Opinião

Governança das estatais: lei não permite nomeações políticas para direção da Caixa

Autor

  • Antônio Augusto de Queiroz

    é jornalista analista e consultor político mestre em Políticas Públicas e Governo pela FGV ex-diretor de documentação do Diap autor dos livros Por Dentro do Governo: como Funciona a Máquina Pública e RIG em Três Dimensões: Trabalho Parlamentar Defesa de Interesse perante os Poderes Públicos e Análise Política e de Conjuntura e sócio-diretor das empresas Consillium Soluções Institucionais e Governamentais e Diálogo Institucional Assessoria e Análise de Políticas Públicas.

22 de setembro de 2023, 14h19

Há várias semanas vêm sendo publicadas notícias e notas sobre a eventual "entrega" de cargos na Caixa Econômica Federal a parlamentares do "centrão", a serem indicados pelo presidente da Câmara dos Deputados entre partidos como Republicanos, União Brasil e PP.

Em entrevista publicada nesta semana pela Folha de S.Paulo, o deputado Arthur Lira, textualmente, afirmou que "a Caixa faz parte de acordo com os partidos" e que "esse foi o acordo", quando indagado se seriam nomeados todos os cargos da alta direção da empresa (presidência e 12 vice-presidências).

Divulgação
Essas indicações estariam sendo feitas em nome da "governabilidade", para assegurar ao governo apoio político no Congresso, especialmente na Câmara, na qual contaria com o apoio firme de apenas 150 deputados. No entanto, essa "aliança" não garantiria a adesão total desses partidos ao projeto do governo, mas apenas o "apoio ao governo" e uma "base mais tranquila" para aprovação de suas propostas na Câmara, segundo o referido deputado.

Esse tipo de negociação não é novidade, e faz parte do que Sérgio Abranches, em artigo publicado em 1988 chamou de "Presidencialismo de Coalização". Abranches retomou o tema no livro Presidencialismo de coalizão: Raízes e evolução do modelo político brasileiro (Companhia das Letras, 2018).

Com efeito, como o livro aponta, a nomeação para cargos de ministro de Estado sempre fez parte dessa equação. No sistema presidencial brasileiro, indicações partidárias para esses cargos não enfrentam nenhum óbice, posto que a Constituição apenas exige que sejam brasileiros maiores de 21 anos e no exercício dos direitos políticos. São cargos, por definição, "políticos", responsáveis por auxiliar o presidente na direção superior da administração federal.

Segundo Abranches, "a excessiva concentração de poderes discricionários na Presidência da República — legislativos e fiscais — é um elemento essencial de estímulo ao clientelismo e à patronagem, ao toma-lá-dá-cá".

Por seu lado, em nome da boa governança das empresas, notadamente das que atuam em ambiente competitivo no mercado, como é o caso da Caixa, Banco do Brasil e Petrobras e suas controladas, a Lei nº 13.303, de 2016, a "Lei das Estatais", tão festejada por toda a mídia e parcela expressiva do Congresso, fixou regras mais rígidas para a escolha de dirigentes e membros de conselhos de empresas estatais, visando reduzir a sua utilização nas barganhas políticas entre Legislativo e Executivo.

Essa Lei, que regulamenta o artigo 173, §1º da Constituição, prevê em seu artigo 16 critérios e limitações para a nomeação de administrador de empresa pública e de sociedade de economia mista.

Já no seu artigo 17, I, a Lei requer que os indicados para os cargos de diretor, inclusive presidente, diretor-geral e diretor-presidente, além da reputação ilibada, tenham "notório conhecimento" e cumpram requisitos de experiência profissional de, no mínimo, dez anos, no setor público ou privado, na área de atuação da empresa pública ou da sociedade de economia mista ou em área conexa àquela para a qual forem indicados em função de direção superior; ou quatro anos ocupando cargo de direção ou de chefia superior em empresa de porte ou objeto social semelhante ao da empresa pública ou da sociedade de economia mista,.

Esses dirigentes devem ter (artigo 17, II), também, formação acadêmica compatível com o cargo para o qual foi indicado e não se enquadrar nas hipóteses de inelegibilidade previstas na Lei da Ficha Limpa.

O §2º do artigo 17 desse diploma legal veda, entre outras, a indicação para esses cargos, de representante do órgão regulador ao qual a empresa pública ou a sociedade de economia mista estiver sujeita, de ministro de Estado, de secretário de Estado, de secretário municipal, de titular de cargo, sem vínculo permanente com o serviço público, de natureza especial ou de direção e assessoramento superior na administração pública, de dirigente estatutário de partido político e de titular de mandato no Poder Legislativo de qualquer ente da federação, ainda que licenciados do cargo, e de quem tenha atuado, nos últimos 36 meses, como participante de estrutura decisória de partido político ou em trabalho vinculado a organização, estruturação e realização de campanha eleitoral, e de pessoa que exerça cargo em organização sindical. Também veda a nomeação de pessoa que tenha ou possa ter qualquer forma de conflito de interesse com a pessoa político-administrativa controladora da empresa pública ou da sociedade de economia mista ou com a própria empresa ou sociedade.

