O vendaval nas agências reguladoras
10 de novembro de 2024, 6h39
Depois do vendaval que deixou às escuras grande parte de São Paulo, voltaram a ser ouvidas críticas não apenas à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) como também ao modelo de independência das agências reguladoras, havendo quem defenda que o mandato de seus dirigentes não supere o mandato do presidente da República que os nomeou para o cargo.
É evidente que toda agência reguladora está sujeita a críticas e que sempre é possível o aperfeiçoamento do modelo institucional de regulação. Mas seria bom avaliar se a sugestão apresentada – a concomitância de mandatos entre os dirigentes da agência e do presidente da República – aumenta ou diminui os riscos de uma ação ineficiente ou, em outras palavras, contribui ou não para que os interesses da sociedade sejam atendidos de forma sustentável e duradoura.
Para essa avaliação, é bom dar um passo atrás. O modelo de independência das agências foi introduzido no Brasil nos anos 1990, no contexto de um redesenho do Estado brasileiro, com a transferência para a iniciativa privada de uma série de atividades econômicas e de serviços públicos que até então eram exercidas e prestados por empresas estatais. O marco legal adotado visava, de um lado, dar segurança aos agentes privados que quisessem investir e, de outro, preservar o poder do Estado brasileiro de disciplinar certos setores econômicos essenciais, de sorte a promover o interesse público.
Nesse sentido, adotou-se um modelo que visava não apenas acentuar o caráter técnico das decisões das agências reguladoras, mas também garantir aos investidores uma certa previsibilidade quanto às regras aplicáveis e assegurar à sociedade que a atuação da agência se daria com uma visão de médio e de longo prazos, não estando sujeita a intempéries políticas eventuais.
Muito mais do que órgãos de um governo, as agências seriam verdadeiros braços do Estado brasileiro. Daí porque essas agências seriam independentes.
Sistema afasta risco de mudanças bruscas
Um dos aspectos essenciais dessa independência é dar aos dirigentes das agências reguladoras uma legitimidade especial. Diferentemente do que ocorre com os cargos de confiança normais, cujos titulares o chefe do Poder Executivo pode indicar e demitir a qualquer hora, os dirigentes das agências, nomeados pelo presidente da República, precisam ser aprovados pelo Senado, após uma sabatina. Além disso, esses dirigentes têm mandato. Em regra, os mandatos dos dirigentes são não coincidentes, ou seja, a composição da agência reguladora se modifica aos poucos, paulatinamente.
Esse sistema afasta o risco de, a cada quatro anos, dependendo do resultado de uma eleição, mudar tudo. Como atrair investimentos de longo prazo para um setor em que as regras podem se modificar totalmente de um momento por outro? Como incentivar políticas pública de médio e de longo prazo se, dependendo do resultado de uma única eleição, tais políticas serão abandonadas? Como garantir decisões técnicas se há a possibilidade de, a qualquer hora, a direção da agência ser modificada?
Independentemente da corrente política, é comum que os governos do momento se sintam incomodados com a contenção de seus poderes que decorre da independência das agências reguladoras. Hoje e ontem, quem está no governo pressiona o Banco Central, a Aneel, a Anvisa, a ANP, a Anatel e as demais agências quando não consegue determinar que alguma medida específica seja tomada. A pressão faz parte do jogo político, é legítima.
Mas do ponto de vista institucional, cada governante deveria pensar o que ocorreria se em caso de derrota em uma eleição tudo fosse modificado. Isso seria positivo ou negativo para a sociedade? Ainda mais, cada governante deveria avaliar se, quando estava na oposição, foi bom para o país a existência de limites para a interferência do governo nas agências reguladoras.
Os ganhadores do Prêmio Nobel de Economia em 2024, Daron Acemoglu e James A. Robinson, escreveram há alguns anos que o que levou à maior prosperidade de alguns países (e à melhor qualidade de vida de seus habitantes) em relação a outros não foram aspectos geográficos ou culturais, mas sim as diferenças nos limites institucionais impostos aos governantes e às elites dos países.
A ideia de fazer coincidir os mandatos dos dirigentes das agências reguladora representaria um afrouxamento dos limites institucionais impostos ao governo. Isso teria consequências duradoras e negativas para o país, piores do que um vendaval.
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