Opinião

Reflexões sobre residência alternada e a receptividade no Poder Judiciário

Autor

  • Otavio Fonseca Pimentel

    é sócio do Pimentel Helito & Razuk Advogados (PHR Advogados) com atuação especializada em Direito de Família e Sucessões ex-membro assessor do Tribunal de Ética da OAB-SP e ex-professor em Planejamento Sucessório na FK Partners.

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19 de setembro de 2023, 19h18

Há algum tempo se conhece a resposta mais frequente do Poder Judiciário nas ocasiões em que um casal, em processo consensual de divórcio ou dissolução de união estável, apresenta para homologação um acordo que prevê a distribuição igualitária do tempo de convivência dos filhos menores com seus genitores, o que acaba implicando algum formato do modelo de residência alternada em guarda compartilhada.

Para estabelecer uma divisão equilibrada do tempo entre os genitores, as partes optam por um determinado tipo de alternância de residência, a exemplo de um ciclo semanal, alternâncias quase diárias, ou por diversas ocasiões um esquema em que os finais de semana alternados se iniciam às sextas-feiras e, por conta disso, durante a semana às segundas e terças se direcionam a um genitor, enquanto que as quartas e quintas ao outro. Somando-se esse arranjo aos finais de semana alternados, tem-se uma distribuição rigorosamente equilibrada do tempo, nos moldes do que, aliás, prescreve o artigo 1.583, parágrafo 2º, do Código Civil.

A resposta do Poder Judiciário, porém, na maioria das vezes, costuma ser negativa. E, além disso, a fundamentação normalmente não se aprofunda na temática envolvida.

A primeira manifestação costuma ser do representante do Ministério Público, que tende a reproduzir fundamentação genérica no sentido de que a guarda compartilhada não implicaria necessariamente a divisão do cotidiano dos filhos entre os lares materno e paterno, terminando por afirmar de forma categórica que seria algo notório e óbvio que os menores em fase de desenvolvimento necessitam de estabilidade, continuidade e referência em sua rotina.

Trata-se de fundamentação que contém preceitos técnicos ligados à psicologia e psicopedagogia infantil, entre outros temas que não possuem origem ou lastro científico no Direito Civil. Em primeiro lugar, portanto, cabe a ressalva de que qualquer assertiva ou deliberação nesse sentido por parte do representante do Ministério Público ou do magistrado oficiante pode se mostrar inadequada em certos casos, sem aprofundamento da questão com detida análise das correspondentes fontes de pesquisa, prova ou conteúdo técnico, além dos elementos do caso concreto.

E justamente nesse ponto é que se apresenta a principal questão a ser posta e atentamente analisada. Se esse tipo de convivência tem sido praticada por inúmeros genitores que, após a separação, buscam prestigiar o equilíbrio na divisão do tempo com os filhos menores, e se esse modelo é implementado de forma consensual e harmônica entre os pais e filhos, imprescindível averiguar se, de fato, existem apontamentos científicos no sentido de desaconselhar tal formato de convívio familiar.

Em um primeiro momento, o que se verifica é uma certa carência de estudos, pesquisas e trabalhos científicos empíricos robustos sobre o tema no Brasil. Por outro lado, os principais indicadores que começam a surgir a partir da prática de tal modalidade parecem bastante positivos, ao mesmo tempo em que no exterior o tema aparenta estar mais avançado.

