aferição?

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  • é advogado, especializado em Licitações e Contratações Públicas, Contencioso Judicial e Administrativo, e coordenador do Núcleo de Licitações e Contratos do escritório Barreto e Dolabella Advogados Associados.

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