Paradoxo da Corte

Incidência de multa e de honorários no cumprimento de sentença

Autor

  • José Rogério Cruz e Tucci

    é sócio do Tucci Advogados Associados ex-presidente da Aasp professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas e do Instituto Brasileiro de Direito Processual e conselheiro do MDA.

    View all posts

24 de maio de 2024, 8h00

Formado o título executivo judicial, de natureza condenatória, que reconheça, portanto, a exigibilidade de obrigação de pagar quantia certa, sobrevindo o trânsito em julgado, propicia-se ao vencedor a possibilidade de exigir, de forma definitiva, o cumprimento forçado da prestação.

Spacca

Não importa se o título se consubstancie em sentença propriamente dita ou decisão interlocutória que tenha julgado um dos pedidos ou apenas parte da pretensão deduzida pelo demandante; basta que o provimento judicial explicite a obrigação de pagar quantia certa, a qual também poderá ser fixada em prévia liquidação.

Exclui-se do procedimento sob análise o cumprimento de sentença que tenha por objeto débito alimentar ou dívida contra a Fazenda Pública, e, ainda, obrigação de fazer ou de não fazer e de entrega de coisa, uma vez que regrados por normas procedimentais específicas, respectivamente, nos artigos 528 a 533, 534 e 535, 536 a 538 do Código de Processo Civil.

O cumprimento definitivo da sentença é sempre deflagrado por iniciativa do credor (cf. STJ, Corte Especial, REsp nº 940.274/MS, rel. min. João Otávio de Noronha), seguindo-se a intimação do executado, para pagamento do débito no prazo de 15 dias, “acrescido de custas, se houver”.

Observe-se, pois, que o montante constante da intimação não inclui o valor de multa e de honorários advocatícios, porque indevidos se o devedor adimplir a dívida no interregno daqueles 15 dias.

Deduzido requerimento expresso para o cumprimento de sentença, o juiz determina a intimação do executado para quitar a obrigação. O ato de intimação deve seguir determinadas formalidades, a garantir que atinja o seu objetivo de modo tanto quanto possível seguro.

Modos de intimação

Considerando a situação específica de cada caso concreto, diferente será o modo de intimação do devedor.

A hipótese mais comum é aquela em que o executado vem cientificado pela imprensa oficial, a teor do artigo 513, parágrafo 2º, inciso I, do Código de Processo Civil, na pessoa de seu advogado regularmente constituído nos autos, para que pague o débito no prazo de 15 dias.

Todavia, quando representado por defensor público ou não tiver procurador constituído nos autos, o devedor será intimado por meio de carta com aviso de recebimento (artigo 513, parágrafo 2º, inciso II), cujo prazo terá início a partir da juntada deste aos autos.

Se, por outro lado, o executado foi citado por edital na fase de conhecimento e foi considerado revel, a sua intimação também será editalícia, na forma do artigo 256 do Código de Processo Civil (artigo 513, parágrafo 2º, incisos II e IV).

Ressalte-se, outrossim, que se a devedora for empresa pública ou privada, não estando representada por advogado constituído nos autos, a intimação lhe será feita por meio eletrônico, uma vez que, segundo o artigo 246, parágrafo 1º, do diploma processual, encontra-se ela obrigada a manter cadastro “nos sistemas de processo em autos eletrônicos, para efeito de recebimento de citações e intimações”.

Constitui ônus das partes manter atualizado os seus endereços, físico e eletrônico, nos autos do processo (artigo 274, parágrafo único, do Código de Processo Civil).

E isso porque, ex vi do artigo 513, parágrafo 3º, presume-se efetivado o ato de intimação, nas hipóteses do anterior parágrafo 2º, incisos II e III, ou seja, quando o devedor não estiver representado nos autos por advogado, mesmo que o seu atual endereço seja outro, não comunicado ao juízo em ocasião oportuna.

Esclareça-se, ainda, que se o credor requerer o cumprimento somente depois de um ano do trânsito em julgado da sentença, o parágrafo 4º do artigo 513 exige que a intimação seja efetivada na pessoa do devedor, mediante carta com aviso de recebimento dirigida ao endereço declinado nos autos.

O parágrafo único do artigo 274 do Código de Processo Civil dispõe que, nessa hipótese, considera-se realizada a intimação, ainda que o executado tenha passado a residir em outro local, não informado no processo. Como o ato de intimação é considerado válido, os prazos fluirão a partir da juntada aos autos do aviso de entrega da correspondência, mesmo que não recebida pessoalmente pelo devedor, no antigo endereço.

