Opinião

Abuso sexual infantil e juvenil e educação sexual nas escolas

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18 de maio de 2024, 6h04

Há 24 anos, a Lei nº 9.970/2.000 estabeleceu o dia 18 de maio como o “Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes”. Este dia foi escolhido em virtude de um caso brutal de violência sexual e assassinato de uma menina de 8 anos em Vitória (ES), o “caso Araceli”. Desde então, a data se tornou importante para que a sociedade brasileira possa refletir sobre a importância de se proteger efetivamente nossas crianças e adolescentes, criando ou mesmo aperfeiçoando as políticas públicas existentes.

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bullying escola

A Constituição determina que os direitos fundamentais das crianças e adolescentes devem ser assegurados com absoluta prioridade, devendo haver punição severa ao abuso, violência e exploração sexual de nossas crianças e jovens. Proteção efetiva implica a necessidade de adoção de ações de prevenção, punição e erradicação.

No que tange às políticas públicas preventivas e necessárias para a proteção do abuso e exploração de crianças e adolescentes, costuma haver uma captura ideológica da pauta da violência de natureza sexual contra crianças e adolescentes que passa pelo que temos chamado de políticas antigênero, no Brasil e fora dele.

A prevenção do abuso e da violência sexual impõe a constatação de que essa violência atinge majoritariamente as meninas e as adolescentes. Ou seja, o gênero, enquanto categoria de análise, tem que estar presente se quisermos pensar de forma qualificada essas políticas de prevenção. Gênero, em uma perspectiva intersecional na qual demais marcadores de opressão como raça e classe social também possam ser considerados.

A educação sexual nas escolas costuma ser questionada pelos opositores das políticas de gênero de forma completamente fantasiosa e distorcida, gerando um pânico social que vai em sentido contrário ao que a educação sexual pode possibilitar: o reconhecimento pelas próprias crianças e adolescentes das situações de abuso e violência.

Dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), publicados no Boletim Epidemiológico, Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente, Ministério da Saúde (volume 54, nº 8, 29 fev. 2024), de 2015 a 2021, mostram que dos 202.948 casos de violência sexual contra crianças e adolescentes no Brasil, 70,9% deles, na faixa de 0 a 9 anos, e 63,5%, na faixa etária de 10 a 19 anos, ocorreram em residências. Sendo que 64,3% dos abusos, para o primeiro grupo, e 48,8%, para o segundo, foram praticados por familiares (pai, mãe, irmão, madrasta e padrasto), amigos, ou conhecidos.

Já os abusos ocorridos em escolas somaram apenas 4,0% e 1,4%, respectivamente.

No período em questão, foram notificados de modo crescentes os casos, ano após ano, com uma significativa redução em 2020, seguida por um grande acréscimo em 2021, indicando o impacto da Covid-19.

Spacca

De um lado, tem-se que estudos com coleta de dados diretamente junto às famílias indicam um claro aumento da violência doméstica, inclusive a sexual contra crianças e adolescentes, em decorrência do isolamento social. De outro lado, possivelmente em razão justamente de tal isolamento, dados oriundos de registros hospitalares e policiais apontaram uma diminuição nas notificações.

É necessário, portanto, considerar que o período da Covid-19 afetou explicitamente o funcionamento dos serviços de saúde e das escolas, pontos da rede de proteção fundamentais para esse grupo.

Ambiente escolar previne

Se as pesquisas mostram a capacidade do ambiente escolar de prevenir e proteger as crianças e adolescentes de uma violência que ocorre de forma massiva no ambiente doméstico e praticada basicamente por familiares, a defesa do “homeschooling” para afastar as crianças e jovens do ambiente escolar em que circularia o “mal do gênero” mostra-se incompatível com a necessidade de maior proteção e de erradicação dessas violências.

Para a decepção de alguns, aulas de educação sexual não “ensinam” ninguém a “mudar de gênero”, tampouco a ser homossexual, transexual, ou promíscuo. São justamente nessas aulas ou após palestras e outras abordagens educativas — como o interessante projeto Eu Tenho Voz — que muitas crianças e jovens compreendem a dimensão dos abusos a que são submetidas e a possibilidade de contarem, em primeiro lugar, com o apoio do corpo de funcionários da escola para serem ouvidos e encaminhados para a rede de proteção.

Portanto, se há uma genuína preocupação em proteger crianças e adolescentes da violência sexual, a última instituição a ser desprestigiada deve ser a escola.

Já o lar, na verdade, tem sido um ambiente bastante hostil para um sem número de meninas, especialmente (correspondendo os abusos contra elas a 76,8% dos casos de violência sexual na faixa de 0 a 9 anos, e 92,7%, na de 10 a 19).

É preciso implicar a todos e todas nessa tarefa, de famílias, passando por escolas, demais equipamentos públicos e também instituições sociais e religiosas, nos termos do artigo 227 da Constituição.

Pânico moral, teorias da conspiração, e o mais completo desapego a dados e estatísticas da realidade não favorecem o enfrentamento da séria questão da violência sexual contra crianças e adolescentes.

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