TJ paulista avança na defesa de usuários contra redes sociais
1 de maio de 2025, 8h15
* Reportagem publicada no Anuário da Justiça São Paulo 2025. A versão impressa está em pré-venda na Livraria ConJur (clique aqui). Acesse a versão digital pelo site do Anuário da Justiça (anuario.conjur.com.br).

Há uma década, o uso da internet no Brasil passou a ser regido por princípios e garantias estabelecidos por lei. O Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014) foi instituído para assegurar o direito à cidadania digital, promovendo também a diversidade e a liberdade de expressão no ambiente virtual. Depois disso, veio a Lei Geral de Proteção de Dados (Lei 13.709/2018), que visa salvaguardar as informações pessoais no turbilhão de dados do ambiente virtual. Os desafios relacionados à informação e à desinformação, à regulação da inteligência artificial e às redes sociais são cada vez mais complexos e frequentes no Poder Judiciário.
No Tribunal de Justiça de São Paulo, integrantes da Seção de Direito Privado relatam crescimento da distribuição de conflitos envolvendo Direito Digital, como pedidos de reativação de contas suspensas ou suprimidas nas redes sociais e aplicativos de mensagens, indenização por danos morais por ofensas publicadas nas plataformas e retirada de conteúdo violador de direito de imagem e de direitos autorais.
“Em razão da invasão de contas em redes sociais, como Facebook e Instagram, houve aumento das demandas em que se pretende o restabelecimento do acesso às contas invadidas, bem como indenização por danos morais. Além disso, em virtude da utilização do aplicativo WhatsApppara aplicação de golpes financeiros, há demandas em que se pretende o fornecimento dos registros de acesso relativamente à conta utilizada para aplicação dos referidos golpes”, explica Luiz Augusto de Salles Vieira, da 24ª Câmara do Direito Privado.
De acordo com o juiz Fernando Antonio Tasso, professor e coordenador da área de Direito Digital da Escola Paulista da Magistratura, “julgar demandas digitais não exige apenas conhecimento jurídico, mas também uma compreensão técnica e firmeza para enfrentar estratégias que buscam enfraquecer o papel do Judiciário como garantidor de direitos”. Tasso pontua que o direito à liberdade de expressão, como todo e qualquer direito constitucional, não é absoluto. “A plataforma de rede social é um agente econômico da qualidade fornecedor de serviço e, como tal, tem obrigações, possui responsabilidades, inclusive a responsabilidade civil.”
O desembargador Spencer Almeida Ferreira, da 38ª Câmara, afirma que, em 2023 em seu gabinete, chegaram 17 demandas contra uma empresa de gerenciamento de redes sociais, sobre prestação de serviços. Já em 2024, foram distribuídas 121 demandas sobre o mesmo assunto.
Para o advogado Marcos Perez, professor associado de Direito Administrativo da Faculdade de Direito da USP, especialista em regulação de mercados e sócio do Manesco Advogados, o desafio de julgar temas envolvendo redes sociais, inteligência artificial ou golpes digitais é imenso pela inexistência de uma regulação clara. “Quando o Judiciário manda a rede tirar aquilo do ar, o dano já se perpetuou. E, muitas vezes, se perpetuou de maneira definitiva”, comenta.

Em dezembro de 2024, o Supremo Tribunal Federal colocou em pauta processos que questionam regras do Marco Civil da Internet. No Tema 987, de repercussão geral, a corte analisa o artigo 19 da lei, que exige ordem judicial prévia e específica de exclusão de conteúdo para a responsabilização civil de provedores de internet, sites e gestores de redes sociais. No caso, o Facebook questiona decisão do TJ-SP que determinou a exclusão de um perfil falso da rede social.
