Opinião

Decisões do STF sobre pejotização já influenciam 1ª instância

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  • é advogada trabalhista co-fundadora do escritório Mendes & Raymundo Leo Advogados pós-graduada pela PUC-MG em Direito Processual e em Direito e Processo do Trabalho.

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27 de janeiro de 2024, 15h16

Pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) [1] analisou 841 decisões monocráticas de mérito prolatadas pelo Supremo Tribunal Federal entre 1º de janeiro e 20 de agosto de 2023 envolvendo as temáticas “pejotização” e “terceirização”. A análise das decisões revelou que 64% das reclamações foram julgadas procedentes, afastando o vínculo empregatício.

Esse cenário vem se mantendo nas primeiras semanas de 2024. Conforme pesquisa realizada no repositório de jurisprudência do STF, de 1 a 22 de janeiro foram proferidas 13 decisões monocráticas das quais 12 foram procedentes [2] e uma teve a liminar deferida para suspender o andamento do processo na Justiça do Trabalho enquanto o mérito da reclamação não for julgado [3].

As decisões nestas reclamações estão pautadas no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 324, de relatoria do ministro Roberto Barroso, no qual assentou-se a constitucionalidade da terceirização da atividade-fim ou meio [4], bem como no julgamento do Tema 725 [5] de Repercussão Geral no qual reconheceu-se a possibilidade de organização da divisão do trabalho não só pela terceirização, mas de outras formas desenvolvidas por agentes econômicos.

Conforme o voto do ministro Alexandre de Moraes na ADPF 324:

“[a] Constituição Federal não veda ou restringe expressa ou implicitamente a possibilidade de terceirização, enquanto possibilidade de modelo organizacional, como bem destacado pelos votos dos Ministros relatores ROBERTO BARROSO e LUIZ FUX, cujos fundamentos adoto, sem, contudo, repeti-los, por celeridade processual e razoável duração do voto.

Vou, porém, mais além ao afirmar que a Constituição Federal tampouco impõe qual ou quais as formas de organização empresarial devam ou possam ser adotadas, pois assegurou a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.

 No sistema de produção capitalista, consagrado constitucionalmente, a escolha do modelo organizacional das empresas compete ao empreendedor, não podendo ser imposta pelo Estado.

O texto constitucional não permite, ao poder estatal – executivo, legislativo ou judiciário – impor um único e taxativo modelo organizacional para as empresas, sob pena de ferimento aos princípios constitucionais da livre iniciativa e livre concorrência.”

Reflexos na primeira instância
Embora o STF não tenha julgado especificamente o tema “pejotização”, o entendimento da corte é no sentido de que a interpretação conjunta dos precedentes ADPF 324 e do Tema 725 de Repercussão Geral – permite o reconhecimento da licitude de outras formas de relação de trabalho que não a relação de emprego.

Sob esta perspectiva, o momento jurídico, e político, se mostra favorável à validade da contratação por meio de prestador de serviço [6] e, na primeira instância, já é possível ver o reflexo das decisões do STF quanto à matéria.

Números dos tribunais
Consultando o repositório de jurisprudência do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-SP), No período de 1º a 22 de janeiro de 2024 foram publicadas 24 sentenças com a temática “pejotização”. Catorze [7] delas julgaram procedente o pedido de reconhecimento de vínculo, enquanto dez [8] julgaram improcedente, por disciplina judiciária, mencionando na fundamentação as decisões do STF em reclamações.

No Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região (TRT-BA), No período de 1º a 22 de janeiro de 2024 foram publicadas nove sentenças com a temática “pejotização”. Três [9] delas julgaram procedente o pedido de reconhecimento de vínculo, enquanto seis [10] julgaram improcedente, por disciplina judiciária, mencionando na fundamentação as decisões do STF em reclamações.

Segurança jurídica
Embora ainda se esteja longe da uniformização da jurisprudência em âmbito trabalhista, certo é que muitos juízes já estão julgando de forma a preservar a jurisprudência do STF garantindo, desta forma, segurança jurídica ao jurisdicionado.

O avanço das decisões sobre a pejotização certamente influenciará a atuação das empresas e dos trabalhadores na forma como estruturam suas relações contratuais, mas, até lá, podemos esperar muitas decisões do STF, em sede de reclamação, sobre o tema.


[1] https://repositorio.fgv.br/items/b8957d04-ce85-4a97-8cf9-3c663336932b. Acessado em 22/01/2024

[2] RCL’s 65046, 65043, 64752, 63566, 62272, 64801, 64762, 64765, 64897, 65011, 64746, 64713.

[3] RCL 63710

[4] ADPF 324 – TESE:1.  É lícita a terceirização de toda e qualquer atividade, meio ou fim, não se configurando relação de emprego entre a contratante e o empregado da contratada. 2. Na terceirização, compete à contratante: i) verificar a idoneidade e a capacidade econômica da terceirizada; e ii) responder subsidiariamente pelo descumprimento das normas trabalhistas, bem como por obrigações previdenciárias, na forma do art.31 da Lei 8.212/1993.

[5] Tema 725 da Repercussão Geral – RE 958.252 – TESE: É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante.

[6] Chamada de “pejotização” pela Justiça de Trabalho, de forma pejorativa, fazendo referência à fraude na contratação de profissionais liberais por meio de empresa de prestação de serviço.

[7] 1000328-46.2023.5.02.0382; 1001501-14.2023.5.02.0089; 1000439-09.2023.5.02.0001; 100171055.2023.5.02.0065; 1001473-98.2023.5.02.0007; 1000439-09.2023.5.02.0001; 100071480.2023.5.02.0704; 1000863-92.2023.5.02.0052; 1001343-80.2023.5.02.0081; 100085329.2023.5.02.0705; 100115992.2023.5.02.0027; 1000616-74.2023.5.02.0032; 100071204.2021.5.02.0471; 100164202.2023.5.02.0067; 1000993-68.2023.5.02.0089

[8] 1000328-46.2023.5.02.0382; 1001332-55.2022.5.02.0382; 1001175-48.2023.5.02.0382; 100179240.2023.5.02.0048; 1001163-86.2022.5.02.0473; 1001025-63.2022.5.02.0718

1001188-89.2022.5.02.0056; 1000288-05.2023.5.02.0046; 1000599-05.2023.5.02.0043

1000328-46.2023.5.02.0382

[9] 0000633-73.2023.5.05.0023; 0000462-54.2023.5.05.0561; 0000401-73.2023.5.05.0019

[10] 0001494-44.2017.5.05.0581; 0000254-84.2023.5.05.0039; 0000918-72.2022.5.05.0194; 000049379.2020.5.05.0561; 0000054-25.2021.5.05.0661; 0000258-20.2023.5.05.0008

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