Em medida cautelar concedida na ADI 7331, em 16.03.2023, o ministro Ricardo Lewandowski afastou a vedação de nomeação para Conselhos "de ministro de Estado, de Secretário de Estado, de Secretário Municipal, de titular de cargo, sem vínculo permanente com o serviço público, de natureza especial ou de direção e assessoramento superior na administração pública", constantes do inciso I do §2° do artigo 17 da Lei 13.303/2016, e conferiu interpretação conforme à Constituição ao inciso II do §2° do artigo 17,  para afirmar que a vedação ali constante, para conselheiros e dirigentes, limita-se àquelas pessoas que ainda participam de estrutura decisória de partido político ou de trabalho vinculado à organização, estruturação e realização de campanha eleitoral, sendo vedada, contudo, a manutenção do vínculo partidário a partir do efetivo exercício no cargo , até o exame do mérito.

Com isso, voltou a ser permitida a nomeação de quem não tenha vínculo efetivo com o serviço público, mas apenas os cargos descritos (ministros, secretários, assessores), no caso dos conselhos, ou mesmo, em todos os casos, de quem tenha atuado em campanha eleitoral ou exercido cargo de direção partidária, desde que haja o desligamento desses cargos.

Afastados, liminarmente, esses excessos da Lei, por violarem o princípio da isonomia e o princípio segundo o qual ninguém pode ser privado de direitos por motivo de convicção política, conforme o caput e inciso VIII do artigo 5º da Constituição), contudo, não foram dispensadas as exigências de qualificação e experiência exigidos pelo artigo 17 da Lei.

No caso da Caixa, o Estatuto Social atribui, em seu artigo 78, inciso X, ao Comitê de Pessoas, Elegibilidade, Sucessão e Remuneração "identificar, avaliar e propor ao Conselho de Administração candidatos para ocupar Vice-Presidência, que atendam ao perfil técnico exigido para o cargo, devendo se utilizar de processo seletivo que considere os empregados da CEF, preferencialmente, ou atores externos". O §9º do artigo 78 prevê que o comitê deverá iniciar processo seletivo quando o cargo de vice-presidente estiver ocupado interinamente por tempo superior a seis meses, ou a qualquer tempo, sob demanda do Conselho de Administração.

E, mesmo para o cargo de presidente, não estando sujeito a processo seletivo, não se afastam os requisitos de qualificação e experiência previstos na Lei das Estatais.

Atribuir ao presidente da Câmara, ou a qualquer dirigente partidário, poder de "indicar", livremente, pessoas para cargos de direção na empresa estatal, e na Caixa, em especial, é, portanto, um despropósito, e que relega esses cargos a meras peças num jogo político.

Não se trata de cargos com poder decisório sobre políticas públicas, mas instrumentos de execução de políticas, que gerem recursos vultosos, associados a finalidades estatutárias e societárias, sujeitos a rígidas regras de demonstrações financeiras e auditorias.

A gestão das estatais impacta diretamente o mercado, notadamente os bancos públicos. Sua gestão, como requer a Lei, valorizando a boa governança, e os princípios da moralidade e eficiência, deve ser profissional, transparente, íntegra, ainda que os presidentes dessas empresas possam ser politicamente alinhados aos partidos que apoiam o governo e por eles indicados, mas atendidos requisitos legais expressos.

Não são, assim, cargos de livre nomeação. Seus ocupantes devem ter qualificação e experiência, e observar requisitos e impedimentos legais.

Declarações de que cargos de direção superior na Caixa, Banco do Brasil ou Petrobras, entre tantas estatais estratégicas para o país, podem ser colocados em negociação na base da "porteira fechada", pressupõem o abandono desses requisitos, pois o critério exclusivamente político e o "padrinho forte" serão os únicos fatores a serem, de fato, considerados na escolha de seus ocupantes.

Além da afronta à Lei das Estatais, essa mentalidade representa um retrocesso institucional, vulnerando a gestão das estatais e submetendo-as a um clientelismo e a um "toma lá, dá cá", que já deram mostras de serem fontes de mais problemas do que de soluções para o país.

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  • é jornalista, analista e consultor político, mestre em Políticas Públicas e Governo pela FGV, ex-diretor de documentação do Diap, autor dos livros Por Dentro do Governo: como Funciona a Máquina Pública e RIG em Três Dimensões: Trabalho Parlamentar, Defesa de Interesse perante os Poderes Públicos e Análise Política e de Conjuntura e sócio-diretor das empresas Consillium Soluções Institucionais e Governamentais e Diálogo Institucional Assessoria e Análise de Políticas Públicas.

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