CNJ abre reclamação contra desembargadora que retomou processos sobre pejotização
3 de junho de 2025, 20h45
O Conselho Nacional de Justiça decidiu abrir reclamação disciplinar contra a desembargadora Vânia Maria Cunha Mattos, do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS), por descumprimento de decisão vinculante do Supremo Tribunal Federal. A informação foi divulgada pelo jornalista Fausto Macedo, do Estadão.

O ministro Gilmar Mendes suspendeu todos os processos que tratam de pejotização no Brasil
A reclamação foi provocada após a magistrada mandar retomar a tramitação de duas ações relacionadas à pejotização, assim descumprindo decisão do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, que havia ordenado a paralisação de todos os processos que versassem sobre a temática até um posicionamento definitivo do STF.
A reclamação disciplinar foi aberta por decisão do corregedor do CNJ, ministro Mauro Campbel, que entendeu que a independência nacional do juiz não é absoluta e pode ser relativizada se comprovada ofensa aos deveres constitucionais e legais.
“A conduta da desembargadora, em princípio, fere a garantia constitucional de acesso à Justiça, caracteriza negativa de jurisdição, lesa a credibilidade do Poder Judiciário e impõe à parte uma morosidade em descompasso com a lei”, escreveu o ministro na decisão.
Ele deu prazo de 15 dias para que a desembargadora se manifestasse e solicitou que o TRT-4 informe se abriu apuração sobre o caso.
Repercussão
Especialistas entrevistados pela revista eletrônica Consultor Jurídico entenderam que houve quebra de hierarquia e que a desembargadora não poderia ter prosseguido com a ação. Outros entrevistados apontam, no entanto, que o tema discutido no processo não foi influenciado pela decisão de Gilmar.
“A decisão no mandado de segurança configura um grave equívoco. Cabe novamente uma reclamação ao STF. Havia uma suspensão decorrente — corretamente — da decisão do STF. Essa decisão não pode ser desobedecida. É vinculante. Cabe reclamação disciplinar ao Conselho Nacional de Justiça. Uma coisa é o juiz decidir nos limites do decidível. Outra é contrariar, deliberadamente (ela diz não concordar com o STF) uma ordem do STF. Quem decide o MS confessa que o fez porque discorda do STF. Não há espaço no sistema brasileiro para isso. Quanto a precedentes: não há um sistema. Mas, segundo o Código de Processo Civil, qualquer decisão do STF em controle concentrado (e reclamação é) é vinculante. Logo, não pode ser desobedecida”, salienta o jurista Lenio Luiz Streck.
Para o professor Georges Abboud, o descumprimento de decisões do STF por juízes contribui para a quebra da coesão do Poder Judiciário.
“No desenho atual do processo brasileiro, a grande maioria das decisões do STF produz vinculação imediata, seja pelo procedimento, seja pelo argumento, até mesmo porque compete a ele fixar em última instância, dentro do Judiciário, o sentido das disposições constitucionais. Nem mesmo uma discordância argumentativa poderia justificar a não aplicação de um precedente do STF, até mesmo porque somente a corte é a juíza natural da superação de seus próprios provimentos, o que significa dizer que somente ela pode analisar, de modo eficaz, novos argumentos e contrastá-los aos anteriores para a produção de novos paradigmas vinculantes.”
“No caso em tela, a afirmação peremptória de que ‘meu posicionamento é absolutamente contrário à decisão do STF’, feita para afastar a aplicação de tema de repercussão geral — formalmente vinculante —, demonstra um comportamento nada saudável de inversão da hierarquia judiciária e, portanto, de subversão da sua lógica de funcionamento. Nesse cenário, juízes que, de forma deliberada, descumprem decisões do STF, contribuem para a deterioração da democracia constitucional e acabam por incentivar os espectros extremistas que fazem da transformação do STF inimigo ficcional sua principal arma política”, completa Abboud.
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