Opinião

Transação tributária paulista em comparação ao modelo federal

Autores

  • Mariana Rodrigues

    é advogada tributarista no escritório Finocchio & Ustra Advogados especialista em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas) e membro do Grupo de Estudos do Mestrado Profissional da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP).

  • Leandro Lucon

    é advogado sócio do escritório Finocchio & Ustra Advogados especialista em Direito Tributário e Direito Processual Tributário mestrando em Direito Constitucional e Processual Tributário todos pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e conselheiro titular da Junta de Recursos Tributários (JRT) da Prefeitura Municipal de Campinas/SP.

30 de setembro de 2023, 9h22

Como se sabe, a transação tributária é uma das modalidades de extinção do crédito tributário, prevista no Código Tributário Nacional (artigos 156, inciso III e 171) desde 1966. Contudo, o referido instituto ganhou força e espaço apenas a partir do ano de 2020.

Isso porque, com o advento da Lei nº 13.988/20, a União passou a promover diversas modalidades de negociação e regularização dos débitos federais por meio da transação tributária, o que gerou a arrecadação de aproximadamente R$ 14,1 bilhões até o ano de 2022.

Seguindo o precedente da União, outros estados e municípios também passaram a criar suas próprias leis autorizando a transação tributária, para a viabilização de acordos com os contribuintes. 

Um desses estados foi o de São Paulo que, em outubro/20, instituiu a Lei nº 17.293, a fim de disciplinar a transação tributária. A lei foi posteriormente regulamentada pela Resolução PGE nº 27/20 e pela Portaria SUBGCTF nº 20/20.

Apesar do sucesso da transação tributária no âmbito federal, a transação tributária paulista não teve a mesma sorte. Conforme dados divulgados pela Procuradoria do estado, foi estimada uma recuperação de apenas R$ 222 milhões em acordos e transações até 2023.

Ora! O que faltou então para a transação no estado de São Paulo ter sido tão exitosa em arrecadação quanto a transação federal? 

De uma simples análise dos benefícios aplicáveis aos contribuintes, já se nota que, no âmbito federal, a União promoveu diversas concessões para viabilização dos acordos, enquanto o estado limitou a aplicação da transação a um público restrito, demonstrando algumas inflexibilidades, especialmente quanto à necessidade de garantias, pagamentos de entradas, percentual de descontos e número de parcelas. 

A baixa adesão à transação tributária estadual, e os bons resultados da transação federal, ensejaram uma movimentação do estado para aprimoramento do instituto. Em 15/08/23, o governador Tarcísio de Freitas encaminhou à Assembleia Legislativa do Estado o Projeto de Lei (PL) nº 1245/23, que reformula a transação tributária estadual e busca trazer novas condições para as negociações.

Na exposição de motivos que o acompanha, a Procuradoria do estado relata que o texto reproduz diversos dispositivos de leis federais, com a finalidade de aproveitar a expertise inerente ao regime transacional desenvolvido com sucesso pela Procuradoria da Fazenda Nacional. 

A primeira similaridade identificada é a divisão das modalidades de transação em 1) Transação na Cobrança de Créditos Inscritos em Dívida Ativa do estado, autarquias e outros entes estaduais; 2) Transação Por Adesão no Contencioso Tributário de Relevante e Disseminada Controvérsia Jurídica; e 3) Transação Por Adesão no Contencioso de Pequeno Valor. 

Cabe mencionar que o presente artigo tratará apenas da Transação na Cobrança dos Créditos inscritos em Dívida Ativa. 

Assim, para melhor análise do PL nº 1245/23, traçaremos abaixo um breve paralelo entre a transação federal e a transação estadual na cobrança da dívida ativa. 

Tal como a transação tributária federal, a transação tributária estadual poderá ser proposta pela Procuradoria, na forma individual ou por adesão, ou por iniciativa do contribuinte.

Isso significa que haverá hipóteses em que o contribuinte poderá regularizar seus débitos mediante a aceitação das condições preestabelecidas pela Procuradoria em editais, mas também haverá casos em que o contribuinte poderá apresentar uma proposta de negociação personalizada para as suas necessidades, a qual poderá ou não ser deferida pela Procuradoria, havendo, inclusive, a possibilidade de apresentação de contraproposta pelo referido órgão. 