No âmbito jurídico, dentre os primeiros trabalhos e artigos sobre o tema, merece destaque artigo do professor Mário Luiz Delgado, doutor em Direito Civil pela Universidade de São Paulo, mestre em Direito Civil Comparado pela PUC-SP, in verbis: "No Brasil não existem pesquisas sobre os efeitos nas crianças, da fixação de duas residências, mesmo porque são raríssimas as decisões de fixação de residências alternadas ou simultâneas. Entretanto, nos diversos países em que realizados esses estudos, os resultados têm se mostrado fortemente favoráveis ao modelo de residências simultâneas. Em Portugal encontram-se relatos muito consistentes com conclusões inquestionáveis no sentido de um melhor desenvolvimento das crianças, com reflexos na qualidade de vida dos pais. [2] Na Suécia, segundo Malin Bergström, pesquisadora do Instituto Karolinska de Estocolmo, 'crianças em residências alternadas têm melhor saúde física e mental' [3]. Pesquisas feitas na Austrália e Nova Zelândia demonstraram que a maioria dos filhos desejava passar mais tempo com o pai não residente. Uma dessas pesquisas, direcionadas a adolescentes, comprovou que jovens submetidos à guarda unilateral (ou mesmo à guarda compartilhada sem divisão de residências) expressaram mais sentimentos de perda do que aqueles que cresceram em lares de custódia conjunta com divisão igualitária do tempo de convivência [4]" [1].

Ou seja, existem experimentos em curso ao redor do mundo, além de famílias praticando em suas residências esse regime em território nacional, e tais experiências têm se revelado mais benéficas aos filhos do que a fixação de uma única base de residência, que costuma ocasionar ao menor um certo receio de estar privilegiando um ou outro genitor com sua atenção.

Em nossos tribunais já é possível encontrar reverberações positivas, seja no que diz com a necessidade de caminhar em geral para soluções mais equilibradas e distantes da tradicional residência única, que de certa forma simboliza a monoparentalidade, seja ao menos com exemplos que prestigiam a experiência, prática e vivência já estável na vida das famílias que se apresentam ao Poder Judiciário pedindo a homologação de tais ajustes.

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul já decidiu sobre o tema levando em conta ao menos a experiência das próprias partes no caso concreto, em cotejo com a ausência de maior conteúdo empírico acadêmico interdisciplinar sobre o tema que pudesse amparar conclusão contrária [2].

Em relação à necessidade de avançar no tema em linhas gerais, merece destaque julgado do E. Superior Tribunal de Justiça (Recurso Especial nº 1.251.000/MG, 3ª Turma, ministra relatora Nancy Andrighi, j. 23/08/2011), ocasião em que se assentou que "A custódia física conjunta é o ideal a ser buscado na fixação da guarda compartilhada, porque sua implementação quebra a monoparentalidade na criação dos filhos, fato corriqueiro na guarda unilateral, que é substituída pela implementação de condições propícias à continuidade da existência de fontes bifrontais de exercício do Poder Familiar".

Assim, não há como deixar de reconhecer que a sociedade atravessa momento histórico com impactos bastante sensíveis no que toca ao exercício da parentalidade de forma equilibrada entre os genitores, o que não se mostrava como regra à época em que muitos dos conceitos ainda aplicados tiveram o seu surgimento.

Ainda que se possa concluir pela ausência de uma certeza absoluta a respeito de qual seria o melhor modelo de convivência, parece claro que o Poder Judiciário deve ponderar sobre a viabilidade de prestigiar o bom entendimento dos casais separados que exercem em conjunto a parentalidade de forma harmônica e consensual, acolhendo e chancelando suas posições e pretensões – ainda que eventualmente confirmadas em audiência de ratificação –, o que poderá inclusive acelerar os processos de homologação desses acordos, reservando-se aos magistrados e promotores tempo para atuar nos casos em que realmente a interferência do Estado se faz mandatória, quando há litígio, incompreensão e beligerância entre as partes, ou até mesmo incapacidade de um dos genitores para o exercício do seu papel, o que deve ser apurado sob o crivo do contraditório e devido processo legal. 


[2] (Embargos de Declaração Nº 70077311645, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, relator: Liselena Schifino Robles Ribeiro, Julgado em 25/04/2018).

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  • é sócio do Pimentel, Helito & Razuk Advogados (PHR Advogados) com atuação especializada em Direito de Família e Sucessões, ex-membro assessor do Tribunal de Ética da OAB-SP e ex-professor em Planejamento Sucessório na FK Partners.

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