Opinião

Compensação financeira pela exploração mineral e sua fiscalização pelos Tribunais de Contas

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3 de junho de 2025, 16h16

A Constituição atribui a titularidade dos recursos minerais, inclusive os do subsolo, à União [1]. Para explorar economicamente esses recursos, as empresas mineradoras devem pagar uma contraprestação pecuniária aos entes federativos (União, estados, Distrito Federal e municípios), a fim de recompensar os problemas gerados em decorrência da atividade extrativista em seus respectivos territórios [2].

Trata-se da compensação financeira pela exploração mineral (CFEM) prevista no § 1º do artigo 20 da CRFB/88 e instituída pela Lei nº 7.990/1989. Os percentuais de sua distribuição aos entes federativos restaram definidos na Lei nº 8.001/1990. Com a edição da Lei nº 13.540/2017, as legislações anteriores foram alteradas significativamente e a CFEM reformulada, especialmente no que se refere às suas alíquotas, base de cálculo e forma de distribuição.

Embora exista legislação sobre o tema, Fernando Facury Scaff, professor titular de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo, e o parlamentar federal Zé Silva defendem que as normas vigentes são insuficientes para garantir a utilização eficaz dos recursos arrecadados pela CFEM [3].

No mesmo sentido, Onofre Alves Batista Júnior, professor de Direito Tributário e Financeiro da Universidade Federal de Minas Gerais, sustenta que “os Estados mineradores sofrem com o arcabouço legal arcaico e com a ausência de uma política pública que permita transformar a exploração dos recursos minerais em desenvolvimento econômico e social” [4].

Desenvolvimento sustentável

As normas vigentes estabelecem que a receita deve ser preferencialmente destinada a atividades relativas à diversificação econômica e ao desenvolvimento mineral sustentável, científico e tecnológico [5] e vedam a aplicação dos recursos em pagamento de dívida e no quadro permanente de pessoal [6]. Vislumbra-se que um dos desafios ligados a CFEM é relativo ao emprego da receita, posto que a legislação atual pouco auxilia os gestores públicos nessa missão.

É sabido que os recursos oriundos da CFEM são finitos por definição, uma vez que os minerais são fontes esgotáveis. Assim, o emprego indevido do dinheiro público arrecadado com a referida contribuição poderá inviabilizar o desenvolvimento econômico e social dos municípios que não diversificarem sua cadeia produtiva nem repararem os danos ambientais causados pela mineração, a tempo e modo, caracterizando-se portanto em um grave problema econômico-social.

Nesse sentido, a Associação dos Municípios Mineradores de Minas Gerais e do Brasil (Amig) elaborou a nota técnica FTP/001/2018 [7], na qual destaca algumas políticas públicas que podem ser efetivadas com a utilização de recursos da CFEM, como, por exemplo, a ampliação de ações de fiscalização dos impactos da mineração, investimentos em eletrificação urbana e rural, instalação de indústrias, com preferência para o desenvolvimento de tecnologia de ponta, entre outras.

Projeto na Câmara

Do mesmo modo, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 2.138/2022, cujo objetivo é vincular os recursos arrecadados com a CFEM à modificação da base econômica produtiva do ente federativo minerador [8].

Em 2023, o Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCE-MG) enunciou a Súmula nº 125, segundo a qual os recursos advindos da CFEM devem ser utilizados, preferencialmente, em atividades relativas à diversificação econômica e ao desenvolvimento mineral sustentável, científico e tecnológico, nos termos do § 6º do artigo 2º da Lei nº 8.001/1990 [9].

Spacca

Além disso, tramita na Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais o Projeto de Lei nº 3.162/2024, que possui como objetivo a criação do Fundo de Exaustão e Assistência aos Municípios Mineradores (Fexam), cujos recursos deverão ser aplicados na execução de projetos de diversificação produtiva, de sustentação da economia popular, de saneamento básico e de proteção ao meio ambiente [10].

