PASSADO A LIMPO

Caso de reparação contra torturador discute uso inédito de precedente do STF

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15 de abril de 2025, 13h47

A tese do Tema 940 da repercussão geral, em que o Supremo Tribunal Federal decidiu que a ação por danos causados por agente público deve ser ajuizada contra o Estado, só tem uma aplicação envolvendo violações de direitos humanos por torturador: o caso de Brilhante Ustra.

Casa de Brilhante Ustra foi alvo de protesto, em Brasília

Ação de reparação contra torturador foi derrubada pelo STJ

Essa aplicação foi feita pela 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao derrubar a ação ajuizada contra o torturador pelos familiares do jornalista Luiz Eduardo Merlino, que teve a morte presumida em 1971 após ser preso por agentes da ditadura militar.

Ela está no cerne da disputa, que agora será resolvida pela Corte Especial do STJ, em embargos de divergência, como mostrou a revista eletrônica Consultor Jurídico.

Os familiares de Merlino sustentam que o Tema 940 do STF não se aplica a casos de violações de direitos humanos porque a atuação do torturador foi irregular, extrapolando os limites do cargo que ocupava.

É a mesma lógica que a mesma 4ª Turma do STJ usou para condenar o ex-procurador da República Deltan Dallagnol (Novo) pelos danos causados no “episódio do power point”, em ação ajuizada pelo hoje presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Um estudo da Clínica de Direitos Humanos da Unifesp, coordenado pela professora Carla Osmo e pela pesquisadora Luisa Mozetic Plastino, atesta o ineditismo da posição adotada pelo STJ no caso de Brilhante Ustra.

O grupo elencou 44 casos em que o STF aplicou o Tema 940 e concluiu que, em nenhum deles — incluindo o processo paradigma que originou a tese — foi discutido violações de direitos humanos ou casos relacionados ao período da ditadura militar.

Dois processos tratavam de violação do direito à vida, mas não levaram à aplicação do Tema 940. Um deles era por erro médico de profissional particular. Outro foi rejeitado pelo STF porque demandaria reexame de fatos e provas.

Reparação contra torturador

A tese do Tema 940 foi construída pelo STF para resguardar o servidor público que age no exercício da função administrativa. A ação pelos danos causados por ele deve ser ajuizada contra o Estado, não contra o agente.

Se houver condenação, caberá ao Estado ajuizar ação de regresso contra o servidor público, para cobrar dele os prejuízos que teve que suportar no processo originário.

Até hoje, o STF aplicou essa tese em casos de ações contra servidores da saúde pública (médicos e enfermeiros), de cartórios (tabeliães, registradores e escreventes), juízes e membros do Ministério Público.

Há registros também de casos envolvendo servidores da educação pública, prefeitos, parlamentares, presidente da República, ministros, delegados e outros.

Dos 44 analisados pelo estudo, em apenas 12 o Supremo aplicou a tese do Tema 940 para resolver o processo. E em outros seis, determinou o retorno dos autos ao tribunal de origem, para essa mesma providência.

Os pesquisadores concluem que a possibilidade de se acionar diretamente o agente público em casos de violação de direitos humanos não foi avaliada pelo STF.

Amici curiae

O documento embasou um pedido de entidades de defesa dos direitos humanos para ingressar na ação contra Brilhante Ustra no STJ, na condição de amici cuirae.

São elas Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns; a Conectas Direitos Humanos; o Instituto Vladimir Herzog; a Clínica de Direitos Humanos da Unifesp; e o Núcleo de Acesso à Justiça e Meios de Solução de Conflitos da FGV.

O pedido foi rejeitado pela relatora dos embargos de divergência na Corte Especial, ministra Maria Thereza de Assis Moura, porque o caso visa “tão somente a dirimir eventual dissenso sobre tese jurídica”.

Na petição, elas sustentam que o STF, ao resolver o Tema 940, não tinha em vista ações judiciais pela prática de tortura, pois tortura em nenhuma hipótese faz parte de função administrativa a ser protegida.

“Não se pode imaginar qualquer situação em que seja justificado o objetivo de resguardar agente público de medidas de responsabilização pela prática de tortura ou outra prática que viole gravemente direitos humanos”, diz a petição.

Clique aqui para ler o estudo da Clínica de Direitos Humanos da Unifesp
Clique aqui para ler o pedido de ingresso como amici curiae ao STJ
Clique aqui para ler o acórdão do Tema 940 da repercussão geral
REsp 2.054.390
RE 1.027.633

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