Opinião

O novo julgamento do STF sobre a reprovação de contas de prefeitos

Autor

  • Wellison Muchiutti Hernandes

    é advogado professor universitário mestre em Direito Desenvolvimento e Justiça pelo Instituto Brasileiro de Ensino Desenvolvimento e Pesquisa (IDP) e pós-graduado em Direito Público com Ênfase em Gestão Pública pelo Complexo Damasio de Jesus e em Direito Penal pela Faculdade Metropolitana (Fameesp).

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22 de setembro de 2023, 12h24

O Supremo Tribunal Federal mais uma vez vai se debruçar sobre a matéria eleitoral de rejeição de contas dos gestores, após a mudança da Lei da Ficha Limpa e que através da Lei Complementar nº 184/2021, que acrescentou o parágrafo 4°-A, retirando a inelegibilidade de contas reprovadas somente com multas, sem imputação de débito.

O Tribunal Superior Eleitoral no RO 0602597-89.2022.6.26.0000, com relatoria do ministro Benedito Gonçalves, entendeu que a mudança na Lei, não atinge as reprovações pelo Poder Legislativo, apenas as contas reprovadas pelo Tribunal de Contas responsável.

O prefeito que tiver as contas relativas ao exercício anual do mandato reprovadas pela Câmara Municipal por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, será considerado inelegível mesmo sem a imputação de débito.

O tema repercutiu e teve o recurso extraordinário admitido pelo ministro Alexandre de Moraes, para melhor discussão no Supremo Tribunal Federal. Essa será mais uma grande polêmica a ser discutia pela interpretação sobre a Carta Magna e a famosa Lei da Ficha Limpa.

O primeiro ponto, é verificar a competência do julgamento das contas com base no artigo 71 da Constituição Federal de 1988, em que o Supremo já definiu em 2016 nos RE 848.826 e RE 729.744, que cabe ao Poder Legislativo julgar as contas de prefeito, cabendo aos Tribunais de Contas a emissão de parecer sobre a aprovação ou desaprovação.

O fundamento utilizado no julgamento pelo Tribunal Superior Eleitoral, foi no sentido que estaria em desacordo com o artigo 14 §9° [1] da Constituição Federal, para o ministro Benedito Gonçalves, relator do caso no TSE, não é razoável que o dispositivo seja aplicado "de modo absolutamente incompatível com a proteção dos valores da probidade administrativa e da moralidade para o exercício do mandato".

A decisão ficou totalmente incompatível com os próprios preceitos e precedentes do Tribunal Superior Eleitoral, que não basta a mera reprovação de contas, devem estar reunidos requisitos para a inelegibilidade, conforme artigo 1º, inciso I, alínea “g” da Lei 64/90. Dentro dos requisitos, o vicio insanável que configure ato de improbidade administrativa.

Para se considerar ato de improbidade administrativa, deve haver prejuízos ao erário com dolo específico, conforme regulamentação do artigo 37, §4° da Constituição Federal de 1988, pela Lei nº 8.429/1992, com alteração pela Lei Complementar n. 14.230/2021. Por um silogismo, se não há imputação de débito (impugnação), qual seria o prejuízo na reprovação de contas?

Trazendo para o lado mais democrático, não há nem perto uma afronta a probidade administrativa ou moralidade, apenas a alteração serve para retirar a insegurança jurídica. Aliás, se as contas do Prefeito, que foi julgada com parecer contrário a sua aprovação, pode o Poder Legislativo manter, reprovando, depois, deve ser verificado se no parecer existe imputação de débito, ou seja, seria mais um requisito a ser aferido, se apenas foi mantida a reprovação com multa ou sem, deve ser considerado elegível, sob pena de afrontar a Súmula do TSE nº 41: Não cabe à Justiça Eleitoral decidir sobre o acerto ou desacerto das decisões proferidas por outros Órgãos do Judiciário ou dos Tribunais de Contas que configurem causa de inelegibilidade.

O fato que a Lei Complementar 184 de 2021, acrescenta mais um requisito, não se pode cogitar que está em afronta a probidade e moralidade, por trazer diferenças entre simples reprovação contábil ou com aplicação de multa, com reprovação imputando débito.

Se existe uma reprovação de contas aprovadas pelo Poder Legislativo sem imputação de débito, ela deve permanecer e não ter o mínimo de influência em analises futuras de inelegibilidade com a mudança, pois estaria o Decreto Legislativo com afronta a Lei Complementar, tendo em vista que o Decreto poder ser revisto judicialmente.

Dessa forma, seguindo todos entendimentos, tanto da Justiça Eleitoral, como em casos emblemáticos do Supremo Tribunal Federal em feitos eleitorais da Ficha Limpa, a alteração e vigência da Lei Complementar n. 184/2021, deve ter sua aplicação imediata em todos os casos, também de forma retroativa, conforme julgado do RE 929,679 em que foi admitida a retroatividade da Lei da Ficha Limpa.

Se manter o entendimento do ministro Benedito Gonçalves, que entendeu que a mudança na Lei, não atinge as reprovações pelo Poder Legislativo, apenas as contas reprovadas pelo Tribunal de Contas responsável, estariam aplicando a Lei da Ficha Limpa pela metade, esquecendo do parágrafo 4-A.

Por fim, mesmo que existe reprovação de contas pelo Poder Legislativo, agora devem acrescentar mais um requisito para considerar inelegível, "sem a existem de débito", não há mais possibilidade de considerar qualquer gestor inelegível por reprovação de contas, julgar de forma diferente, invade a competência do Controle Externo e do Poder Legislativo.

 


[1] §9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta. (Redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão nº 4, de 1994).

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