Opinião

Impactos da reforma tributária do ITCMD nos planejamentos sucessórios

Autor

  • Lucas Azevedo da Fonseca

    é advogado sócio do escritório Saiani & Saglietti Advogados bacharel em direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie especialista em direito tributário pela PUC/SP e gestor tributário pela FIPECAFI.

9 de janeiro de 2024, 17h17

No dia 20 de dezembro de 2023, o Congresso promulgou a Emenda à Constituição nº 132, a qual visa promover a alterações estruturais no Sistema Tributário Nacional, com o advento do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) sob o formato dual, com a substituição gradual de cinco tributos pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).

Além dessas profundas alterações, as modificações nos dispositivos constitucionais alcançam, ainda, outros impostos que impactam também os planejamentos sucessórios e tributários, que visam a organização e transferência de bens e direitos de um titular para outro, como é o caso do ITCMD, o qual é de competência dos Estados e do Distrito Federal e, ainda, incide sobre doações e transmissões causa mortis.

Dentre as principais modificações no ITCMD, foi incluído na EC nº 132/2023 dispositivo constitucional que autoriza aos Estados e ao Distrito Federal a cobrança do imposto estadual sobre doações sobre bens e direito cujo doador resida ou tenha domicílio no exterior e transmissões causa mortis de bens situados no exterior que, segundo a atual redação, exigiria a edição de lei complementar federal específica (artigo 155, § 1º, inciso III, alíneas “a” e “b”)[1].

Neste ponto, segundo a redação da EC,, a Lei Complementar tornou-se prescindível para a definição da competência tributária, na medida em que restou definida da seguinte forma:

“Art. 16. Até que lei complementar regule o disposto no art. 155, § 1º, III, da Constituição Federal, o imposto incidente nas hipóteses de que trata o referido dispositivo competirá:

I – relativamente a bens imóveis e respectivos direitos, ao Estado da situação do bem, ou ao Distrito Federal;

II – se o doador tiver domicílio ou residência no exterior:

a) ao Estado onde tiver domicílio o donatário ou ao Distrito Federal;

b) se o donatário tiver domicílio ou residir no exterior, ao Estado em que se encontrar o bem ou ao Distrito Federal;

III – relativamente aos bens do de cujus, ainda que situados no exterior, ao Estado onde era domiciliado, ou, se domiciliado ou residente no exterior, onde tiver domicílio o sucessor ou legatário, ou ao Distrito Federal.”

Nesse diapasão, as alterações se resumem da seguinte forma:

  • Doações e sucessões de bens imóveis – e seus respectivos direitos – competirão ao Estado onde se situa o bem ou ao Distrito Federal;
  • A doação realizada por doador residente ou domiciliado no exterior competirá ao Estado ou ao Distrito Federal onde se situa o donatário ou, caso o donatário possua residência ou domicílio no exterior, aquele Estado onde se situar o bem ou ao Distrito Federal;
  • Em relação aos bens transmitidos por sucessão ainda que localizados no exterior, competirá ao Estado onde o de cujus era domiciliado ou, quando residente ou domiciliado no exterior, no domicílio do sucessor ou legatário ou, ainda, ao Distrito Federal.

Como se não bastasse a alteração para permitir a incidência do ITCMD sobre doações e transmissões causa mortis no exterior, a EC nº 132/2023 incluiu, ainda, o inciso VI no § 1º do artigo 155 da Constituição, prevendo a possibilidade de que o ITCMD seja progressivo em razão do valor do quinhão, do legado ou da doação.

Ainda, a EC estabelece, em seu artigo 23, inciso III [2], que a alteração em questão entrará em vigor na data da publicação da promulgação em relação aos dispositivos não especificados nos demais incisos, como é o caso do artigo 16.

Tais modificações impactam diretamente no planejamento tributário e sucessório, na medida em que, a princípio, as modificações constitucionais teriam notadamente plena eficácia a partir da data de promulgação (20/12/2023).

Contudo, insta ressaltar que as alterações realizadas pela EC nº 132/2023 — seja na forma de inclusões nos dispositivos constitucionais, seja no texto da emenda constitucional proposta — dependem, para sua plena eficácia, de regulamentação diretamente por lei estadual específica, não podendo o Estado ou o Distrito Federal instituir ou majorar tributos sem lei que o estabeleça, de modo que as modificações no ITCMD dependerão da edição de lei estadual ou distrital específica (artigos 150, I, da Constituição, e 9º, I, do CTN).

No caso do Estado de São Paulo, a Lei Estadual nº 10.705/2000, em seu artigo 4º, incisos I, alínea “b”, e II, alínea “b”, prevê a cobrança do ITCMD sobre as doações e sucessões no exterior, dispositivo este que, contudo, foi considerado inconstitucional pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal face ao dispositivo vigente no julgamento de mérito do Recurso Extraordinário (“RE”) nº 851.108 (Tema nº 825)[3], sendo certo que, em uma primeira análise, o dispositivo teria plena eficácia e validade para ser aplicável. Por outro lado, a progressividade do ITCMD dependerá de posterior modificação por lei.

Além disto, a Constituição ainda limita a pretensão fazendária para vedar a cobrança de tributo que tenha sido instituído ou majorado no mesmo exercício da publicação da lei (artigo 150, III, “b”, da CF/1988), além da necessidade de observância ao prazo de 90 dias da publicação da aludida lei (artigo 150, III, “c”, da CF/1988), como é o caso da incidência do ITCMD sobre doações de doador no exterior. Igualmente, a limitação se aplica ao caso da majoração da base de cálculo e da alíquota do ITCMD, como é o caso da instituição de alíquotas progressivas de acordo com a base de cálculo, vez que dependem da observância às aludidas limitações constitucionais.

De todo o modo, não restam dúvidas de que, em virtude das alterações promovidas pela EC nº 132/2023, os planejamentos sucessórios e tributários serão diretamente impactados com a maior onerosidade no que diz respeito às doações envolvidas, ainda que sejam resguardadas as garantias dos contribuintes.

 


[1] “Art. 155. (…) § 1º O imposto previsto no inciso I:

III – terá competência para sua instituição regulada por lei complementar:

  1. a) se o doador tiver domicilio ou residência no exterior;
  2. b) se o de cujus possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve o seu inventário processado no exterior;”

[2] “Art. 23. Esta Emenda Constitucional entra em vigor: (…)

III – na data de sua publicação, em relação aos demais dispositivos.”

[3] Tese fixada pelo E. STF no julgamento do RE nº 851.108: “É vedado aos estados e ao Distrito Federal instituir o ITCMD nas hipóteses referidas no art. 155, § 1º, III, da Constituição Federal sem a intervenção da lei complementar exigida pelo referido dispositivo constitucional” (RE 851108, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 01-03-2021, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-074 DIVULG 19-04-2021 PUBLIC 20-04-2021)

Autores

  • é advogado, sócio do escritório Saiani & Saglietti Advogados, bacharel em direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, especialista em direito tributário pela PUC/SP e gestor tributário pela FIPECAFI.

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