Opinião

Complemento na indenização por desapropriação e o Tema 865 do STF

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5 de fevereiro de 2024, 11h15

O direito de propriedade consiste em relevante garantia constitucional assegurada ao cidadão (artigo 5º, XXII, da CF). Não por acaso, a propriedade se presume “plena e exclusiva, até prova em contrário”, conforme dispõe o artigo 1.231, do Código Civil.

Entretanto, em situações excepcionais se admite a intervenção do Estado no direito de propriedade na busca da satisfação dos anseios coletivos, o que acaba por limitar direitos individuais dos proprietários. Trata-se corolário do princípio da “supremacia do interesse público sobre o privado”.

Desapropriação 
Dentre as modalidades de intervenção do Estado na propriedade, destaca-se a desapropriação, regulamentada no Decreto-Lei 3.365/41 e que consiste em forma de intervenção supressiva cujo Estado transfere para si a propriedade do terceiro particular mediante, em regra, o pagamento de indenização.

Durante longo lapso temporal, pendia controvérsia acerca do pagamento da complementação da indenização por desapropriação apurada em processo judicial. De um lado, os defensores da tese de que o pagamento deveria ser dar mediante o regime de precatórios por se tratar de condenação judicial imposta à Fazenda Pública, invocando o disposto no artigo 100, §1º, da Constituição e os princípios orçamentários.

Por outro lado, uma segunda corrente de entendimento defendia que o pagamento de indenização decorrente de desapropriação deveria se dar de modo direto e sem a submissão ao moroso regime de precatórios, incompatível com a garantia de pagamento “prévio” e “em dinheiro”, conforme previsão contida no artigo 5º, XXIV da CF e artigo 32, do Decreto-Lei 3.365/41.

Entendimento do STF
Ao analisar a matéria, o Supremo Tribunal Federal dispôs que o pagamento da diferença entre o depósito inicial realizado pelo ente público nas ações de desapropriação e o valor apurado em sentença realizado por precatório, em regra, não viola a garantia de indenização prévia em dinheiro, já que observa a proporcionalidade e o equilíbrio das contas públicas. Entretanto, caso o ente público expropriante não esteja adimplente com os seus precatórios, o pagamento deverá ser realizado por meio do depósito direto, consistindo em relevante exceção ao regime dos precatórios.

Cumpre a transcrição da tese firmada no Tema 865 do Supremo Tribunal Federal julgado em sede de repercussão geral e publicado no Informativo de jurisprudência nº 1113:

“No caso de necessidade de complementação da indenização, ao final do processo expropriatório, deverá o pagamento ser feito mediante depósito judicial direto se o Poder Público não estiver em dia com os precatórios” (STF. Plenário. RE 922.144/MG, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, julgado em 19/10/2023 – Repercussão Geral – Tema 865. Informativo 1113).

O referido precedente, de observância obrigatória pelos demais juízes e tribunais (artigo 927, do CPC), se revelou em parcial sintonia com antiga crítica da doutrina especializada que questiona a condição de “Estado de Direito” do ente público que “arrasta à eternidade sua fila de credores pelos não menos abomináveis precatórios” (BEZNOS, Clóvis. Aspectos jurídicos da indenização na desapropriação. 2ª edição. Belo Horizonte: Fórum, 2016, p. 17).

Visão da doutrina
De todo modo, embora reconheça que houve acerto na decisão do STF, cumpre trazer à baila crítica doutrinária quanto à possibilidade do pagamento direto somente se o poder público não estiver em dia com os precatórios, por se tratar de exceção que não encontra respaldo no texto constitucional e uma contradição em seus próprios termos: “se o pagamento por meio de precatório não é prévio, por qual razão utilizá-lo, se o regime de pagamento precatorial estiver em dia? Nada justifica a exceção inserida na tese” (SCAFF, Fernando Facury).

Observa-se, contudo, possibilidade concreta do cidadão privado de sua propriedade em receber a indenização do Estado sem a incidência do comumente moroso regime de precatórios a partir do precedente da Suprema Corte.

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