Para o relator, ministro Dias Toffoli, o artigo 19 dá imunidade às empresas, que só poderão ser responsabilizadas se descumprirem ordem judicial de retirada de conteúdo. Para ele, o dispositivo é ineficaz, pois, com o estímulo a conteúdos de violência, ódio e falsidades, a demora na retirada pode causar graves prejuízos às pessoas afetadas. Toffoli votou pela inconstitucionalidade do artigo e foi acompanhado pelo ministro Luiz Fux.
No Tema 533, recurso apresentado pela Google Brasil, os ministros avaliam se a empresa que hospeda sites na internet tem o dever de fiscalizar o conteúdo publicado e de retirá-lo do ar quando considerado ofensivo, sem necessidade de intervenção do Judiciário, a partir de notificações extrajudiciais. Para a Google, a fiscalização seria impossível e configuraria censura prévia por empresa privada.
Já o acesso a conteúdo de mensagens criptografadas do WhatsApp está em discussão na ADPF 403 e na ADI 5.527. Também se discute a validade das decisões judiciais que determinam o bloqueio de aplicativos de mensagens. Os dois casos entraram em julgamento em 2020 e já contam com dois votos. Edson Fachin (relator) e Rosa Weber (aposentada) entenderam que o sigilo das comunicações é uma garantia constitucional e as regras do Marco Civil não podem ser interpretadas para que seja dado acesso ao conteúdo de mensagens criptografadas de ponta a ponta.

Enquanto o STF não define as regras, a Justiça paulista toma posições. A DP3 (Subseção de Direito Privado 3), analisou se usuário de rede social que teve perfil hackeado tem direito a indenização por danos morais. Em todas as ações avaliadas, movidas contra a Meta (administradora das plataformas Facebook, Instagram e WhatsApp), as câmaras concordam que a invasão de contas pode gerar dano moral, mas nem todas consideram que esse é um direito objetivo. A 29ª e a 32ª Câmaras entenderam que as vítimas não conseguiram comprovar o abalo moral que justificaria a indenização.
As demais, por sua vez, responsabilizaram as operadoras, considerando que as invasões ocorrem por falhas de segurança nos sistemas, e que os invasores usaram as contas para aplicar golpes, configurando dano moral indenizável.
Nas 30ª e 31ª Câmaras, as decisões costumam reconhecer a responsabilidade civil das plataformas em casos de ataques ou golpes aos perfis dos usuários, destacando a necessidade de verificar se houve violação dos termos de uso. “Na 31ª, temos entendido que as plataformas são civilmente responsáveis por ataques ou golpes a perfis de usuários, por falha na prestação de serviço. Da mesma forma, sobre a exclusão de prestadores de plataformas, é necessário verificar se realmente houve violação de termos e condições de uso previamente informados aos prestadores quando do cadastro na plataforma”, diz Adilson de Araújo.
A 17ª Câmara aceitou recurso de usuária que teve a conta de rede social invadida e usada para golpes. A indenização por danos morais foi fixada em R$ 10 mil pelo relator, Luís Franzé. “Os avanços tecnológicos beneficiaram ambos os lados da relação, mas os fornecedores parecem querer apenas os benefícios, impondo os prejuízos aos consumidores. Embora não seja responsabilidade do réu fiscalizar seus usuários, exige-se que ofereça um serviço seguro e eficiente, especialmente quando solicitado administrativamente a solução do problema. Situações como essa revelam a falta de cuidado e o descaso com que o Facebook trata os consumidores, mesmo em um ambiente de fraude incontroversa”, criticou na decisão.
A 14ª Câmara tem adotado postura equilibrada. “O tribunal tem aplicado o marco geral da lei e, com a nova interpretação do STF, esperamos mudanças. Ainda assim, muitas demandas envolvem tutela antecipada de urgência, na qual buscamos equilibrar o prejuízo e sua irreversibilidade, sempre garantindo o contraditório”, explica Carlos Abrão.
Outra matéria que aqueceu os debates na DP3 foi sobre se críticas a condomínio ou a prestadores de serviços publicadas nas redes sociais ofendem o direito de livre manifestação.