Com efeito, observa-se que a dependência dos municípios do extrativismo mineral é uma grande preocupação no Estado de Minas Gerais, fato explicitado na redação dos artigos 252 e 253 da Constituição estadual. A elevada dependência do recebimento da CFEM é identificável, por exemplo, nos municípios de Belo Vale, Conceição do Mato Dentro e São Gonçalo do Rio Abaixo, onde, em 2024, a relação entre o valor da CFEM e a receita total do município foi de 46,66%, 33,09% e 35,34%, respectivamente [11].

Desafio aos Tribunais de Contas

Nesse sentido, a forma como os recursos são utilizados pelos municípios mineradores gera desafios ao controle efetivo por parte dos Tribunais de Contas, já que não se sabe ao certo em que esses recursos estão sendo aplicados, muito menos a finalidade almejada. Impõe-se, portanto, a necessidade de um controle externo assertivo acerca dos recursos decorrentes da CFEM, de modo que sejam aplicados em conformidade com a vontade do legislador, a qual visa atender fundamentalmente ao interesse público.

Sob outra perspectiva, a ausência de vinculação dos recursos decorrentes da CFEM não é o único problema enfrentado pelos municípios mineradores atualmente. Em auditoria realizada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) [12], foi apurado que o percentual médio de sonegação da respectiva receita pública entre os exercícios de 2014 a 2021 encontra-se na faixa de 30,5% a 40,2%.

O Relatório de Auditoria TC 005.747/2022-8 apontou que, entre os anos de 2014 e 2021, a arrecadação total da CFEM ficou abaixo das expectativas tanto do TCU quanto da Controladoria-Geral da União (CGU). Para o exercício de 2021, por exemplo, verifica-se que a receita arrecadada decorrente da CFEM foi de R$ 10.287 bilhões, enquanto o potencial de sua arrecadação, segundo estimativas da CGU, foi de R$ 13.425 bilhões e de R$ 14.421 bilhões, segundo estimativas do TCU.

Crédito da CFEM

Não obstante, a situação se agravou ao longo dos últimos exercícios. Isso porque, conforme demonstra a Agência Nacional de Mineração (ANM), desde 2021, o valor recolhido da CFEM tem sido sistematicamente reduzido, inclusive naqueles Estados cuja atividade econômica da mineração se destaca, como Minas Gerais e Pará [13].

A título de ilustração, no exercício de 2024, foram arrecadados no total R$ 7.436 bilhões decorrentes da CFEM; em 2023, R$ 6.857 bilhões; e, em 2022, R$ 7.016 bilhões. Comparativamente, em relação ao montante arrecado em 2021 (R$ 10.278 bilhões), constata-se, para os exercícios financeiros subsequentes, uma expressiva redução do valor arrecado. No Estado de Minas Gerais, os valores arrecadados com a CFEM nos anos de 2022 (R$ 3.118 bilhões), 2023 (R$ 3.180 bilhões) e 2024 (3.319 bilhões) ficaram abaixo do montante arrecadado em 2021 (R$ 4.603 bilhões).

Em Minas Gerais, no nível municipal observa-se cenário semelhante. Em Brumadinho, onde, em 2019, ocorreu um dos maiores desastres socioambientais da história do país, em razão do rompimento de barragens de rejeitos na Mina Córrego do Feijão, de propriedade da empresa Vale S.A. Segundo dados da ANM [14], a arrecadação municipal da CFEM, no exercício de 2024, foi de R$ 62.907 milhões; em 2023, R$ 39.341 milhões; e, em 2022, R$ 58.120 milhões, sendo que entre os anos de 2015 e 2021, a arrecadação estava em franco crescimento, chegando a atingir o montante de R$ 101.251 milhões no exercício de 2021 [15].