Decorrido o prazo de 15 dias, computados a partir da intimação, sem que tenha havido adimplemento voluntário do débito, em consonância com o disposto no parágrafo 1º do artigo 523, passa a incidir a multa de 10% e verba honorária, também fixada em 10% sobre a quantia devida.

Súmula 517

Ressalte-se, a propósito, que, nesse particular, o vigente Código de Processo Civil acabou adotando o entendimento sufragado no enunciado da Súmula 517/STJ: “São devidos honorários advocatícios no cumprimento de sentença, haja ou não impugnação, depois de escoado o prazo para pagamento voluntário, que se inicia após a intimação do advogado da parte executada”.

Tratando-se de litisconsortes passivos, o acréscimo da multa e dos honorários somente ocorrerá depois da intimação e do inadimplemento de todos os devedores no prazo individual de 15 dias.

É evidente que se o devedor quitar parte do débito, a multa e os honorários do patrono do exequente incidirão apenas sobre o quantum inadimplido (artigo 523, parágrafo 2º, do Código de Processo Civil).

Procede a meu ver a precisa exortação de Sergio Shimura, no sentido de que o prazo de 15 dias fixado para que o executado cumpra a determinação legal “há de fluir de modo ininterrupto, e não apenas nos dias úteis”, porque não há aí atividade técnica ou postulatória, que exija a intervenção de advogado, ficando prorrogado para o primeiro dia útil subsequente, “quando o 15º dia cair em dia em que não haja expediente forense” (Breves comentários ao novo Código de Processo Civil, obra coletiva, 3ª ed., São Paulo, Ed. RT,  2016, comentários ao artigo 523).

Pois bem, descumprida a determinação judicial e, assim, não efetuado o pagamento no prazo de 15 dias, são acrescidos ao débito a aludida multa e os honorários de sucumbência.

É esse, ademais, o atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça, como se infere de importante precedente da 4ª Turma, com voto condutor do ministro Antonio Carlos Ferreira, no julgamento do Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial nº 1.825.184/MG, do qual se extrai o seguinte trecho:

“(…) Segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, ‘a multa a que se refere o artigo 523 do Código de Processo Civil de 2015 será excluída apenas se o executado depositar voluntariamente a quantia devida em juízo, sem condicionar seu levantamento a qualquer discussão do débito’ (AgInt no AREsp n. 1.271.636/SP, relator ministro Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, DJe de 20/11/2018), o que foi observado pela Corte local.

Além disso, “o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial nº 1.134.186/RS (rel. ministro Luis Felipe Salomão, Corte Especial, DJe de 21/10/2011), sob o rito dos recursos repetitivos, firmou entendimento no sentido de cabimento de honorários advocatícios na fase de cumprimento de sentença, haja ou não impugnação, caso não ocorra o pagamento voluntário do valor da dívida, no prazo de 15 dias” (AgInt no REsp n. 1.906.380/MG, relator ministro Raul Araújo, 4ª Turma, julgado em 10/5/2021, DJe 9/6/2021), entendimento aplicado pelo Tribunal ‘a quo’…”.

Mais recentemente (13/5/2024), secundando essa sólida orientação, a mesma 4ª Turma, por ocasião do julgamento do Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial nº 2.218.203/SE, da relatoria do ministro João Otávio de Noronha, assentou, à unanimidade de votos, que:

“O depósito ou oferecimento de seguro para garantia do juízo não exime o executado da multa e dos honorários previstos no artigo 523, parágrafo 1º, do Código de Processo Civil, porquanto apenas o pagamento voluntário pode afastar a incidência das referidas sanções pecuniárias.”

Pois bem, descumprida a determinação judicial e, assim, não efetuado o pagamento no prazo de 15 dias, mesmo sem requerimento do exequente, acrescido o cálculo da dívida com os valores da multa e da verba honorária, deve ser determinada a expedição do mandado de penhora e avaliação.

Observar-se-á na sequência os demais atos de expropriação, consoante o preceituado no artigo 876 e seguintes do Código de Processo Civil.

Autores

  • é sócio do Tucci Advogados Associados, ex-presidente da Aasp, professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas e do Instituto Brasileiro de Direito Processual, conselheiro do MDA e vice- presidente do Conselho Superior de Assuntos Jurídicos da Fiesp.

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!