O foco da questão é a legalidade de queixas publicadas em sites de reclamações como o Reclame Aqui. O entendimento é de que prevalece o direito a liberdade de expressão. Os desembargadores da 28ª Câmara destacam a necessidade de os autores provarem a possibilidade de sofrer danos significativos caso a crítica não seja removida. A condenação ocorre apenas quando a crítica atinge a honra do alvo da acusação. Como evidenciado os julgados das câmaras, a tendência é garantir o direito do usuário, equilibrando as responsabilidades das redes sociais com a proteção aos direitos dos consumidores e a transparência das plataformas.
A 1ª Câmara de Direito Privado condenou jornalista que, nas redes sociais, publicou áudio em que uma adolescente dizia planejar uma chacina em sua escola. No post, onde era possível identificar a autora da antiga gravação, o jornalista a associava ao planejamento do crime. O resultado foi a expulsão da jovem da escola. O autor da publicação foi condenado a pagar indenização de R$ 10 mil por danos morais. Para a relatora do caso, Mônica Rodrigues Dias de Carvalho, a exposição da adolescente violou seus direitos de personalidade, ea conduta do réu foi irresponsável ao disseminar informações sem a devida apuração, configurando abuso do direito a liberdade de expressão.
O Projeto de Lei das Fake News (PL 2.630/2020), que trata da responsabilidade das plataformas digitais e do combate à desinformação, está em tramitação na Câmara dos Deputados, após aprovação no Senado. A proposta chegou a ser pautada para votação, sob uma cerrada campanha das big techs pela sua rejeição. Mesmo enfrentando resistência por parte de parlamentares da direita, a proposta deve voltar a debate em 2025. Em junho de 2024, o então presidente da casa, Arthur Lira, anunciou a criação de um Grupo de Trabalho, composto de 20 deputados, para a elaboração do relatório do projeto, mas as reuniões não foram adiante.
Em dezembro de 2024, o Plenário do Senado aprovou o substitutivo ao PL 2.338/2023, que estabelece o marco regulatório da inteligência artificial (IA) no Brasil. O projeto, que define regras para o desenvolvimento e uso de sistemas de IA, está em tramitação na Câmara dos Deputados. Dentre os dispositivos da proposta, estão a proteção dos direitos dos criadores de conteúdo e obras artísticas.
Levantamento nacional divulgado recentemente pela Nexus Pesquisa e Inteligência de Dados mostrou que 60% dos brasileiros são favoráveis à regulação das redes sociais e 29% são contrários. Não conseguiram ou não quiseram opinar representaram 12% dos entrevistados.
De acordo com a pesquisa, dentre os 60% favoráveis, a metade (30%) respondeu que só apoiam a regulação caso a liberdade de expressão das pessoas não seja limitada no ambiente digital. Já 46% (o equivalente a 28% do total de pesquisados) se mostraram favoráveis à regulação mesmo que, em alguns casos, ela limite a liberdade de expressão.
Quando questionados sobre a capacidade de a regulação enfrentar a disseminação de conteúdos antidemocráticos, discursos de ódio ou de cunho racista, machista e homofóbicos publicados na internet, 61% das pessoas ouvidas na pesquisa disseram que a regulação é fundamental e 29%, contrários. Os 10% restantes não quiseram opinar.
Para 78% dos brasileiros, as plataformas precisam ter mais responsabilidade por suas atividades do que possuem atualmente e 64% disseram acreditar que a regulação é uma importante forma de combater a difusão da desinformação nas plataformas.
Sobre a checagem realizada por algumas plataformas, 73% dos respondentes consideraram que essa é uma ação importante para coibir notícias falsas e discursos de ódio. Em contrapartida, 65% argumentaram que a avaliação do conteúdo também deve ser realizada pelo usuário, a fim de assegurar a liberdade de expressão.
ANUÁRIO DA JUSTIÇA SÃO PAULO 2025
ISSN: 2179244-5
Número de páginas: 284
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