Opinião

Modulação do porte de maconha: como decisão pode afetar contratos de trabalho

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7 de março de 2024, 11h17

O Supremo Tribunal Federou está para finalizar o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 635.659, com repercussão geral reconhecida (Tema 506), em que se discute a despenalização do porte de maconha para consumo próprio, bem como a inconstitucionalidade do artigo 28 da chamada “Lei de Drogas” (Lei 11.343/2006).

O intuito é determinar se o porte desse entorpecente deve ser penalizado ou não, bem como o estabelecimento de um critério objetivo capaz de identificar a quantidade da substância que separa o consumo próprio do tráfico de entorpecentes, conduta que é tipificada como crime pelo artigo 33 da lei acima citada.

Apesar de o julgamento estar paralisado até o momento, o último placar da votação leva a crer que as regras relativas ao porte de maconha podem ser alteradas, e caso assim seja, certamente os efeitos não se limitarão à área criminal, mas também à área juslaboral.

Com efeito, a possível despenalização do porte de maconha pode afetar diretamente a seara trabalhista, principalmente nas situações em que o empregado seja flagrado portando ou usando a substância dentro das dependências da empresa, ou mesmo chegue sob a influência do entorpecente no local de trabalho, ainda que sem efeito direto no desempenho da função. 

Sobre isso, não há discussão que o empregador tem o dever de proporcionar um ambiente de trabalho harmonioso, garantindo a integridade física, emocional e moral de seus funcionários e demais que contribuem para o sucesso do empreendimento, obrigações que derivam dos artigos 7º, inciso XXII e 225 da Constituição de 1988, do Artigo 157, Inciso II, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), juntamente com os princípios constitucionais da dignidade humana e do valor social do trabalho.

Convém ressaltar, entretanto, que o dever de colaboração, na prática, cabe também ao empregado, já que ele também compõe e é o principal elemento do meio ambiente de trabalho.

A relação de colaboração entre empregado e empregador é essencial para o bom funcionamento de qualquer ambiente de trabalho e é meio dessa parceria que se estabelecem bases sólidas para o desenvolvimento pessoal e profissional dos funcionários, ao mesmo tempo em que se promove o crescimento e a estabilidade do empreendimento.

A questão não diz respeito apenas à esfera privada dos empregados, mas ocorre dentro da empresa, no ambiente de trabalho, que engloba as interações entre os colaboradores e entre estes e o empregador durante o exercício do poder diretivo, sendo fundamental a garantia de um ambiente de trabalho saudável e fundamentado no respeito mútuo.

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Entendimento

Tudo isso implica no entendimento de que, mesmo na hipótese de uma possível descriminalização do porte de substância entorpecente (maconha) através do julgamento em curso pelo STF, os colaboradores não podem, a seu critério, se valer do uso de entorpecentes nas dependências institucionais, sob pena de prejudicar o equilíbrio do ambiente laboral e ferir as regras contratuais entabuladas.

A possível controvérsia seria quanto à possibilidade de porte e consumo da substância durante o intervalo de descanso e alimentação, que, de acordo com o artigo 71, §2º da CLT, não integra a jornada a trabalho, podendo ser entendido como período de livre disposição do funcionário.

Contudo, mesmo não integrando à jornada de trabalho para fins de pagamento de horas extraordinárias, como acima consignado, por integrar o ambiente de trabalho e pelo dever de colaboração mútuos, o raciocínio que se extrai é pela impossibilidade de porte e uso de substâncias durante o período à disposição do empregador, pois isso também pode representar risco à saúde e integridade de terceiros.

Em sendo assim, apesar das intensas discussões da doutrina e jurisprudência, é possível a penalização do empregado em razão do porte e consumo, mesmo durante o intervalo intrajornada, desde que previsto em regulamento elaborado pela própria empresa ou no próprio contrato de trabalho e observados os princípios da proporcionalidade, razoabilidade e gradação das penalidades.

A penalidade pode ser estendida a qualquer atividade, e uma vez observada a escala de gradação de penas, pode culminar em dispensa por justa causa, fundamentada no artigo 482, ‘b’ da CLT (incontinência de conduta ou mal procedimento).

De toda forma, é importante que empregadores estabeleçam normas claras quanto às condutas e penalidades aplicadas no contexto laboral, inclusive quanto a eventual possibilidade de rescisão por justa causa, principalmente por meio regulamentos internos minuciosamente elaborados e que vinculem a todos os colaboradores, devendo contar com o apoio jurídico especializado e capaz de elaborar as regras sem ferir os direitos indisponíveis dos colaboradores.

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