Ocorre, porém, que não foram implementadas, principalmente pelos órgãos de fiscalização, medidas efetivas de controle acerca da arrecadação da CFEM. Nesse sentido, embora não se saiba ao certo o que pode ter motivado tamanha queda arrecadatória no período posterior ao ano de 2021, é inegável que as práticas irregulares despontam como possíveis razões explicativas para o fenômeno analisado, situação esta que pode ser dirimida com a efetiva fiscalização pelas instâncias de controle. Foram constatados pelo TCU e CGU os seguintes apontamentos: elevado e persistente índice de sonegação, fiscalizações insuficientes para coibir a sonegação, elevadas perdas de créditos minerários por decadência e prescrição e pagamentos vinculados a processos sem título minerário outorgado e vigente.

Perda de arrecadação

Projetando-se o padrão de sonegação vislumbrado pelo TCU ao total arrecadado pelo Estado de Minas Gerais entre os anos de 2022 e 2024, chega-se à conclusão de que, o ente federativo pode ter deixado de arrecadar cerca de R$ 1 bilhão por ano apenas com a CFEM, montante este que poderia ter sido empregado na reparação dos danos ambientais, econômicos e sociais da mineração, revertendo-se em melhoria da qualidade de vida da população mineira, desenvolvimento econômico para as regiões mineradoras do Estado e proteção ao meio-ambiente.

Ressalte-se que em março de 2025 foi deflagrada a Operação Parcours [16], mediante ação conjunta da Polícia Federal e da CGU, com o objetivo de combater indícios de irregularidades na atuação do órgão regulador na gestão de títulos minerários e fiscalização de atividades relacionadas, além da supervisão do impacto ambiental da mineração. A operação, iniciada na área da Mina Corumi, em Minas Gerais, busca investigar danos ambientais estimados em R$ 832 milhões, bem como o não pagamento, pela empresa mineradora, de cerca de R$ 11,4 milhões de recursos oriundos da CFEM entre os exercícios de 2012 e 2019.

No mais das vezes, o debate sobre ajuste fiscal tende a ser direcionado para o corte de despesas e a reestruturação administrativa do Estado, conferindo-se primazia aos gastos em relação às receitas públicas. Não que o debate sobre a qualidade dos gastos públicos seja menos importante, mas relegar a segundo plano a discussão sobre as receitas públicas parece ser igualmente desacertado [17].

É imprescindível que se proceda à fiscalização periódica dos recursos arrecadados pelo poder público, principalmente para garantir a consecução do seu mister constitucional, inclusive no que se refere ao atendimento dos objetivos fundamentais da República [18].

Resta claro, portanto, que a riqueza gerada pela exploração dos recursos minerais deve proporcionar benefícios para toda a coletividade, sendo o produto da sua arrecadação vinculado ao atendimento de determinadas finalidades públicas. Por essa razão, a atuação dos Tribunais de Contas na fiscalização da aplicação dos recursos da CFEM, principalmente pelos municípios mineradores, se reveste de importância, sobretudo ante o caráter finito da atividade minerária, incluindo-se na sua competência para o exercício do controle externo quanto à legalidade, legitimidade e economicidade dos atos do poder público.

 


[1] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, art. 20, inciso IX.

[2] AMIG. O que é a CFEM? Disponível em: https://www.amig.org.br/cfem. Acesso em: 20 maio 2025.

[3] SCAFF, Fernando Facury; SILVA, Zé. O bom uso da CFEM para as presentes e futuras gerações. Conjur, 2023. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-dez-25/o-bom-uso-da-cfem-para-as-presentes-e-futuras-geracoes/. Acesso em: 27 maio 2025.

[4] BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves. Minas Gerais pós-colonial? “Minérios com mais justiça”. Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, n. 109, p. 466, jul./dez. 2014.

[5] BRASIL. Lei nº 8.001, de 13 de março de 1990, art. 2º, § 6º.

[6] BRASIL. Lei nº 7.990, de 28 de dezembro de 1989, art. 8º, caput.

[7]  MOREIRA, Rogério de Souza. CFEM – Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais: aspectos legais e posições do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais. Disponível em:  https://www.amig.org.br/projeto/amig/arquivos/Apresentacao_-_CFEM_-_workshop.pdf. Acesso em: 26 maio 2025.