Em relação aos prazos para pagamento, da mesma forma que no âmbito federal, o Projeto de Lei prevê que os débitos poderão ser regularizados em até 120 meses. O aumento nas parcelas da negociação representa um importante avanço, já que o estado de São Paulo, até mesmo em seus parcelamentos especiais, permitia a regularização dos débitos em até 60 meses, sendo certo que apenas contribuintes em condições especiais, como empresas em recuperação judicial, podiam regularizar em até 84 meses. 

No que tange aos descontos, esses deverão incidir sobre juros, multas, acréscimos legais e honorários e serão limitados a até 65%, do valor total do crédito tributário. Anteriormente, esse percentual era de até 30% do valor do débito para empresas em geral. Importante esclarecer que tais descontos apenas serão aplicáveis àqueles débitos que forem considerados irrecuperáveis ou de difícil recuperação, conforme grau de recuperabilidade a ser aferido pela Procuradoria. 

Vale destacar que pessoas físicas, ME e EPP terão esse prazo estendido para até 145 meses, e os descontos serão de até 70% do valor total do débito. 

Na mesma toada da transação federal, deverá ser permitido na estadual, além de parcelamento, diferimento e moratória, que consistem na dilação do prazo inicial para pagamento e postergação de parcelas, benefícios importantes para contribuintes que possuem faturamentos variáveis ao longo do ano. 

No que tange às garantias, o texto deixa evidente maior flexibilidade na sua aceitação, relatando, inclusive, que poderão ser admitidas quaisquer modalidades previstas em lei. 

Não bastassem os benefícios acima, o texto ainda dispõe sobre a possibilidade de amortizar até 75% do saldo devedor mediante a utilização de créditos líquidos e certos consubstanciados em precatórios, decorrentes de decisões transitadas em julgado.

A referida previsão vem de encontro ao atraso dos pagamentos dos precatórios no estado de São Paulo, decorrente da ampliação, pela EC nº 109/21, dos pagamentos até 2029, podendo ser uma ótima oportunidade para liquidação dos débitos transacionados. 

Por último, cabe mencionar que o PL nº 1245/23 dispõe sobre a possibilidade de utilização de créditos acumulados de ICMS ou decorrentes de ressarcimento de ICMS-ST, de titularidade do responsável tributário ou de terceiros correlacionados, para a amortização do débito. O referido dispositivo parece ter respaldo no mecanismo da transação federal que autoriza o uso de créditos de prejuízo fiscal e base de cálculo negativa para liquidação do débito (artigo 11, inciso IV da Lei nº 13.988/20). 

Nesse ponto, cumpre destacar que o assunto é bem controverso no âmbito federal porque, apesar da Lei nº 13.988/20 ter disciplinado a referida possibilidade, a Portaria n° 6757/22, que regulamenta a transação federal, prevê que esses créditos serão utilizados excepcionalmente e apenas quando demonstrada sua imprescindibilidade para composição do plano de regularização, além de serem aplicáveis apenas a débitos irrecuperáveis ou de difícil recuperação. Espera-se que o mesmo não ocorra no estado de São Paulo, tendo em vista que a limitação do uso de créditos acumulados/decorrentes de ressarcimento poderá travar grandes negociações, implicando indevida redução da aplicabilidade do instituto.   

Assim, apesar de ainda haver pontos a serem aprimorados e esclarecidos, é possível constatar que a transação estadual, se concretizada nos termos do PL nº 1245/23, representará importante avanço para o instituto, pois mais uma vez ficará evidente que o diálogo entre fisco e contribuinte é mais efetivo para a arrecadação estatal e para a preservação das empresas do que a infindável disputa em litígios tributários judiciais.

Autores

  • é advogada da área tributária contenciosa do escritório Finocchio & Ustra Advogados.

  • é advogado, sócio do escritório Finocchio & Ustra Advogados, especialista em Direito Tributário e Direito Processual Tributário, mestrando em Direito Constitucional e Processual Tributário todos pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e conselheiro titular da Junta de Recursos Tributários (JRT) da Prefeitura Municipal de Campinas/SP.

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