Opinião

'Stalking horse' garante preço mínimo para ativos na falência ou recuperação

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5 de fevereiro de 2024, 19h44

Com a redação ofertada pela Lei 14.112/20, o artigo 142 da Lei de Recuperação Judicial, Extrajudicial e Falência (11.101/05) autorizou no inciso V, para a alienação de bens em geral o uso de “qualquer modalidade, desde que aprovada nos termos da lei”. Quanto à realização de ativos, o artigo 144 prevê que “havendo motivos justificados, o juiz poderá autorizar mediante requerimento fundamentado do administrador judicial ou do comitê modalidades de alienação diversas das previstas no artigo 142 desta lei”.

 Como se denota, há na lei brasileira uma margem de liberdade para a realização de ativos, desde que com motivos justificados e que passe pela vigilância do magistrado, Ministério Público e do administrador judicial, o que levou a uma abertura de possibilidades e ao uso de mecanismos mais modernos e mais eficientes do ponto de vista de monetização do patrimônio das empresas em situação falimentar ou em recuperação judicial, como forma de não apenas diminuir o tempo dos processos dessa natureza, mas, consequentemente, tornar mais célere aos credores o recebimento de seus créditos.

Com isso, figuras “importadas” de outras jurisdições, como a modalidade de alienação “stalking horse”, puderam ser recepcionadas pelo ordenamento jurídico brasileiro.

O termo “stalking horse” é originário do direito falimentar americano e foi introduzido no Brasil para utilização em casos de recuperação judicial e falências, com ampla inclusão nos planos de recuperação judicial e reiteradamente reconhecido como válido pela jurisprudência.

Através do “stalking horse”, a empresa em recuperação judicial ou em situação falimentar (devedora) se utiliza desse mecanismo para ter licitante inicial (o “stalking horse”) visando à venda de seus ativos. Assim, esse licitante inicial estipulará um lance mínimo para alienação dos ativos da recuperanda, de maneira a garantir um preço base para a futura venda, que normalmente ocorre através de leilão.

 Esse interessado, então, sob observância do Ministério Público e administrador judicial apresenta uma proposta vinculante na aquisição de determinado ativo, se obrigando a pagar determinado valor à empresa em recuperação judicial, caso ela promova a alienação dentro de um processo competitivo na recuperação judicial.

Função do “stalking horse”
O “stalking horse” assegura um preço mínimo para determinado ativo ou para uma universalidade de ativos. No entanto, o interessado se sujeita a ser vencido no procedimento de leilão se outro oferecer um preço maior e o “stalking horse” não conseguir cobrir o lance.

Evidente que o “stalking horse” terá vantagens até mesmo pelo risco assumido na aquisição de ativos decorrentes de uma empresa em situação financeira delicada, porém tudo dentro da licitude e jamais lhe podem ser conferidos privilégios. Por exemplo, como vantagem, terá direito a cobrir um lance que tenha sido feito maior que o valor mínimo estipulado. Eventual disputa aqui entre o “stalking horse”, a devedora e aquele que o venceu ou foi vencido no leilão promovido pela devedora na recuperação aumentará o valor dado pelo ativo alienado, o que será vantajoso ao grupo de credores.

Taxa de rescisão
Outra compensação que terá o “stalking horse” é fixação a favor dele uma “taxa de rescisão” (break up fee), caso seja vencido no certame. Essa taxa, notadamente, é justificada pelo tempo e esforço dispendidos pelo “stalking horse”, além das despesas e riscos que assumiu ao mesmo tempo que a sua existência promoveu um benefício ao credor e ao conjunto de credores.

A presença de um “stalking horse” — essa figura do interessado na compra por tal modalidade — estimula a vinda de novos concorrentes ao processo de alienação, fazendo com que o ativo seja vendido por valores mais elevados e competitivos, beneficiando ao final a recuperanda e seus credores.

Arrematação por qualquer valor x Garantia de lance mínimo
Não é demais ressaltar novamente que, pela lei brasileira, o leilão, na terceira chamada, admite a arrematação por qualquer valor (artigo 142, §3º, III), o que leva os concorrentes a ofertarem valores extremamente baixos. Já com a existência de um “stalking horse” e a estipulação de um preço mínimo, a garantia desse lance mínimo elevado e ajustado previamente proporcionará a maximização dos ativos.

Vale destaque o entendimento exarado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo[1] ao apreciar a figura do “stalking horse” na recuperação judicial da Estre Ambiental S.A: “a princípio, a existência de proponente como “stalking horse bidder” em um processo de alienação de bens não representa, por si só, qualquer irregularidade. Pelo contrário, a estratégia de possuir um interessado com proposta vinculante, além de garantir a alienação do bem, permite que um preço-base, de interesse para a recuperanda e para coletividade de credores, seja fixado, o que pode não ocorrer em praceamentos tradicionais. Patente, pois, que a oferta stalking horse atende ao princípio do soerguimento da recuperanda, obstaculizando a realização de leilões com lances mais baixos”.

 A estipulação de um lance mínimo através de um “stalking horse” é para a recuperanda uma medida estratégica para evitar que os ativos da empresa sejam vendidos por valores muito menores que o do mercado, representa ainda maior celeridade na sua realocação no mercado e que referidos bens corram menor risco de deterioração, certamente privilegiando o princípio da preservação da empresa.


[1] Agravo de Instrumento n. 2230472-34.2021.8.26.0000, Relatoria Desemb. Franco de Godoi, 1 Câmara Reservada de Direito Empresarial, j. 30/03/2022

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