Opinião

Convenções processuais prévias, empregados hipersuficientes e sindicatos

Autor

  • Bruno Freire e Silva

    é professor adjunto de Teoria Geral do Processo da Uerj titular da cadeira nº 68 da Academia Brasileira de Direito do Trabalho doutor e mestre em Direito Processual na PUC-SP e sócio em Bruno Freire Advogados

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23 de maio de 2024, 15h18

O acesso à Justiça deve ser ampliado e não se limitar à jurisdição estatal. Todos os mecanismos que ensejam a solução de conflitos por outros meios que não se limitam à atuação do Poder Judiciário devem ser incentivados. É preciso avançar nesse sentido e, na seara trabalhista, além das comissões de conciliação prévia, arbitragem, homologação de acordo extrajudiciais, entre outros institutos utilizados para solução de conflitos, vislumbramos a possibilidade de negociação de direitos materiais por meio de convenções processuais prévias.

A possibilidade de a negociação processual prévia englobar direito material é possível entre empregadores e empregados hipersuficientes em contratos individuais de trabalho ou entre empregadores e sindicatos em acordos coletivos e, certamente, devem ser incentivados por ensejar segurança jurídica e previsibilidade para as partes.

Esse debate está inserido no contexto do tema da desjudicialização, que tem crescido em todas as áreas do Direito.

Reforma inovou

No Direito do Trabalho, a reforma trabalhista (Lei 13.467/07) inseriu duas novidades nessa seara: a possibilidade de utilização de arbitragem para solução de conflitos entre empresas e empregados hipersuficientes e a possibilidade de homologação extrajudicial de acordos, ambos já bastante debatidos pela doutrina especializada.

Nesse contexto, ainda pouco utilizado na prática trabalhista é a possibilidade de utilização de convenções processuais como instrumento de negociação extrajudicial não somente de procedimentos e situações jurídico processuais, mas também de direito material.

Sua utilização como instrumento de negociação extrajudicial de direito material entre empregadores e empregados deve ocorrer desde que por meio de convenções prévias, com trabalhadores que possuam autonomia negocial (hipersuficientes) e que traga vantagens para ambas as partes.

Spacca

Não há dúvida de que as partes defendem interesses antagônicos, mas a convenção processual surge da convergência de interesses concernentes ao procedimento a ser implementado no processo. Se não é raro que haja composição acerca do mérito da causa, seguramente poderá ocorrer convergência também a respeito do procedimento ou de situações jurídicas processuais, como a escolha conjunta de um perito ou delimitação da prova a ser produzida.

Direito material e prevenção

As convenções prévias poderão ser inseridas em instrumentos que também tratam do direito material envolvido na relação jurídica regulada, já prevendo um específico desenho processual para o caso de haver descumprimento daquelas obrigações. A convenção sobre foro de eleição, ônus da prova e o compromisso arbitral são tradicionais exemplos de convenções processuais típicas inseridas em instrumentos que objetivam, precipuamente, regular relações de direito material.

É possível também que as convenções processuais prévias possam influenciar e exercer uma postura de prevenção à instauração de processos judiciais, como as cláusulas que retiram a solução do litígio do Judiciário.

Nesse sentido, são exemplos de negócios processuais prévios que visam a excluir do Judiciário o julgamento da demanda ou, pelo menos, inserir uma fase prévia extraprocessual: o pactum de non petendo, por meio do qual o credor se compromete a não cobrar judicialmente seu crédito — e por isso também chamado simplesmente de perdão da dívida; as obrigações de paz, de aplicação mais comum do direito do trabalho, e que impõem aos interessados a submissão do litígio a um prévio foro de negociação extrajudicial antes da propositura de uma demanda judicial; a cláusula compromissória, que exclui a jurisdição estatal para o julgamento do litígio, remetendo- o ao tribunal arbitral.

Hipersuficientes

As convenções processuais prévias, pois, a partir da cláusula geral de convencionalidade processual, podem assumir um novo papel nas negociações de direito material, inclusive de direito do trabalho. Nesse caso, há necessidade da existência de autonomia negocial do trabalhador, o que sem dúvida sempre existirá no caso dos hipersuficientes.

É importante registrar que trabalhadores hipersuficientes possuem autonomia negocial para firmar convenção processual e transacionar extrajudicialmente sobre direitos materiais, livre do controle paternalista do Ministério Público do Trabalho, Sindicatos ou mesmo Justiça do Trabalho.

Assim, pode estabelecer sua jornada de trabalho na modalidade 12 h x 36 h (artigo 59-A da CLT); acordar regime de banco de horas (artigo 59, § 5.º, da CLT); pactuar livremente os termos de seu contrato de trabalho, se detentor de certo nível acadêmico e econômico (artigo 444, parágrafo único, da CLT); extinguir por acordo seu contrato de emprego (artigo 484-A da CLT); celebrar cláusula compromissória de arbitragem, se  detentor de certo nível econômico (artigo 507-A da CLT); quitar suas verbas de rescisão contratual sem a presença de sindicato com eficácia liberatória (artigo 477 da CLT); passar a depender exclusivamente de sua vontade a realização de desconto das contribuições sindicais de seu vencimento (artigo 545 da CLT); acordar sobre redução ou aumento da jornada de trabalho (artigo 611-A, I); aceitar a prorrogação de sua jornada em ambientes insalubres (artigo 611-A, XIII); e, ainda, abdicar de prêmios (artigo 611-A, XIV).

Autores

  • é professor adjunto de Teoria Geral do Processo da Uerj, titular da cadeira nº 68 da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, doutor e mestre em Direito Processual na PUC-SP e sócio em Bruno Freire Advogados

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