Opinião

Acordo informal para alterar pagamento de pensão alimentícia

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11 de abril de 2024, 17h13

Ao longo do tempo, a obrigação alimentar estabelecida em juízo (ou por acordo extrajudicial) se sujeita a variações diversas. Não apenas em relação a seus fundamentos objetivos de necessidade e possibilidade, autorizadores legais da revisão judicial, mas também a aspectos quotidianos que muitas vezes não se alteram sob o manto formal do Direito.

A realidade prática, contudo, revela alterações pontuais na prestação dos alimentos, o que não poderia ser diferente; afinal, trata-se da obrigação periódica por excelência, a ser adimplida continuamente, sujeita a um adicional de variabilidade inegável.

Nesse sentido despontam as reorganizações informais realizadas entre as partes da relação jurídico-alimentar, que muitas vezes não buscam o Judiciário para alterar a forma de adimplemento.

O rearranjo informal do modo de pagamento se concebe em várias situações: compensação de valores, inclusão de novos, supressão de despesas desnecessárias etc. As necessidades da rotina, especialmente das crianças e adolescentes, se alteram rapidamente, e a atualidade da obrigação alimentar não fica imune a críticas.

Obrigação alimentar alterada por acordo informal

Afinal, atualizar o pagamento não significa apenas o uso de taxas financeiras anti-inflacionárias ou a vinculação do valor ao salário-mínimo, e por isso as partes no geral não costumam procurar o Judiciário para rever continuamente suas pensões (e quando o fazem, a sentença analisa apenas um momento específico, as vezes tardiamente).

De qualquer forma, é necessário afirmar: desprovida de segurança jurídica, a obrigação alimentar alterada pela vontade informal das partes não é aconselhável, mas existe.

Wilson Dias/Agência Brasil

Nesse sentido, pode-se mencionar uma porção de exemplos: um menor que se matricula em nova atividade extracurricular que é suportada justamente pelo genitor alimentante; a concessão de casa própria a título de moradia à ex-esposa e aos filhos após sentença de alimentos; etc.

Verdade seja dita, algumas vezes, o acordo alimentar possui uma cláusula de escape para tais situações, como uma espécie de tutela geral de despesas não consagradas.

Esse é o melhor dos mundos, onde inclusive a proporção entre os genitores pode ser pré-fixada; mas a experiência quase nunca é ideal, e as obrigações costumam ser meramente fixadas em valor ou porcentagem, por vezes sem menção a gastos pormenorizados.

Na ausência de uma cláusula de escape, o genitor não alimentante, ou seja, que não assume a obrigação judicial de alimentos, pode acabar carregando um dever crescente de enfrentamento residual das despesas vindouras. Pela interpretação literal, qualquer valor não determinado expressamente no título como de responsabilidade do alimentante recairia para o outro genitor.

Tendo a sentença que fixa alimentos inegável caráter híbrido, isto é, declaratório e condenatório, esta protege relação jurídica existente por imperativo de lei (como é o dever de sustento dos pais quanto aos filhos).

Assim, a obrigação assumida por um pai de fornecer moradia para seus filhos, embora não estabelecida judicialmente, é legal, pois decorre diretamente de norma jurídica de ordem pública; da mesma forma, qualquer nova despesa que ingresse na vida do alimentando é devida pelos genitores, dispensando-se qualquer pronunciamento judicial para estabelecer aquilo que a lei já determina.

O Poder Judiciário ingressa exatamente para distribuir os encargos de custeio; mas se as próprias partes da relação são capazes de fazê-lo voluntariamente, por zelo ao planejamento familiar, não há necessidade de o Estado intervir (em tese). É bem verdade que a existência de um menor autoriza a intervenção com mais afinco, porém quando a reforma do pagamento alimentar não traz crises, aquele não se encontra em perigo.

A alteração consensual do modo de pagamento da pensão (mesmo a assunção de novos gastos), contanto que comprovada [1], não pode ser ignorada sob o pretexto de inexistir no acordo judicial. O alimentante que enfrenta (novos) pagamentos diversos, voluntariamente, não pode alegar estrito cumprimento do acordo judicial nem mera liberalidade se assim conscientemente não se comportava, sendo flagrante nesse caso a afronta à boa-fé objetiva.

O pagamento de alimentos in natura, por fora do judicialmente estabelecido, por exemplo, não é, por óbvio, mera gratificação, devendo ser reconhecidos como verdadeira obrigação alimentar. Pensar de modo diverso acarretaria tutelar duas situações alternativas de enriquecimento sem causa: a impossibilidade de cobrança (pelo alimentando) de tais valores informais ou a vedação de compensação, pelo devedor, da verba informal com o quantum em pecúnia judicialmente devido. As duas situações são insustentáveis.

Jurisprudência

Em interessante julgado do Superior Tribunal de Justiça, o qual apenas tratou dos arranjos informais em seus fundamentos, o genitor alimentante obrigado ao pagamento de obrigação in pecunia fixada em juízo requereu o abatimento do quantum devido tendo em vista o pagamento de despesas diretas relacionadas com a moradia dos filhos. A Corte Superior, em clara mitigação ao princípio da incompensabilidade dos valores alimentares, tutelou o pedido; veja-se parte do acórdão:

“Nessas hipóteses, penso que não há falar em mera liberalidade do alimentante, mas de cumprimento efetivo, ainda que parcial, da obrigação alimentar, com o atendimento de necessidades essenciais do alimentado (…)”

“No âmbito das relações de família, ademais, não é incomum a realização de acordos informais entre os pais do alimentado, alterando-se a forma de pagamento da pensão fixada em juízo e passando o alimentante a realizar o pagamento direito de obrigações alimentares.” (REsp nº 1.501.992/RJ, relator ministro Paulo de Tarso Sanseverino, 3ª Turma, julgado em 20/3/2018, DJe de 20/4/2018.)

A constatação do STJ não é muito recente, mas importa bastante para fundamentar a boa-fé e as expectativas das partes, que muitas vezes ficam à mercê de uma formalização contínua da pensão sem a qual grandes injustiças são perpetuadas.

Por isso, a alteração da forma de pagamento dos alimentos (obviamente aquelas que não reorganizem toda a obrigação, já que isto deve ser homologado por juiz), deve ser interpretada à luz do consensualismo que a inaugurou em primeiro lugar. Afinal, como dito, a vida em família se altera ao lado das necessidades dos filhos, não podendo o operador do Direito silenciar diante de uma modificação natural, mas não burocrática.

 

 


[1] Agravo de Instrumento. Direito de Família. Execução de alimentos. Decisão que defere a penhora do veículo de propriedade do executado. Impugnação. Agravante que alega, mas não comprova, inversão informal de guarda e prestação de alimentos in natura no período executado. Existência de declaração da menor nos autos afirmando que passou a residir com o genitor em período posterior ao executado. Impossibilidade de se declarar a inexistência do débito. Desprovimento do recurso. (0036837-88.2019.8.19.0000 – AGRAVO DE INSTRUMENTO. Des(a). EDUARDO GUSMAO ALVES DE BRITO NETO – Julgamento: 26/11/2019 – 16ª CÂMARA CÍVEL)

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