Opinião

Desoneração tributária ampla de doações na calamidade é relevante e oportuna

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22 de maio de 2024, 13h28

Em meio a inqualificáveis tristezas e a inúmeros desafios esperados para a reconstrução de um Rio Grande do Sul assolado pelos eventos climáticos, uma força se destaca: a solidariedade e a mobilização da sociedade civil.

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O auxílio aos necessitados e às vítimas das enchentes tem ocorrido de vários modos, e em especial por meio de doações. As doações em dinheiro, praticadas com a instantaneidade de um Pix, são feitas diretamente à conta do estado ou dos municípios gaúchos afetados, e também para entidades, empresas e movimentos comunitários. E é nesse particular que algumas medidas fiscais carecem de uma avaliação urgente pelos legisladores nos níveis estadual e federal.

No âmbito estadual, para usar um exemplo, o ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação) tem previsão normativa de incidência sobre as doações em espécie. É devido, no caso de doações de direitos, ao estado onde tem domicílio o doador.

As legislações de alguns estados já concedem determinadas isenções às doações sociais in natura, de roupas e alguns equipamentos, ou mesmo de dinheiro, estas quando destinadas aos cofres dos próprios estados ou municípios beneficiários. Porém, no caso de doações em espécie, é comum que, com objetivos antievasivos, as legislações estaduais estabeleçam limites para doações em dinheiro a qualquer outra pessoa, empresa ou entidade privada. No próprio Rio Grande do Sul, a isenção do ITCMD sobre o valor doado fica limitada ao valor atual de R$ 3.450 a cada mês, conforme a legislação vigente (artigo 7º, X, Lei nº 8.821/89).

Isenção integral

Não obstante, é relevante que a legislação de cada Estado assegure a isenção integral do imposto de sua competência sobre as doações em dinheiro para pessoas e entidades privadas, ou mesmo que seja atualizada para aumentar os limites de isenção nessas hipóteses, quando essas doações são destinadas a mitigar danos humanos e materiais decorrentes de uma calamidade pública tão excepcional como a que enfrentamos.

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Semelhante raciocínio pode ser estendido às doações de mercadorias, bem como às respectivas prestações de serviços de transporte, que contam com isenção de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) quando destinadas diretamente ao estado, a entidades governamentais ou a entidades assistenciais reconhecidas como de utilidade pública. Cabe cogitar-se de estender a isenção do ICMS, ao menos por algum prazo, às operações destinadas a qualquer empresa ou entidade que estejam efetivamente utilizando os bens adquiridos para assistência a vítimas de calamidade pública.

Além desses aspectos no nível de legislações estaduais, e ainda mais relevante, o legislador da União também tem a oportunidade de rever, ao menos em parte, as atuais restrições legais à dedução fiscal de doações por pessoas físicas e jurídicas — estas, para fins do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) e da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) —, quando relacionadas a um estado de calamidade pública.

Para efeito de apuração do lucro real e da base de cálculo da CSLL que seguem esse regime de apuração, há uma vedação legal ampla à dedução de doações, com algumas exceções pontuais (artigo 13, VI, Lei nº 9.249/95). Uma empresa que doa bens de primeira necessidade para colaboradores e familiares desalojados nas enchentes deve ter a certeza de, no mínimo, poder descontar a despesa ao apurar seus tributos. A empresa que doa em tal contingência não aufere renda na operação.

Oneração antifinanceira

Não faz sentido haver oneração fiscal a auxílios financeiros altruístas, destinados a entidades ou particulares que se colocam diretamente na linha de frente do socorro. Ao contrário, em uma emergência como a atual, muitas vezes é na ponta que os recursos precisam chegar em primeiro lugar.

Que se estabeleçam certos limites legais, obrigações acessórias ou prestações de contas razoáveis para a fiscalização pública, porém sem tornar os auxílios financeiros espontâneos mais onerosos por força de regras tributárias elaboradas em outros contextos.

A oneração fiscal às tarefas de socorro e reconstrução no caso de uma extrema urgência passa a ser antifinanceira, quando são os próprios particulares que, desempenhando atividades de interesse público, aliviam custos e obrigações estatais, cuja arrecadação sequer se contaria, se não fosse a própria calamidade verificada.

Não se trata de conceder benefícios fiscais, portanto. Assegurar a mais ampla desoneração fiscal de doações na calamidade é reconhecer os esforços de heróis anônimos, empresas, entidades e particulares que se unem ao poder público nas difíceis e ainda mais volumosas tarefas de reconstrução que virão.

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