[8] BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 2.138, de 03 de agosto de 2022. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2333554. Acesso em: 20 maio 2025.

[9] MINAS GERAIS. Tribunal de Contas do Estado. Súmula nº 125. Publicada no DOC de 9/2/23, p. 8.

[10] MINAS GERAIS. Assembleia Legislativa do Estado. Projeto de Lei nº 3.162/2024. Disponível em: https://www.almg.gov.br/atividade-parlamentar/projetos-de-lei/texto/?tipo=PL&num=3162&ano=2024. Acesso em: 20 maio 2025.

[11] MINAS GERAIS. Tribunal de Contas Estado. Conhecer para fiscalizar. Saúde pública e mineração de ferro: uma análise comparativa no Estado de Minas Gerais. Coordenadoria de Fiscalização Integrada e Inteligência em Orçamento e Políticas Públicas – CFIOP/SURICATO. Maio, 2015. Disponível em: https://www.tce.mg.gov.br/IMG/2025/Saude_Publica__e_Mineracao_de_Ferro_Uma_Analise_Comparativa_no_Estado_de_MGvf.pdf. Acesso em: 12 maio 2025.

[12] BRASIL. Tribunal de Contas da União. Relatório de Auditoria TC 005.747/2022-8. Acórdão 2116/2024 – Plenário. Rel. Ministro Benjamin Zymler. Sessão em: 9/10/2024.

[13] BRASIL. Agência Nacional de Mineração. Arrecadação CFEM. Disponível em: https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiZDA5NGMyYmYtOWQyMi00NzA1LWFhOTQtNmU5NjEyMTI3ZDMxIiwidCI6ImEzMDgzZTIxLTc0OWItNDUzNC05YWZhLTU0Y2MzMTg4OTdiOCJ9&pageName=ReportSection7a43f884dc43352e5953.  Acesso em: 20 maio 2025.

[14] Idem, Distribuição CFEM. Disponível em: https://sistemas.anm.gov.br/arrecadacao/extra/Relatorios/distribuicao_cfem.aspx.  Acesso em: 22 abr. 2025.

[15] PEREIRA. Adrieli Ferreira. Dependência financeira dos royalties da mineração: o caso do Município de Brumadinho. Artigo (Pós-graduação em Finanças Públicas) – Escola de Contas e Capacitação Professor Pedro Aleixo, TCEMG. 2022, p. 6.

[16] BRASIL. Controladoria-Geral da União. CGU e PF combatem extração mineral irregular em área da Mina Corumi, em Minas Gerais. 2025. Disponível em: https://www.gov.br/cgu/pt-br/assuntos/noticias/2025/03/cgu-e-pf-combatem-extracao-mineral-irregular-em-area-da-mina-corumi-em-minas-gerais. Acesso em: 31 mar. 2025.

[17] MOURÃO, Licurgo; SHERMAM, Ariane. Crise financeira do Estado e a responsabilidade fiscal solapada. Revista Fórum de Direito Financeiro e Econômico, a. 12, n. 22, p. 117-139, set. 2022/fev. 2023; e MOURÃO, Licurgo; MEGALI NETO, Almir; SHERMAM, Ariane; RESENDE, Mariana Bueno; PIANCASTELLI, Sílvia Motta. Controle democrático da Administração Pública. Belo Horizonte: Fórum, 2023, p. 275-353.

[18] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, art. 3º.

Autores

  • é pós-doutorando e doutor em Direito (USP), conselheiro substituto do Tribunal de Contas de Minas Gerais, com extensões na Hong Kong University, California Western School of Law, Université Paris 1 Panthéon-Sorbonne e The George Washington University.

  • é assessora de conselheiro no Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, especialista em finanças públicas pela Escola de Contas e Capacitação Professor Pedro Aleixo (TCE-MG) e graduada em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais.

  • é assessora de conselheiro no Tribunal de Contas do estado de Minas Gerais (TCE-MG), mestre e doutora em Direito Administrativo (UFMG).

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